Qualquer análise tem de começar em 1964, ano da primeira participação de Portugal no concurso. António Calvário levou "Oração" a Copenhaga, mas no bolso trouxemos zero pontos (a pontuação nula voltaria a repetir-se em 1997, com "Antes do Adeus" de Célia Lawson). Espanha, por seu lado, tinha feito a sua estreia anos antes, em 1961, em Cannes.
É importante sublinhar que esta análise apenas incide sobre a votação na final. A partir de 2003, face ao número cada vez maior de países a competir, o acesso à final passou a ser garantido a partir de duas semifinais. Portugal não garantiu passagem por nove vezes (de 2004 a 2007, 2011, 2012, 2014, 2015 e em 2019) e não participou por duas desde então (2013 e 2016). Espanha faz parte dos chamados "Big-5" ("Big-4 entre 2004 e 2010), o grupo de países que pela sua contribuição (monetária) para o organismo organizador do Festival, a União Europeia de Radiodifusão (UER), tem um lugar garantido na final.
0 pontos vão para...
Entre 1964 e 2022, Portugal não votou nas canções espanholas 21 vezes e Espanha “zerou” as canções portuguesas por 17 vezes (a última este sábado).
Há, até, dois intervalos temporais onde Espanha simplesmente ignorou Portugal na altura de pontuar. Entre 1980 e 1982 e entre 1994 e 1997. Do outro lado da fronteira, como é que se diz, nem bons ventos, nem pontuação?
Por oito vezes, em situações em que podiam votar um no outro (exemplo, estando ambos na final), os dois países escolheram não o fazer (1964, 1965, 1976, 1977, 1982, 1992, 1994 e 1999): zero pontos para cada lado.
Das vezes em que Espanha deu zero pontos a Portugal, há algumas que podem 'cair' pior. Como é o caso da ausência de pontos no ano de José Cid ("Um grande, grande amor", 1980), das Doce ("Bem Bom", 1982) ou de Lúcia Moniz ("O meu coração não tem cor", 1996, que teve o melhor resultado até à vitória de Salvador Sobral, um 6º. lugar).
Mas ao contrário também há coisas complicadas de explicar. Como em 1979, quando Espanha terminou em segundo lugar, a 9 pontos da canção vitoriosa de Israel. Caso Portugal tivesse dado 10 pontos (e não zero) a "Su canción", de Betty Missiego, a vitória da edição desse ano seria espanhola.
E a pontuação máxima vai para...
No que concerne à pontuação máxima, Portugal atribuiu 12 primeiros lugares a Espanha (de 1966 a 1969, 1973, 1984, 2003, 2004, de 2010 a 2012 e 2022), e os nossos vizinhos apenas nos brindaram por sete vezes com o máximo dos pontos (1966, 1968, 1971, 1973, 1993, 1994 e 2017).
Nas duas vitórias de Espanha na Eurovisão, em 1968 e 1969, Portugal contribuiu para esse resultado atribuindo as pontuações máximas aos temas espanhóis dessas edições.
Só desde 2010, Portugal deu a Espanha 12 pontos por quatro vezes (mas também lhes atribuiu zero por três edições).
No mesmo período, Espanha só teve oportunidade de votar em Portugal por por cinco vezes, as que chegámos à final, pontuando duas vezes com 0 pontos e uma com a pontuação máxima (12 pontos para "Amar pelos Dois").
Se muita gente ficou revoltada com a diferença entre os 12 pontos/0 pontos atribuídos nesta última edição pelo júri dos dois países (Portugal/Espanha, respetivamente), pois saiba que não foi a primeira vez que tal se sucedeu. Já o tinha acontecido, mas com o televoto (cujos valores passaram a ser conhecidos desde 2016).
Em 2018, quando Portugal foi a casa da Eurovisão pela primeira vez, o público português pontuou o tema espanhol "Tu canción", de Alfred García e Amaia Romero, com 12 pontos. Em resposta, "O Jardim", interpretada por Cláudia Pascoal, recebeu do público espanhol zero pontos e terminou em último na classificação (em boa verdade, apenas o televoto da Suíça e de França votou no tema português).
Porém, também Portugal já tinha "zerado" Espanha em 1993 e 1994. Quando Espanha deu 12 pontos aos temas "A cidade (até ser dia)", de Anabela, e "Chamar a música", de Sara Tavares, Portugal deu zero em troca.
Noutra nota, em 2017, o voto popular espanhol deu a pontuação máxima a Portugal ("Amar Pelos Dois), e o televoto nacional retribuiu com 5 pontos (os únicos recebidos do voto popular por Manel Navarro, com "Do It for Your Lover").
Em 2022, o televoto português seguiu a mesma tendência do júri nacional e atribuiu 10 pontos a "SloMo", de Chanel. O voto popular espanhol foi mais generoso que o júri especializado e deu quatro pontos a "Saudade, Saudade", de Maro.
Os Kalush Orchestra venceram a edição deste ano da Eurovisão. O voto do público foi decisivo e "Stefania", tema que representou a Ucrânia, entra para o segundo lugar dos temas mais pontuados (uma lista liderada por Salvador Sobral). O voto do júri espanhol não pontuou o tema ucraniano e o de Portugal atribuiu-lhe 8 pontos. Já o televoto de ambos os países deu a pontuação máxima à Ucrânia: 12 pontos.
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