“Francisco Botelho acaba por situar-se numa espécie de terra de ninguém, sem ocupar o lugar cativo, nas histórias literárias portuguesa e espanhola, que a qualidade da sua obra justifica, mas sendo ainda assim muito mais reconhecido em Espanha do que em Portugal”, disse hoje à agência Lusa o coordenador científico do encontro, António Apolinário Lourenço.

Nascido em Torre de Moncorvo, em 1670, “no seio de uma família aristocrática, mas, não sendo o primogénito”, foi acolhido em Madrid por um familiar, Luís Botelho de Magalhães.

Criado e educado em Madrid, “foi em língua castelhana que redigiu a maior parte da sua obra”, salientou Apolinário Lourenço.

“Naquele país, conviveu e ombreou com notáveis intelectuais do seu tempo, conheceu a fama em vida, foi alçado à condição de académico honorário da Real Academia Espanhola, tendo legado à posteridade uma profícua e inovadora obra literária e historiográfica, com destaque para duas epopeias”, referiu.

Trata-se de “El Alfonso”, dedicada a D. Afonso Henriques, pela qual foi agraciado com o “hábito de Cristo” por D. João IV, protagonista da restauração da independência, em 1640, e “El Nuevo Mundo”, consagrada à descoberta do continente americano.

Francisco Botelho legou ainda uma narrativa de ficção intitulada “Historia de las Cuevas de Salamanca”, versão ilustrada de uma antiga lenda salmantina segundo a qual “o demónio todos os anos atraía estudantes e ministrava aulas numa escola alternativa”, numa gruta que ainda existe naquela cidade universitária.

“Além do castelhano, o autor utilizou as línguas portuguesa e latina, tendo reunido as suas sátiras em latim num volume publicado em Salamanca, em 1740”, segundo Apolinário Lourenço.

Botelho “não manejava o idioma pátrio com a mesma destreza” com que usava o castelhano, porém, “nunca sentiu qualquer dúvida sobre a sua nacionalidade”, tendo-se refugiado em Portugal em duas ocasiões.

Num opúsculo publicado postumamente, “chegou a comparar-se ao seu avô Paulo Botelho”.

Este seu familiar, “quando comandava um regimento a caminho da Catalunha ao serviço do rei Filipe IV (III de Portugal), recebeu a notícia da restauração da independência de Portugal e imediatamente inverteu o caminho” para colocar as suas tropas ao lado de D. João IV, fundador da dinastia de Bragança.

Numa das suas passagens pela terra natal, “perturbado pela rusticidade e ignorância dos fidalgos de Torre de Moncorvo, decidiu criar a Academia dos Unidos, dedicada à educação literária e cavalheiresca da nobreza torre-moncorvina”, salientou o professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC).

O transmontano “nunca conseguiu adaptar-se completamente à sua terra e, sentindo-se também maltratado pelo sistema judicial português, explica nesse mesmo opúsculo que, passados os rumores de guerra, voltava a Salamanca porque os ares de Portugal prejudicavam a sua saúde”, tendo morrido no país vizinho, em 1747.

Em Salamanca, existe uma praça com o nome de Francisco Botelho, que exerceu em Roma a função de secretário do embaixador português junto da cúria romana.

Em contrapartida, “apesar de ter sido o mais ilustre escritor da sua terra, está completamente ausente da toponímia” de Torre de Moncorvo, adiantou Apolinário Lourenço, que partilha a coordenação deste primeiro encontro científico sobre o escritor com Ignacio Arellano, da Universidade de Navarra, sendo coadjuvados por Carlos d’Abreu e Mariela Insúa.

No colóquio, que decorrerá na FLUC e é aberto ao público, participam investigadores de Portugal, Espanha, França, Estados Unidos e Senegal.

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