Pois, compreendo a sua perplexidade, eu também nunca tinha pensado nisto. Sempre deduzi que se sairia da empresa na qual se trabalha e, na hora da reforma, o valor da mesma caísse automaticamente na conta. Sem stresses. Isto era o que eu pensava até que, na semana passada, li um post do escritor e crítico literário Eduardo Pitta no Facebook, denunciando este “não-assunto”, que ninguém parece interessado em debater. Perguntava Eduardo Pitta: “Como é que, durante doze meses, sobrevive o trabalhador na situação de reforma sem pensão atribuída? Ou o cônjuge sobrevive?”

Se a reforma não é automaticamente disponibilizada como se pagam contas? Sim, porque estar reformado não implica deixar de pagar casa, água, luz, internet, entre outras coisas. Estar reformado não significa ficar imune às coisas da vida. Até seria suposto ter algum conforto, poucas preocupações, níveis reduzidos de stress. Mas não. Fui indagar à minha volta e conclui que a pergunta de Eduardo Pitta aflige muitas pessoas, nomeadamente aquelas que têm despesas de saúde cuja comparticipação do Estado é, vamos dizer, risível. Então, o cenário é este: entrar na reforma, optar por hibernar evitando comer, adoecer. O ideal é não precisar de nada, qual urso, e depois a reforma chega e podemos voltar a viver. O Estado pressupõe que nos aguentamos. Ou que somos ursos e podemos hibernar. Ou então, o Estado considera que os cônjuges têm, por obrigação, de manter as suas caras metades reformadas, sei lá, tipo: toma lá uma mesada até receberes a reforma. Isto na presunção de que o cônjuge se mantém no mercado de trabalho, activo e com salário.

Eu, em estado de profunda surpresa, sabendo que não terei um pé-de-meia financeiro quando deixar de trabalhar capaz de me financiar a existência, e não tendo talento para hibernar, surpreende-me que este assunto seja, como escreveu Eduardo Pitta, um “não-assunto”.

Uma colega de profissão, jornalista há mais de 40 anos, reformou-se recentemente e vê-se nesta situação de não ter um encaixe financeiro mensal. “Estou à espera. Dizem-me que há retroactivos, que vou receber os meses que esperei, mas tem sido difícil, sobretudo porque ainda tenho despesas com uma filha”. Esta jornalista, agora fora do mercado de trabalho, vive com a filha mais nova e não tem marido ou mulher, nem fortuna pessoal ou capacidade de realizar dinheiro que lhe permita viver com dignidade. Como ela estarão muitas outras pessoas, como ela estaremos todos nós no futuro. Ser urso ou ser reformado.

Dá vontade de ir para a rua protestar? Não, dá vontade de processar o Estado que alimentamos com impostos e que, na hora da reforma, ignora as necessidades básicas de sobrevivência. Uma pessoa sente-se urso, embora não tenha talento para hibernar, não é?