“O Lugar Escuro: Uma História de Senilidade e Loucura”, de Heloísa Seixas, publicado este mês, é um livro de memórias “de uma grande escritora brasileira”, até aqui inédita em Portugal, segunda a editora.
O livro faz o relato da convivência da autora com a doença de Alzheimer da sua mãe, que se instalou num dia exato: “Foi no dia em que minha filha saiu de casa que minha mãe enlouqueceu”, escreve a autora. Esta é a primeira frase do livro.
Era um sábado de manhã e era o dia em que a filha de Heloísa ia sair de casa, e a sua mãe, de 79 anos, que regressara há pouco de uma viagem, arranjou-se a rigor para ir tomar o pequeno-almoço: julgava que ainda estava no hotel.
A partir daqui os sinais foram-se agravando. “Dali em diante cairíamos – minha mãe e todos que estávamos à sua volta – em uma espiral assombrada, feita de vertigem e dor, que giraria cada vez mais rápido, apagando o real”, escreve a autora.
A mesma espiral “marca a intensidade deste relato corajoso e frontal sobre alguém que vai desaparecendo ainda em vida”, descreve a editora.
O escritor brasileiro Ruy Castro, marido de Heloísa Seixas, referiu-se ao livro e a esse período de vida da seguinte forma: “Foi uma trajetória assombrosa, que acompanhei de perto, e que minha mulher, Heloísa, reconstrói nesse livro com uma tremenda força literária e emocional”.
Este livro deixa no ar a pergunta “Para onde vai a identidade de quem amamos quando chega o Alzheimer?” e “resgata da obscuridade um tema tabu”: a doença que tem vindo progressivamente a ensombrar o mundo ocidental, segundo a editora.
“O lugar escuro”, lançado no Brasil em 2007 e adaptado ao teatro em 2013, foi escrito inicialmente como “uma forma de ancorar no papel os fantasmas” que ainda rondavam a autora na época, confessa Heloísa Seixas, para quem este texto era “confessional demais” para ser publicado.
“Porque conviver com a doença de Alzheimer é algo avassalador, e você precisa encontrar um modo de se apaziguar”, acrescenta.
Mas o livro acabou por ser publicado e a autora viu-se de repente no meio de uma “verdadeira tempestade emocional”, com pessoas a interpelarem-na na rua e por telefone para lhe dizerem como o livro as marcara e, sobretudo, para lhe agradecerem ter confessado a sua raiva e não ter feito o papel “de filha boazinha”, conta a escritora na sua página oficial.
Outra novidade da Tinta-da-China para este mês é o mais recente livro da coleção de viagens de Carlos Vaz Marques, “Da Amazónia às Malvinas”, de Beatriz Sarlo, autora argentina até agora inédita em Portugal, que traça uma “grande viagem de juventude” pela América Latina dos anos de 1960 e 70, “pulsando de ímpeto revolucionário”.
“Travessias de barco, caminhadas pelas montanhas e pela selva, o clima e a geografia como protagonistas de aventuras que recriam um continente mítico, ao mesmo tempo que a autora empreende a busca por um 'santuário latino-americano'”, descreve a editora.
Carlos Vaz Marques admite, no prefácio do livro, que talvez nunca se compreenda a motivação que leva uma rapariga argentina a empreender, enquanto jovem maoista, algumas das “viagens ideológicas” descritas no livro.
“Beatriz Sarlo faz um inteligente e corajoso exercício de autocrítica, reinterpretando vivências”, que a autora descreve como não sendo “simples recordações”, porque lhes pertence “de uma maneira radical”, escreve Carlos Vaz Marques.
“À luz deste outro tempo, é-lhe agora possível constatar que, em viagem como na vida, só encontramos aquilo de que vamos à procura”, acrescenta.
Perto do final do mês, no dia 26 de maio, chega às livrarias o novo número da revista literária Granta, também dirigida por Carlos Vaz Marques, subordinado ao tema Comer e Beber.
Comentários