Tudo começou num quarto de uma residência de Harvard, em 2002, quando um grupo de jovens, entre eles Mark Zuckerberg, decidiu criar uma rede virtual, limitada ao corpo estudantil, que permitia encontrar e adicionar conhecidos. No espaço de vinte e quatro horas, mais de mil estudantes fizeram o registo. Chamava-se, à altura, thefacebook, e nos meses seguintes expandiu-se às restantes Universidades da Ivy League. Só a partir de 2006 é que o site, já com o nome Facebook, permitiu o registo a qualquer tipo de utilizador, desde que este tivesse uma conta de e-mail e mais de 13 anos, e chegou ao mobile. Sobre a sua história não nos vamos demorar, esta já foi contada por diversas vezes, tendo até chegado ao grande ecrã com a direção de David Fincher [“A Rede Social”, 2010].

Ao longo destes anos não foram poucos os que previram o seu fim e ao décimo aniversário, em 2014, escrevia-se que um dos maiores desafios da rede social era manter-se relevante. Mas foi em 2018, mais do que em qualquer outro ano, que o Facebook acusou dores de crescimento e esteve no centro do debate quanto ao potencial uso indevido dos dados dos seus utilizadores (ainda que tenha registado os maiores lucros da sua história). O escândalo da Cambrige Analytics (março), a ida de Zuckerberg ao Congresso, a falha de segurança que comprometeu 50 milhões de contas (setembro) ou a acusação de conceder dados dos seus utilizadores a empresas como a Netflix (dezembro) marcaram o que muitos apelidaram de o “ano negro” da rede. Para não falar de questões em matéria de transparência — contas e notícias falsas.

O Facebook não foi pioneiro, no sentido em que não foi a primeira rede social — o ClassMates (1995) ou o Friendster (2002)' antecederam-na. Mas é, desde 2013, quando atingiu mais de 1,23 mil milhões de utilizadores ativos mensalmente, a maior rede social do mundo — “se o Facebook fosse um país” seria o mais populoso do mundo.

Hoje tem cerca de 1,49 mil milhões de utilizadores diariamente ativos (números de setembro de 2018). Mafalda, Inês, Tiago, Ricardo, Afonso e David não são nenhum deles. Têm entre 31 e 40 anos e não têm uma conta no Facebook, não querem ter e pouco lhes importa o que lá se passa. Há quem lhes diga: "não és deste mundo". Ou dizia. Porque entre eles há quem tenha ouvido "uns burburinhos de que o Facebook parece estar a decair".

"Não era aquela a pegada que queria deixar na Internet"

"No início a reação era mais de surpresa. Hoje em dia perdeu um pouco a importância", começa por dizer Ricardo, 37 anos, informático. "Antes era esquisito uma pessoa não ter, hoje já não estranham da mesma forma. A proliferação de outras plataformas, como o WhatsApp, que veio substituir o Messenger, explicam-no", diz-nos. E brinca: "Até parece esquisito um informático não ter Facebook, não é?".

Ricardo nunca sentiu a necessidade de estar no Facebook e talvez a culpa seja de outra rede social que em 2008 foi um dos sites mais visitados da Internet: o Hi5. Ainda se lembra dele?

"Tive uma conta no Hi5, mas percebi que aquilo não era para mim e que não era aquela a pegada que queria deixar na Internet. Daí nunca ter criado uma conta no Facebook, porque não achei que a minha experiência no Hi5 fosse boa", conta Ricardo.

Sensação também partilhada por Tiago, 34 anos, engenheiro civil e a quem, quando esteve emigrado, criaram uma página de fãs para o incentivar a ter uma conta — algo como "queremos o Tiago no Facebook". "A reação agora é: 'pois, também não sei porque é que tenho aquilo'", diz. Aquilo é o Facebook.

"Parece que agora há uma vergonha da outra parte em ter [conta] quando estão perante uma pessoa que não tem. Mas essa reação antes era diferente, diziam-me 'tens de criar, que aquilo é engraçado'. Se antes as respostas eram de incentivo à criação, hoje já não são. A postura agora é um pouco de: 'aquilo está morto'", explica o engenheiro civil.

Mas nem toda a gente reage da mesma forma. "Dizem-me que sou de outro mundo". Conta Mafalda, 32 anos e professora de português para estrangeiros em Berlim. E é de outro mundo? "Eu não me sinto", responde. "E já tenho amigos a darem-me razão por não ter criado", remata.

"Durante estes anos todos nunca me interessou. Ao início, pela desconfiança em relação às redes sociais; depois tornou-se numa 'teima'. 'Se todos têm, eu não tenho e não vou ter'". Mas lamenta: "quando voltei do [programa] Erasmus senti que muitos amigos continuaram a conversar através do Facebook e eu não".

"Estão todos a falar disto no Facebook e tu não estás". Será?

E não é por não terem Facebook que estes "desligados" se sentem mais ou menos limitados. Inês, 37 anos, engenheira do ambiente, faz questão de dizer que não é "anti-Facebook", só não "calhou criar" e a partir de certa altura não sentiu mais necessidade. "Nunca senti aquela coisa do 'estão todos a falar disto no Facebook e tu não estás'", diz.

"Até agora nunca me senti excluída de nenhum tema. Existem outras fontes de informação e mais fidedignas, até. Os meios de comunicação, para saber as notícias; e para saber da vida das pessoas, as próprias pessoas", conta. A engenheira do ambiente diz que não precisa de uma plataforma a sugerir-lhe "áreas de interesse". "Existem outros meios menos intrusivos onde consigo obter o mesmo nível de informação ou até melhor", reitera.

Voltando a Tiago, este diz acreditar na premissa de "que se as pessoas querem muito estar com uma pessoa ou manter o contacto, esforçam-se por isso". vai mais longe: "A rede somos nós que a criamos". "Ao longo dos anos fui constatando que se tivesse Facebook as coisas eram mais chatas, teria de dar justificações por ir ao evento a ou b", relata.

Já Afonso, 40 anos e engenheiro mecânico, assume que chegou a sentir falta de ter uma conta. "Toda a gente programa tudo pelo Facebook e depois tenho de ter o cuidado de dizer 'atenção, que eu não tenho'". E conta um episódio que se passou consigo: "Já me aconteceu ir a um treino e ficar à porta. Como não tinha Facebook não soube que tinham feito uma publicação a dizer que nesse dia não ia haver. Perdi meia hora a ir para lá, mas ganhei muitas meias horas a não estar ligado", congratula-se.

O engenheiro mecânico traz ao tema outro ângulo: "A vida não é só o que o Facebook espelha, há muitas outras coisas". "Percebi que as pessoas perdiam muito tempo a ver 'coscuvilhice'. Acho uma perda de tempo ver onde é que andaram, o que é que comeram, se estão felizes. Parece tudo maravilhoso, mas muitas dessas coisas são fachada", destaca.

Gerente de uma empresa, David, 31 anos, diz não se identificar com as redes sociais e considera o Facebook um "vício". Isso quer dizer que a sua empresa não tem página na rede?, perguntámos. "Uma vez abri o Facebook com o intuito de criar uma conta, mas fechei logo. Parti para uma segunda opção, a de ter uma pessoa da empresa a [criá-la e a] geri-la", explicou.

É menos uma porta, mas se não conseguirem pelo Facebook encontram janelas

Tiago tem "praticamente a certeza" de que os seus dados não estão mais seguros por não estar no Facebook. Mafalda concorda e acrescenta que "hoje em dia há outras formas" de chegar aos seus dados. Ricardo, o informático da nossa amostra, também partilha da mesma sensação. "Não sinto que os meus dados estejam mais protegidos. Continuo a ter conta no Gmail ou noutros sítios e os meus dados estão talvez mais voláteis dessa forma.", começa por dizer. "Pode ser ligeiramente mais difícil de chegar, mas hoje em dia, independentemente de termos ou não conta de Facebook, não conseguimos garantir a proteção dos nossos dados. Se calhar é menos uma porta para entrarem, mas, se não conseguirem pelo Facebook, encontram outras janelas. A maior parte do risco quanto à proteção de dados não estão nas políticas de confidencialidade, está na forma como as pessoas gerem as suas contas", conclui.

E o que os faria criar uma conta? "Uma justificação muito grande", diz Tiago. Mas quase todos invocam, no limite, uma "razão profissional". "Para comunicar um produto, não a Inês. Para comunicar a Inês, falem com a Inês", remata a engenheira do ambiente.