Contextualizando o lixo espacial
A Humanidade está cada vez mais dependente de tecnologia espacial para apoiar a vida na Terra. Previsões climáticas, comunicações, navegação, entretenimento, monitorização remota e alerta de catástrofes são apenas alguns dos temas prioritários entre tantos outros nos quais os satélites desempenham agora um papel crucial.
Por outro lado, os avanços tecnológicos na microelectrónica das últimas décadas permitem-nos agora fazer “mais com menos”. Nomeadamente o aparecimento de uma nova classe de pequenos satélites (os cubesats), o que permitiu alargar o acesso ao espaço para novos mercados e indústrias, impulsionando também o investimento do setor privado. Esta nova economia espacial está ainda no início e portanto é esperado que a exploração espacial se intensifique na próxima década.
O acesso ao espaço está tão mais simples e barato que lançar algo para órbita já não é um problema. A maior dificuldade está em controlar o número, o tipo e a posição de objetos espaciais, bem como a sua duração em órbita — aqui pode visualizar um mapa 3D em tempo real de todos objetos orbitando a Terra. Em resumo, a verdade é que o número de objetos espaciais tem crescido drasticamente nas últimas décadas.
Com efeito, do número total de objetos em órbita, apenas 65% são objetos funcionais e o resto é lixo espacial. Lixo espacial ou detrito espaciais (em inglês “space debris”) é o termo usado para definir objetos artificiais no espaço que não têm mais uma função útil. Isso pode incluir satélites não funcionais (como o caso do satélite europeu Envisat), estágios de veículos de lançamento abandonados, detritos relacionados a missões ou fragmentos de colisões.
Mais impressionante que a quantidade de lixo é a densidade populacional do mesmo, ou seja, o número de objetos pela sua posição (em km3) nas diferentes órbitas terrestres. Neste caso, as órbitas baixas (LEO – Low Earth Orbit) são as mais povoadas, principalmente as órbitas polares. Logo de seguida vêm as órbitas geostacionárias (GEO – Geostationary Earth Orbit). Na figura em baixo pode visualizar uma representação da densidade populacional em LEO.
A Síndrome de Kessler e os perigos da Poluição Espacial
A densidade populacional em órbita é um dado tão importante porque permite saber a probabilidade de acontecerem colisões entre objetos espaciais. Se pensa que colisões entre objetos na Terra, como acidentes rodoviários são graves, imagine a gravidade de uma colisão no espaço.
Em primeiro, é preciso considerar o problema da hipervelocidade. Em órbitas LEO, a velocidade dos objetos é de aproximadamente de 7 km/s (ou 25 200 km/h). Qualquer pequeno impacto irá causar danos graves em sistemas espaciais. Veja em baixo o impacto causado por uma bola de 3mm de alumínio a viajar em hipervelocidade.
Em segundo, há o problema que colisões de lixo espacial criam ainda mais lixo espacial. Um dos pioneiros a falar deste conceito foi o cientista da NASA Donald J. Kessler, que em 1978 publicou sobre este efeito agora intitulado de Síndrome de Kessler.
A síndrome de Kessler descreve uma colisão autossustentável em cascata de detritos espaciais em LEO. É um cenário teórico em que a densidade dos objetos é alta o suficiente para que as colisões atuais causem uma cascata de colisões em que cada colisão gera detritos espaciais que aumentam a probabilidade de colisões futuras. O problema está quando não se consegue controlar as colisões o que acaba por levar a um perigoso efeito dominó.
Recentemente na era espacial, aconteceram dois eventos icónicos que provaram o perigo de tais colisões e que se tornaram nas principais contribuições para a população de lixo espacial em LEO. De facto, estes dois eventos produziram lixo equivalente ao número que se espera serem gerados a partir de 50 anos de voo espacial.
Em 2007, muito depois do estudo de Kessler, a China decidiu provar ao mundo que possuía tecnologia militar para destruir satélites. Assim, no decorrer de um teste antissatélite com alvo o satélite meteorológico chinês em final de vida, Feng Yun-1C, criaram-se mais de 3.400 fragmentos rastreados. Em 2009, houve a primeira colisão acidental entre dois satélites, o europeu Iridium-33 e russo Cosmos-2251, o que criou aproximadamente 2.300 fragmentos rastreados.
Por último, a destruição do lixo espacial é muito complicada. Os satélites têm vida útil limitada e o decaimento orbital e natural é um processo moroso para órbitas maiores de 700 km. Pode demorar décadas a 800 km, e centenas de anos para órbitas rodando os 1000 km. Por outro lado, é ainda muito caro e complexo em termos de engenharia destruir, capturar ou reciclar lixo espacial.
A poluição espacial é um assunto sério que requer atenção e soluções práticas e inovadoras. É preciso começar a resolver o problema ou este assunto tornará as atividades espaciais insustentáveis num futuro relativamente próximo.
Como reverter o resultado e mitigar os perigos?
É fundamental ter uma estratégia de sustentabilidade espacial. Neste sentido, as nações espaciais começaram já a juntar esforços no controlo de detritos espaciais através de colaboração internacional. Existe já um consenso em projeções de longo-prazo, sobre quando se poderá iniciar um processo de cascata autossustentável com o objetivo de remediar esta situação para salvaguarda de futuras operações espaciais.
O primeiro passo é monitorizar, prevenir e mitigar. É importante partilhar informação sobre todos os objetos espaciais, bem como limitar a criação desnecessária de detritos orbitais adicionais. O IADC (“Inter-Agency Space Debris Coordination Committee”), a entidade internacional mais reconhecida em detritos espaciais, produziu um conjunto de diretrizes de mitigação, que foram posteriormente adotadas pelo UNCOPUOS (UN Committee on the Peaceful Uses of Outer Space). Ler em detalhe aqui.
Infelizmente, estas diretrizes de mitigação não são, para já, rigorosamente seguidas, uma vez que nenhuma delas é juridicamente vinculativa. Além disso, mesmo que se tomem as medidas de mitigação necessárias, elas não são suficientes para sustentar o regime espacial atual em LEO.
Portanto, iniciativas de limpeza de lixo e manutenção do ambiente espacial serão também necessárias. Aqui destacam-se a Remoção Ativa de Detritos (ADR) e Manutenção em Órbita (IOS). Ambas continuam a ser um desafio técnico e económico.
A primeira pode ser realizada desorbitando os objetos para a atmosfera da Terra ou enviando-os para uma órbita cemitério. Essas atividades podem ser realizadas por meio de uma rede, uma corda, um braço robótico ou por meio da fixação de equipamentos propulsivos autónomos nos objetos. A primeira demonstração de tecnologias ADR em ambiente espacial foi feita pela Universidade de Surrey, em Inglaterra em 2018. Confirme-se como isto se faz no projeto “RemoveDebris”, no vídeo seguinte:
A segunda tem como objetivo estender a vida útil de um satélite, reabastecendo-o, reparando-o ou realizando manutenção e inspeção, o que eventualmente diminuiria o aumento de lixo. Esta é principalmente útil para órbitas GEO. Para ter uma noção da potencialidade desta solução para a nova era espacial, é previsto que o mercado de serviços em órbita chegue a 3 biliões de dólares na próxima década. Neste caso, temos o exemplo da empresa aeroespacial Airbus que se está a já posicionar neste mercado através dos serviços O.Cubed.
Em suma, a poluição resultante da exploração espacial ameaça ser um entrave à exploração futura se não for travada imediatamente. Os perigos do aumento de lixo espacial em órbitas mais usadas como as LEO e GEO já começaram a registar-se e as projeções futuras não são promissoras. Torna-se crítico cooperar internacionalmente e tomar ações conjuntas obrigatórias de maneira a garantir um futuro espacial sustentável.
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