A palavra «presidente» serve para muitas coisas: usamo-la para designar o chefe de Estado, mas também para nos referirmos a quem lidera a assembleia-geral do clube da nossa terra. Curiosamente, este último uso é o mais antigo.

A primeira vez que a palavra foi usada como título para o chefe de Estado, em alternativa a títulos monárquicos como «rei» ou «imperador», foi nos Estados Unidos, no momento em que foi redigida a Constituição que ainda hoje está em vigor. George Washington foi não só o primeiro presidente dos EUA, mas também o primeiro presidente de um país. Já havia repúblicas, mas nenhuma usava esse título em particular.

A palavra já existia: vinha do latim «praesidēns» e designava uma pessoa que preside a uma reunião. O inglês foi buscá-la — como a tantas outras palavras — ao francês. Era um termo que não lembrava, nem de perto nem de longe, a chefia do Estado. 

Quando os EUA se libertaram da monarquia britânica em 1776, começaram por experimentar uma forma de governo descentralizada, em que cada antiga colónia se governava a si própria, com um incipiente governo central. 

A experiência não correu assim tão bem. Em 1787, os representantes das várias colónias reuniram-se e decidiram redigir uma constituição. A Constituição dos Estados Unidos incluía um chefe de Estado individual, que assumiria o poder executivo do governo federal. Não seria um cargo hereditário e seria renovado de quatro em quatro anos. 

Ora, que nome dar a essa figura? Alguém se lembrou da palavra «presidente» — e assim ficou. Para eleger o novo presidente, cada estado escolheria um número restrito de eleitores que, por sua vez, elegeriam o presidente. Ainda hoje os cidadãos de cada estado elegem o Colégio Eleitoral e não, directamente, o presidente. 

Poucos anos depois, o Haiti também chamou presidente ao seu chefe de Estado. Muitos dos países que foram aparecendo por toda a América durante o século XIX escolheram esse título para a chefia do Estado. 

Na Europa, Napoleão Bonaparte declarou-se presidente de uma República Italiana controlada por França que existiu ainda antes de a actual Itália se ter unificado. Ocupava apenas o Norte da Itália e durou três anos. Parece ter sido o primeiro uso da palavra «presidente» para designar o chefe de um Estado europeu, embora aquele fosse um Estado fantoche. 

Em França, o primeiro presidente da República foi Louis-Napoléon Bonaparte, entre 1848 e 1858 (a família Bonaparte parecia gostar do título). Como bom Napoleão que era, o presidente cansou-se e decidiu assumir o mais pomposo título de imperador. Reinou como Napoleão III. Foi o último monarca de França — já depois de ter sido o seu primeiro presidente da República. 

A partir daí, quando algum país se tornava república, era natural que escolhesse o título «presidente» como alternativa aos títulos monárquicos. Foi o que nos aconteceu com a Implantação da República no início do século XX. 

Esta semana temos não só a tomada de posse de um novo presidente do país que inventou o título, como ainda a eleição do nosso próprio presidente da República. Esta história lembra-nos que as palavras viajam entre línguas: «presidente» foi do latim ao francês, do francês passou para o inglês, a bordo dessa língua atravessou o Atlântico e, no Novo Mundo, assumiu um novo e importantíssimo significado. Sem se cansar, continuou a viajar, regressou ao francês e partiu em direcção a quase todas as línguas do mundo. 

A influência das línguas umas nas outras não se limita à exportação e importação de palavras: as línguas também dão novos usos a palavras que foram buscar a outras paragens e, às vezes, mandam-nas de volta à proveniência. Quando usamos a palavra «presidente» para designar o nosso chefe de Estado, estamos a usar uma palavra de embalagem latina, mas com um miolo cozido no inglês.

Marco Neves | Professor e tradutor. Escreve sobre línguas e outras viagens na página Certas Palavras. É autor da Gramática para Todos. 

(Informação corrigida: Napoleão governou, enquanto presidente, entre 1948 e 1952)