O (princípio do) fim do cartão do adepto

Pedro Soares Botelho
Pedro Soares Botelho

No mesmo dia em que começa o AUTOvoucher, há um cartão a cair da carteira: o cartão do adepto. É preciso começar por um ponto de desresponsabilização, já que entre o nascimento e o surgimento desse utensílio desportivo, rareia-me a ciência para compreender, realmente, no que consistia tal dispositivo.

Sabemos, todavia, que esta quarta-feira, o parlamento disse “não ao cartão do adepto”, como considerou imperativo o deputado único do Iniciativa Liberal (IL), João Cotrim de Figueiredo, na sessão plenária, antes da aprovação da proposta de revogação da lei.

Passaram três meses entre a implementação efetiva do cartão e aprovação do projeto lei proposto pelo IL. No entretanto, foram emitidos até hoje 2.949 cartões do adepto e registados 111 promotores de eventos.

A votação na generalidade, que contou com 202 deputados inscritos (em 230), teve a abstenção de PSD e PS, à exceção dos deputados socialistas Pedro Bacelar de Vasconcelos, Isabel Moreira, Rosário Gamboa, Tiago Barbosa Ribeiro, André Pinotes Batista, Joana Lima, Carlos Braz e Constança Urbano de Sousa, que votaram a favor, como os restantes partidos com assento parlamentar.

“O cartão do adepto é um atentado às finanças dos clubes e à presunção de inocência de todos os que querem levar as famílias ao futebol”, sublinhou Cotrim de Figueiredo, que acrescentou: “Este parlamento tem a oportunidade de mostrar que pode haver bancadas vazias, mas que aqui não podem existir bancadas vazias de bom senso”.

Assim, para o deputado, “dizer não ao cartão do adepto” ajudaria a “combater a discriminação” e a “evitar o ridículo” da lei, enquanto as propostas do Partido Comunista Português (PCP) e do Chega, que visavam a mesma revogação da portaria que regula o cartão do adepto, terminaram rejeitadas pela bancada parlamentar.

“As consequências são várias e não resolvem nenhum problema. O cartão do adepto não resolve a violência no desporto, o racismo e a xenofobia”, sublinhou a deputada do PCP Alma Rivera, que exigiu “soluções adequadas, proporcionais e eficientes”.

Já André Ventura, deputado único do Chega, pretendia reforçar a videovigilância nos estádios de futebol para combater a violência: “Não é preciso nenhum cartão, nem mais burocracia ou custos. É preciso mais segurança, transparência e videovigilância”.

O cartão do adepto foi, efetivamente, implementado nesta temporada, depois de a interdição de público nos recintos desportivos, devido à pandemia de covid-19, ter adiado a aplicação da portaria, publicada em 26 de junho de 2020.

Este documento, que tem custo de 20 euros e validade de três anos, visa identificar os adeptos que pretendam ocupar as zonas dos estádios habitualmente ocupadas pelas claques dos clubes.

Para a sua obtenção são requeridos nome completo, morada, documento de identificação, número do documento de identificação, data de nascimento, número de identificação fiscal, endereço de correio eletrónico, número de telefone e promotores de espetáculos desportivos que apoia.

Em causa estava, ainda de acordo com a legislação, "controlar e promover as boas práticas de segurança e combater ao racismo, xenofobia e intolerância nos eventos desportivos".

Após a votação de hoje, na generalidade, o assunto terá de ser votado na especialidade e em votação final global.

“Quando a luta é feita de uma forma transparente, sem lóbis, sem patrocínios, sem causas a defender, [então] é uma luta digna, muito justa e só podia ter este resultado”, regozijou-se a presidente da Associação Portuguesa de Defesa do Adepto (APDA), Martha Gens, “a festejar”, minutos após a decisão do parlamento.

Vários elementos da APDA, que se opôs desde o início à lei que implementou o cartão, estiveram na Assembleia da República a assistir à votação, a convite do IL, e ficaram “incrédulos”, assumiu Martha Gens, quando perceberam que a proposta tinha mesmo sido aprovada.

“Isto tem muito de nós. Somos os únicos intervenientes que não obedecem, que são completamente independentes e que têm toda a força para contestar de uma forma muito legítima aquilo que é mais profundo em si, que é a sua própria liberdade”, assumiu, de forma emocionada.

A APDA manifestou-se contra o cartão do adepto mesmo desde antes da sua aprovação e lutou contra a sua implementação, inclusivamente por meios legais, interpondo uma providência cautelar, rejeitada em fevereiro deste ano pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.

A “liberdade” dos adeptos para apoiarem as suas equipas sem restrições foi uma ‘bandeira’ ao longo da luta e a sua recuperação vale “bem mais do que vários 20 euros”, o preço que era necessário pagar para obter o cartão e que Martha Gens não crê que os quase 3.000 adeptos que o pagaram vão pedir de volta.

“Acho que esses adeptos estão mais contentes com o fim da lei do que outra coisa, não querem propriamente saber dos 20 euros. O fim desta legislação paga bem mais do que vários 20 euros. A felicidade de não termos de pensar que temos as nossas liberdades completamente restringidas vale muito mais do que 20 euros”, concluiu Martha Gens.

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