O país divide-se com os apoios do Estado à cultura e, do que tenho analisado, ambos os lados dizem disparates. De um lado temos aqueles que dizem “E a saúde? E a educação?” sem perceberem que um Orçamento de Estado tem de dividir o mal pelas aldeias e não é por uma coisa estar má que se vai deixar de investir nas outras até essa estar perfeita. São as mesmas pessoas que acham que não se deve ajudar animais enquanto houver pessoas a passar fome e, claro, são as que não ajudam ninguém, animais ou pessoas. São pessoas que não percebem a importância que a cultura tem na sociedade e na educação e que, por norma, os países com mais cultura são os países mais avançados nas restantes áreas.
Do outro lado, temos artistas que se queixam da reforma baixa e que precisam de dinheiro para pagar a renda, quando andaram a receber bem a vida toda, mas decidiram não declarar para descontarem o mínimo e não pouparam dinheiro porque são muito carpe diem e YOLO e assim. Estavam a contar, como grandes artistas que pensam ser, morrer cedo e não precisarem de usufruir da reforma. Temos pena. Descontassem e poupassem como as outras pessoas.
Dito isto, é óbvio que a cultura deve ser apoiada pelo Estado, isto se queremos ser um país desenvolvido. No entanto, apoiar a cultura não é dar milhões a realizadores que produzem filmes todos os anos que o público não quer ver; não é dar sacos de dinheiro a companhias de teatro que têm peças sem ninguém a assistir, durante anos a fio. Este movimento e manifestações da “Cultura acima de Zero!” deviam ter como foco um país mais culto e não artistas mais bem pagos e, infelizmente, pelo que ouvi de alguns, é pela segunda que estão motivados.
Apoiar a cultura não é dar subsídios a artistas para que eles possam pagar a renda. Apoiar a cultura é, por exemplo, como foi feito em Itália, em 2016, em que todos os jovens que completassem 18 anos receberiam um bónus de 500€ que podia ser gasto em museus, teatros, cinemas, concertos, ou na compra de livros, música ou filmes. Isto é investir na cultura sem a desvirtuar e sem continuar a dar de mamar a pseudoartistas.
Apoiar a cultura é ter concursos públicos isentos (muito importante esta parte) onde qualquer pessoa pode submeter um projecto para financiamento, especialmente quem está a começar. Tens uma ideia e vontade de fazer um filme e não tens pais ricos? Se a ideia for boa e relevante para a cultura portuguesa o Estado deve ajudar, caso contrário a cultura fica monopolizada por gente de boas famílias que pode andar a brincar aos artistas sem se preocupar em pagar as contas, coisa que, pelo que vou vendo, acontece amiúde.
Apoiar a cultura é dar dinheiro para uso exclusivo na produção e não salários dos realizadores ou artistas que se juntaram para defecar em cima de jornais numa metáfora filosófica sobre o mundo. Se quiser ver cocó, vou passear a minha cadela. Apoiar a cultura é haver subsídios para usar em marketing e divulgação, por exemplo, para que as pessoas saibam que determinada peça, filme ou o que seja, existe. Assim, já ninguém se podia queixar que não tem público porque este desconhece a existência e apenas resta a hipótese de que ninguém os quer ver.
Apoiar a cultura é subsidiar associações culturais sem fins lucrativos que invistam nas artes para, entra outras coisas, dar um rumo e tirar miúdos em risco das ruas e do crime. Esse talvez seja o maior poder da arte e da cultura que muita gente descura: quando vês um rapper, por exemplo, a dizer que o hip hop lhe salvou a vida e que se não fosse por ele estaria preso ou morto; pena que o hip hop está para a música como o stand up comedy está para o teatro: são os parentes pobres, apesar de serem aqueles que mais vendem e geram visualizações. É curioso; embora a arte, por definição, não precise da validação do público, por isso é complicado julgar arte pelo que ela vende, já que todos sabemos, lá no fundo, que Jorge Palma é muito mais arte do que Maria Leal. Depois há a questão: o que é que é arte e cultura? Para mim, um quadro em branco não é arte nenhuma e dança contemporânea é tão criativa como ataques epilépticos, mas isto sou eu, é a minha opinião e o facto de a achar ridícula pode transformá-la em arte já que me está a despertar sentimentos.
“E se eu não quiser que os meus impostos vão para a cultura?”, perguntam alguns imbecis. E se eu não quiser que os meus impostos vão para pagar a educação e a saúde dos filhos de quem pergunta isso? Isto não são cá caprichos pessoais, damos todos para um bolo e o bolo é repartido por várias áreas, umas que nos agradam, outras não. Mas pronto, se os apoios do Estado para a cultura forem cada vez menores, resta aos artistas vender bilhetes e ter público. Sei que para alguns isso é aterrorizante porque sabem, lá no fundo, que ninguém os quer ver, ouvir ou ler. Talvez os queiram tocar, é investir nessa profissão.
Sugestões e dicas de vida completamente imparciais:
Uma série: Casa de Papel – 2ª temporada já está na Netflix
Um livro: O Caçador do Verão – de Hugo Gonçalves (não li, mas ele é meu amigo e tal, isto neste mundo já se sabe, é tudo cunhas)
Uma peça: aquela que me falha o nome porque ninguém conhece, porque ninguém quer ver, porque não presta.
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