“Nous Tous” ("Todos Nós") é o slogan da campanha de Macron. O presidente-candidato tem agora duas semanas para mostrar o que não mostrou na campanha para a primeira volta: que aquele slogan tem um significado autêntico e que não se resume a uma fórmula de comunicação. Macron enfrenta o desafio de desmontar o argumento que Le Pen coloca como confronto essencial nesta eleição: o povo (representado por ela) frente às elites (representadas por Macron).

Poucas horas depois ter recebido o voto de 27,8% dos eleitores (vantagem de 4,7 pontos percentuais sobre os 23,1% dados a Le Pen), Macron fez o que não tinha feito antes da primeira volta, foi para o terreno e lançou-se logo à conquista do mais difícil, o nordeste da França, zona símbolo das dificuldades económicas e sociais, onde muitas fábricas fecharam e onde Le Pen explorou a frustração das pessoas para acumular feudos.

Depois da segunda-feira no norte, Macron esta terça-feira para a Alsácia, outro dos terrenos mais fortes de Le Pen. É o presidente-candidato a tratar de contrariar a imagem de “petit empereur” (imperadorzinho) cheio de soberba que julga que não precisa de ter a humildade de ir para o terreno ao encontro dos cidadãos.

Até parece que é agora que a campanha vai começar na agenda de Macron. Não só com a campanha na rua, também com o primeiro debate em que participa – na quarta-feira da próxima semana, o duelo verbal com Le Pen – e, sobretudo, com “inovação” política.

Macron cumpriu os cinco anos do primeiro mandato apoiado na maioria absoluta do partido En Marche, que criou à pressa na sequência do triunfo presidencial de 2017, mas essa maioria evidenciou grande impreparação política. A maioria parlamentar foi tão inconsequente que fez Macron parecer um presidente absoluto, sozinho, sem equipa competente a apoiá-lo.

É aqui que entra a “inovação” de que Macron falou na noite eleitoral: vai, muito provavelmente, abrir caminho a uma coligação partidária em apoio ao próximo governo. É, no imediato, uma forma de atrair alguns dos que não votaram por ele na primeira volta.

Os partidos (PS e RPR e herdeiros) que nas últimas décadas capitalizaram a política em França viram o fracasso deles agudizado nestas eleições a níveis insustentáveis. Os republicanos de Valérie Pécresse colapsaram para 4,7% enquanto os socialistas, que valeram mais de 50% no tempo de Mitterrand, caíram agora na irrelevância com os apenas 1,7% dos votos em Anne Hidalgo.

A direita republicana está ansiosa por negociar com Macron uma plataforma de sobrevivência.

Entre os socialistas há quem lembre que Macron foi ministro da Economia no governo do socialista Hollande. Há quem defenda que o PSF deve tentar ressurgir com participação numa ampla coligação presidencial. Mas os escassos socialistas que subsistem estão muito divididos.

Seja como for, há tendência para Macron, se reeleito como é o mais provável, passar de governo monocolor de centro-direita para governo de coligação com eixo ao centro. Conforme a tradição francesa, o presidente eleito convoca de imediato eleições gerais antecipadas. Muito do futuro próximo da política em França vai passar pelo resultado dessas legislativas.

Há que ter em conta que Macron, para ser reeleito, precisa do voto de muitos dos quase oito milhões de “insubmissos” que votaram Mélenchon e que, ao darem-lhe 21,9% do voto, o colocaram pertinho de conquistar a Le Pen (23,1%) o lugar no duelo final.

Mélenchon é um perdedor que tem motivos para festejar: alcançou um resultado que está sete pontos percentuais acima do previsto nas sondagens de há uma semana. O veterano, líder do movimento dos “insubmissos”, com alinhamento político próximo do Bloco de Esquerda, torna-se assim a personagem mais forte na esquerda francesa, que está a tentar recompor-se. Em coligação com os Ecologistas e Verdes? Com uma parte do que resta do PSF? São incógnitas para as próximas semanas.

Outra certeza: a direita ultra está forte em França, vale 30% (23,1% de Le Pen + 7% de Zémmour).  Há meia dúzia de meses Zémmour avançava com ímpeto que parecia robusto para destronar Le Pen, tanto que lhe tirou o apoio de muitos dos próximos, até mesmo a muito ativa sobrinha. Mas Marine Le Pen soube mostrar estofo político: explorou o posicionamento mais radical de Zémmour para se reposicionar, procurar “desdiabolizar-se” e aparecer como alguém capaz de representar a França. É uma missão que parcialmente conseguiu realizar. Mas corre o risco de ficar como ficou uma lenda do ciclismo francês, Raymond Poulidor, o eterno segundo classificado: conseguiu oito pódios no Tour mas, sempre suplantado por Anquetil, nunca venceu a tão desejada Volta à França.

No caso, mais provável, de em 24 de abril Le Pen voltar a perder, fica para ver como será a relação entre as duas frentes soberanistas, a de Le Pen e a de Zémmour. Estão com posições diferentes, Zémmour tem obsessão pela ameaça do Islão sobre a cultura cristã da França. Le Pen já não dramatiza tanto essa questão.

Os 52 por cento do voto em candidatos radicais à direita e à esquerda mostram que a próxima presidência da França tem como necessidade vital recuperar o mais possível de coesão.  É uma tarefa colossal. Se a presidência fosse para Le Pen, a tarefa seria impossível porque meia França não a tolera. 

Macron também está confrontado com a fúria de muitos franceses. Dispõe-se a conquistar, através de políticas integradoras, parte deles. Não há sinais fortes de que possa conseguir, há que esperar para ver.

Neste momento, a fratura francesa é profunda. Elitismo frente a populismo para uns, mundialismo contra soberanismo para outros. Democracia vs. autoritarismo, resumem alguns

Um inquérito promovido pelo politólogo Marc Lazar conclui que 64% da geração francesa que está a ficar adulta recusa proximidade com qualquer partido e não se identifica com esquerdas ou direitas, embora se vislumbrem alguns focos de simpatia por dois extremos, Zémmour e Mélenchon.

O próximo presidente da França, provavelmente Macron, arrisca-se a liderar um país quase sem partidos mas com fundas fraturas. A missão é mesmo gigantesca.

Todos na Europa temos lições a aprender desta história atual da França.