25 de abril: o que os trouxe à rua
O que se celebrou?
Se de manhã as manifestações à porta da Assembleia da República opunham dois lados e duas ideias diametralmente opostas, à tarde milhares de pessoas desceram a Avenida 25 de abril, em Lisboa, para celebrar a democracia em conjunto. Ainda que as lutas e as motivações de cada um possam ser diferentes. O SAPO24 desceu também a avenida para acompanhar a marcha dos festejos do 25 abril, e tentou perceber o que ano após ano continua a levar as pessoas à rua.
A dar uma volta ao Marquês de Pombal estavam sentadas num riquexó duas senhoras a sorrir para os manifestantes. Acompanhadas pela Associação Pedalar Sem Idade disseram, ao SAPO24, não poder faltar a este momento, mesmo já com algumas dificuldades. “Sou uma mulher de 74, sei bem o que era não ter liberdade garantida”, referiu uma delas, que preferiu não ser identificada.
Quem esteve na marcha?
Se houve vozes que se fizeram sentir na marcha foram as dos professores. Em vários grupos de diferentes sindicatos, de diferentes escolas, e a título individual foram vários os que aproveitaram este dia para se fazer ouvir mais uma vez. Em luta, uma professora que prefere não ser identificada falou com o SAPO24 para dizer que hoje não é o dia dos professores, é dia da liberdade. E que, por isso, antes de “se manifestar como professora", manifesta-se "pelos valores de abril”. Isto é, para continuar com o direito de permanecer a participar nas greves e nas manifestações pela luta dos professores
O 25 de abril é um dos momentos do ano em que o país se lembra das diferentes realidades e das diferentes necessidades. Sandra Costa é engenheira de reabilitação, trabalha com pessoas deficientes e, por isso, foi à marcha lutar pela inclusão. "Esforço-me por trabalhar por todos, e não apenas para as partes”, referiu enquanto ajudava a empurrar uma cadeira de rodas.
As marchas, as manifestações, e as celebrações não se fazem com sem cravos. Símbolo eterno de uma revolução pacífica que trouxe liberdade a Portugal. Assim, à margem da marcha está Luzia de cravos na mão, a vender o símbolo da liberdade por €1. Luzia tinha 13 anos quando se deu o 25 de abril. Por isso, e por saber o que “é viver sem direitos”, nunca falhou uma marcha pela liberdade. Hoje vende cravos vermelhos na Avenida da Liberdade para financiar a marcha. Diz que, mais que tudo, quer lembrar as mais novas que as mulheres já tiveram “zero direitos e que não quer que voltem a ser o capacho do homem”.
Eram várias e diferentes as bandeiras que se viam a acenar e a colorir a avenida. Colorida como poucas é a bandeira da comunidade LGBTQI+, acompanhada de cravos Rui Costa e Luís Soares erguiam-na orgulhosos. Saíram à rua para celebrar a proibição das terapias de conversão. Dizem que, graças à democracia, a comunidade LGBTQI+ conseguiu alcançar muito nos últimos anos. Contudo, continuarão a luta pelo “fim da discriminação e mais acompanhamento à comunidade no SNS”.
Quais os temas mais quentes?
Há partidos, há movimentos e há política a ser feita e contestada todos os anos na marcha da liberdade. A habitação tem estado no dia-a-dia e, não falhou o tema a quem desceu a avenida. Hugo Andrade traz a habitação pela mão na marcha do 25 de abril. Literalmente. Num anor uma maquete de uma casa de papelão, com frases que têm marcado a discussão como "fundos imobiliários e alojamento local. Diz ser uma luta importante, uma vez que ainda há pessoas que não têm acesso à habitação. E, principalmente, tendo em conta que o governo “em vez de agir, deixa arder”.
A cultura e a liberdade vivem em simbiose e, por isso, esta também não passou indelével na marcha. Maria Laura Rodrigues lembrou Sophia de Mello Breyner porque “o 25 de abril também é poesia”. Não era nascida antes do 25 de abril e, por isso, continuará a garantir que não se regressa ao país que já não conheceu e que é imperativo "devolver o romantismo às ruas nas coisas pequenas de cada dia", referiu. Também Sara Martins saiu à rua com as cantadeiras alentejanas, grupo a que pertence. Para a jovem de 23 anos, o 25 de abril também serve para celebrar a cultura tradicional e “o papel fundamental do Alentejo e dos alentejanos na revolução”.
Dos mais novos aos mais velhos, da esquerda à direita, foram muitos os que quiseram participar na festa da democracia. A APRE participou por dever, “é uma presença cívica que nos faz todo o sentido. Mesmo mais velhos, queremos participar como cidadãos responsáveis pelo futuro do país”. Arminda Serra disse que os mais velhos ainda não alçaram todos os direitos, “principalmente o rendimento solidário para idosos que já foi aumentado, mas gostaríamos que ele ficasse equiparado ao limiar da pobreza”. As preocupações dos mais novos são naturalmente diferentes. Aos 21 anos, Teresa Núncio junta-se às centenas de pessoas na Avenida da Liberdade mas para gritar “25 de abril, sempre, fósseis nunca mais”. Acredita que “a liberdade sem luta climática é uma sentença de morte”. A luta é, acima de tudo, contra a “alienação” em relação ao tema, e pelo fim da “normalidade” do fóssil, que é o que a preocupa mais. Assegura que, se não houver mudanças, o mundo ficará “sem vidas dignas”.
"25 de Abril Sempre! (Boa)Ventura nunca mais!" assim se lia no cartaz que Pedro erguia. Questionado pelo SAPO24, afirmou que o cartaz dispensa explicações. Coloca Ventura e Boaventura no mesmo saco, e acredita que abril se fez para que cada vez haja menos pessoas como um e outro.
Irão e Cuba 'presentes'
Se para os portugueses o 25 de abril é maioritariamente um dia de celebração, para muitos estrangeiros é também um dia de reivindicações e uma oportunidade para serem ouvidos. Aida, iraniana em Portugal, saiu à rua para “celebrar a liberdade com os portugueses” e lembrar aquela que não há no Irão. Mas deixa um alerta e levanta uma preocupação. “Eu sou iraniana, os iranianos não são livres em Portugal. Somos perseguidos em território portugues pela nossa embaixada”, refere Aida, que prefere não dizer o apelido com medo de repressões, pedindo ainda ao governo português que pare de apoiar o Irão. Também Rodolfo Bendoira é cubano e juntou-se à marcha, que desce a Avenida da Liberdade, com o Iniciativa Liberal. Com ele, mais sete cubanos escolheram juntar-se ao partido liderado por Rui Rocha por ser “o único partido em Portugal que tem defendido a causa cubana, a sua liberdade, social e política.” Rodolfo diz estar apenas “a lutar pelo nosso 25 de abril, que ainda não chegou”.
Quanto às bandeiras pelo fim do embargo a Cuba, que outros partidos ostentam na marcha, Rodolfo diz serem “hipócritas, são pessoas que dizem defender a liberdade mas que na realidade suportam o regime que há 60 anos tem refém o povo cubano. Um regime totalitário, comunista e que suprime todas as liberdades”. Em dia de liberdade, deixa um apelo, pedindo à AR que receba o líder político da oposição cubana, acreditando que, infezlimente, o 25 de abril cubano está longe. “Precisamos que mais partidos do mundo inteiro se juntem a nossa causa”, concluiu.
Fosse qual fosse o motivo que os levou à rua, todos tiveram de fazer da festa um momento bonito e seguro. No fundo, um momento de democracia.
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