Os realistas têm de acreditar que os otimistas têm razão

Pedro Soares Botelho
Pedro Soares Botelho

A frase no título é de António Costa, convicto otimista, convertido ao realismo: a vacina há de vir, mas não se sabe quando, como, nem com que eficácia. Até essa data dourada, há que gerir o risco — equilibrando a morte, a doença e a cura (das pessoas, dos projetos, dos negócios).

Portugal segurou 6,9 milhões de doses de uma eventual vacina para a covid-19. São cerca de 3,3 milhões de vacinas a menos que as necessárias para a imunizar totalidade da população portuguesa.

Há duas maneiras de ver isto: para os otimistas, por um lado, o Estado garante vacinas para quase 70% da população. Porém, para os realistas, por outro, o país não vai ser capaz (pelo menos nesta primeira fase) de garantir vacinas para 30% da população.

O jornalismo está cheio destas maneiras de olhar para as coisas e a forma como esses ângulos inquinam, à partida, aquilo que se lê de uma história.

Serão gastos nesta compra 20 milhões de euros,  numa medida que resulta de uma coordenação entre países da União Europeia.

"A União Europeia (UE) coordenou uma aquisição conjunta para os diferentes países. Hoje, num Conselho de Ministros eletrónico, autorizámos a aquisição do primeiro lote de seis milhões e 900 mil vacinas. A UE selecionou seis das diversas vacinas que estão em desenvolvimento a nível mundial como as seis onde valia a pena investir", disse António Costa, que falava em Vila Nova de Gaia, no distrito do Porto, numa visita ao centro hospitalar local.

Também o comunicado do Conselho de Ministros Extraordinário entretanto divulgado refere que a autorização para o investimento é de 20 milhões de euros e que desta forma "o Estado português se associa assim à aquisição de vacinas contra a covid-19 no âmbito do procedimento europeu centralizado".

"A resolução do Conselho de Ministros hoje aprovada corresponde à primeira fase dos procedimentos aquisitivos, a realizar em 2020, assegurando a aquisição de 6,9 milhões de doses e assumindo como referência a estratégia nacional e correspondentes populações-alvo a definir pela Direção-Geral da Saúde (DGS)", lê-se no comunicado.

"Hoje é um dia importante porque demos um passo fundamental para podermos acreditar que está ao nosso alcance aquele dia fundamental sem o qual não podemos dar esta crise por ultrapassada que é o dia em que há uma vacina desenvolvida pela ciência e produzida pela indústria, mas devidamente comercializada, distribuída e acessível à população", disse o primeiro-ministro.

António Costa recordou, no entanto, que "até haver uma imunização geral da população ou um tratamento" é preciso estar preparado.

"Os otimistas acreditam que no final deste ano haverá os primeiros lotes. Os realistas têm de acreditar que os otimistas têm razão, mas temos de nos preparar para que assim possa não ser. Até haver uma imunização geral da população ou um tratamento para esta doença, temos de estar preparados para o pior para que o melhor se consiga fazer", referiu.

Mas, como se entregam as doses da panaceia capaz de resolver a pandemia? Costa aponta para a DGS: "Confiamos que a DGS defina os critérios a que devem obedecer à vacinação progressiva, universal e gratuita da população portuguesa para assegurar a imunização”.

A pandemia não passou. Ainda nas últimas 24 horas, mais duas pessoas morreram em Portugal, vítimas de uma doença que quase não se vê e cada vez menos se nota, esquecidos que andamos do seu peso — apesar de o animal ainda aí andar a matar e a corroer quem com ele se encontra, as ruas vão encontrando uma banalidade semi-pré-pandémica.

Nas últimas 24 horas há mais quatro doentes internados em cuidados intensivos, tendo o número de internados também aumentado, sendo agora de 334 (mais cinco em relação a quarta-feira).

Mas o inverno e as suas gripes podem agravar um problema já grave. Querem os otimistas pensar que poderá ser que a coisa se endireite e não corra mal; e mesmo aos realistas basta deitar um olho aos hospitais para ver o que já andam a fazer.

Há que ter cautela e aguardar: primeiro, que venha a vacina; depois, que seja distribuída — e, sobretudo, que o mal maior já tenha passado.

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