As pequenas leis da vida

Um dia, almocei com um tipo próximo de Warren Buffett.

Este tipo — chamemos-lhe Jim (nome fictício) — andava a viajar por Omaha, no Nebrasca, com Buffett no fim de 2003. A economia global estava debilitada por esta altura e Omaha não fugia à regra. Viamse lojas entaipadas e empresas falidas.

Jim disse a Warren:

— Está tudo péssimo. Como pode a economia recuperar de uma coisa destas?

— Jim, sabes qual era o chocolate mais vendido em 1962?

— Não.

Snickers — disse Warren. — E sabes qual é o chocolate mais vendido hoje?

— Não.

Snickers.

Fezse silêncio. A conversa ficou por ali.

Este é um livro de histórias acerca do que não muda num mundo em constante mudança.

A História está cheia de surpresas que ninguém poderia antecipar. Mas está também cheia de sabedoria intemporal.

Se recuassem ou avançassem quinhentos anos no tempo, ficariam espantados com as mudanças na tecnologia e na medicina. A ordem geopolítica não faria sentido. A linguagem e dialeto poderiam ser completamente incompreensíveis.

Contudo, veriam pessoas ceder à cobiça e ao medo tal como acontece no nosso mundo.

Veriam pessoas persuadidas pelo risco, pela inveja e por ligações tribais de formas que vos seriam familiares.

Veriam excessos de confiança e miopias que vos recordariam o comportamento das pessoas de hoje.

Veriam pessoas à procura do segredo para uma vida feliz e a tentarem encontrar certezas onde nenhuma existe de modos completamente compreensíveis.

Quando transportados para um mundo estranho, passariam uns minutos a observar o comportamento das pessoas e diriam: «Ah, já vi isto antes. O mesmo de sempre.»

Frederico Lourenço junta-se ao É Desta Que Leio Isto no próximo encontro, marcado para dia 23 de maio, uma quinta-feira, desta vez com um horário diferente: pelas 20h00. Consigo traz o seu romance "Pode Um Desejo Imenso", editado pela Quetzal.

Para se inscrever basta preencher o formulário que se encontra neste link. No dia do encontro vai receber, através do WhatsApp — no nosso novo canal —, todas as instruções para se juntar à conversa. Se ainda não aderiu, pode fazê-lo aqui. Quando entrar no canal, deve carregar em "seguir", no canto superior direito, e ativar as notificações (no ícone do sino).

Em maio, a propósito das comemorações dos 500 anos de Camões, o clube vai olhar de outra forma para o autor do poema épico "Os Lusíadas", através do romance de Frederico Lourenço.

Saiba mais obre o livro e o autor aqui.

A mudança capta a nossa atenção por ser surpreendente e entusiasmante. Mas os comportamentos que nunca se alteram constituem as lições mais poderosas da História, por anteverem o que podemos esperar no futuro. No vosso futuro. No futuro de todos. Não importa quem são, de onde vêm, que idade têm ou quanto recebem, há lições intemporais a extrair do comportamento humano que são das coisas mais importantes que podem aprender.

É uma ideia simples, mas muito fácil de descurar. E assim que a entenderem, serão capazes de compreender melhor a vossa vida, perceber porque funciona o mundo desta maneira e encontrar mais conforto no que o futuro vos reserva.

Jeff Bezos, o fundador da Amazon, disse um dia que lhe perguntam frequentemente o que irá mudar nos próximos dez anos. «Quase nunca me perguntam: “O que não vai mudar nos próximos dez anos?”», disse. «E pareceme que esta segunda pergunta é, na verdade, a mais importante das duas.»

Coisas que nunca mudam são importantes por valer a pena investir em descobrir de que forma moldarão o futuro. Bezos disse ser impossível imaginar um futuro em que os clientes da Amazon não queiram preços baixos e envios expeditos — pelo que pode investir fortemente nesses dois aspetos.

Aplicase a mesma filosofia a quase todas as áreas da vida.

Não faço ideia de como será o mercado bolsista do próximo ano (ou de outro ano qualquer). Mas confio na inclinação das pessoas para a cobiça e para o medo, que nunca se altera. Por essa razão, é nisso que gasto tempo a pensar.

Não faço ideia de quem vencerá as próximas eleições presidenciais. Mas confio na maneira como as identidades tribais das pessoas influenciam a maneira como pensam, que não é diferente hoje de como era há mil anos e de como será daqui a mil anos.

Não vos sei dizer que negócios predominarão na próxima década. Mas sei dizervos de que modo os líderes empresariais deixam o sucesso subirlhes à cabeça, tornandose preguiçosos e arrogantes, o que os leva a perder as suas vantagens. Essa história não se alterou em centenas de anos e nunca se alterará.

Os filósofos passaram séculos a discutir a ideia de que a vossa vida se pode desenrolar de um infinito número de maneiras e que vivem nesta versão em concreto por acaso. É bizarro imaginar tal coisa e isso levanos à seguinte questão: o que seria verdade em cada versão imaginável da vossa vida, e não apenas nesta? Essas verdades universais são evidentemente a coisa mais importante em que se podem con-centrar, por não dependerem do acaso, da sorte ou de meros acidentes.

O empreendedor e investidor Naval Ravikant pôs as coisas nestes termos: «Em mil universos paralelos, vão querer ser ricos em 999 deles. Não querem ser ricos nos cinquenta em que tiveram sorte, pelo que queremos tirar a sorte da equação. [...] Quero viver a minha vida de tal forma que se vivesse mil vezes, o Naval teria sucesso em 999.»

Este livro é sobre isso: em mil universos paralelos, o que seria verdade para todos eles?

Cada um dos seguintes vinte e três capítulos pode ser lido isoladamente, pelo que podem saltar ou ordená-los como quiserem. Em comum têm a minha confiança de que cada um destes tópicos será tão relevante daqui a cem anos como foram há cem anos.

Nenhum dos capítulos é longo, e não precisam de agradecer por isso. Muitos foram extraídos do meu blogue no Collaborative Fund, onde escrevo sobre a interseção de dinheiro, História e psicologia.

O primeiro assinala quão frágil o mundo é recorrendo a uma história pessoal sobre o dia mais assustador da minha vida.

PRESO POR UM FIO

Se souberes onde estivemos,
percebes que não fazemos ideia
de para onde vamos.

A História ensina-nos a perceber quanto do mundo está preso por um fio. Algumas das maiores e mais significativas mudanças na História aconteceram devido a um encontro (ou decisão) aleatório, imprevisto e irrefletido que conduziu à magia ou ao caos.

O escritor Tim Urban escreveu: «Se recuassem no tempo até antes do vosso nascimento, teriam medo de fazer o que quer que fosse, por saberem que as mais pequenas alterações ao presente podem ter um impacto tremendo no futuro.»

Livro: "O Que Nunca Muda"

Autor: Morgan Housel

Editora: Presença

Data de Lançamento: 17 de abril de 2024

Preço: € 15,90

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Isto é assustadoramente verdadeiro.

Deixem-me contarvos uma história pessoal acerca de como me interessei por este tema.

Eu cresci a praticar esqui no lago Tahoe. Fazia parte da Squaw-Valley Ski Team e isso foi o centro da minha vida durante uma década.

A nossa equipa de esqui era composta por doze esquiadores. No início dos anos 2000, nós éramos adolescentes e muitos de nós tínhamos passado a maior parte da vida juntos. Esquiávamos seis dias por semana, dez meses por ano, viajando pelo mundo para onde quer que houvesse neve.

Eu não era próximo da maioria deles — passávamos demasiado tempo juntos e lutávamos a toda a hora. No entanto, quatro de nós tornámo-nos amigos inseparáveis. Esta é a história de dois desses amigos — Brendan Allan e Bryan Richmond.

Em 15 de fevereiro de 2001, a nossa equipa acabara de regressar de uma corrida no Colorado. O voo de regresso tinha sido adiado porque o lago Tahoe fora atingido por um nevão enorme, mesmo para os padrões locais.

Não se pode esquiar quando há um manto de neve recente — para as corridas é preciso gelo compacto. Por isso, os treinos foram cancelados e o Brendan, o Bryan e eu preparámonos para uma semana daquilo a que chamávamos esqui livre: palhaçadas sem nexo, descidas na brincadeira e um tempo bem passado.

No início desse mês, caíram no Tahoe alguns metros de neve solta e fofa trazida pelo ar gelado. A tempestade de meados de fevereiro foi diferente. Era morna — mal chegava às temperaturas negativas — e vigorosa, deixando um metro de neve pesada e húmida.

Na altura não pensámos nisso, mas a combinação de neve pesada em cima de neve fofa cria as condições perfeitas para uma avalanche. Uma base leve de neve com uma camada pesada por cima é incrivelmente frágil e tende a deslizar.

As estâncias de esqui são bastante boas a proteger os seus clientes de avalanches, fechando as pistas mais perigosas e recorrendo a explosivos para provocar propositadamente avalanches durante a noite, antes da chegada matinal dos clientes.

Contudo, se estiverem a esquiar fora de pista — passando por baixo das fitas de delimitação para esquiarem no terreno proibido e virginal — esse sistema não servirá de nada.

Na manhã de 21 de fevereiro de 2001, o Brendan, o Bryan e eu encontrámonos nos cacifos da Squaw Valley Ski Team, como fizéramos centenas de vezes antes. As últimas palavras do Bryan antes de sair de casa naquela manhã foram: «Não te preocupes, mãe. Não vou esquiar fora de pista.»

Contudo, assim que montámos nos esquis, foi isso que fizemos.

A colina de Squaw Valley (agora chamado Palisades Tahoe), por trás do teleférico KT22, é uma cadeia montanhosa com um quilómetro e meio de comprimento que separa Squaw da estância de esqui de Alpine Meadows.

É excelente para esquiar — inclinada e ampla, com um terreno ondulado.

Antes de 21 de fevereiro, já esquiara lá talvez uma dúzia de vezes. Não era um dos nossos sítios habituais, porque demorava demasiado tempo. Deixanos numa estrada isolada, de onde tínhamos de apanhar boleia até aos cacifos.

O Brendan, o Bryan e eu decidimos esquiar lá naquela manhã.

Segundos depois de passarmos por baixo das fitas de delimitação, lembrome de ser apanhado no meio de uma avalanche.

Nunca tinha passado por isso antes, mas foi inesquecível. Não ouvi nem vi o deslizamento. Só me apercebi de repente que os meus esquis já não estavam no chão — estava literalmente a flutuar numa nuvem de neve. Não temos qualquer controlo numa dessas situações, porque em vez de sermos nós a empurrar a neve para ganhar tração com os esquis, é a neve que nos empurra. Só nos resta manter o equilíbrio para nos aguentarmos de pé.

A avalanche foi pequena e acabou depressa.

— Viste aquela avalanche? — lembro-me de dizer quando chegámos à estrada.

— Ah, ah, foi incrível — disse o Brendan.

Não falámos mais sobre o assunto enquanto íamos de boleia até aos cacifos.

Quando voltámos a Squaw, o Brendan e o Bryan disseram que queriam descer a encosta outra vez.

Não sei porquê, mas não quis ir.

No entanto, tive uma ideia. O Brendan e o Bryan podiam descer a encosta outra vez e eu ia dar a volta de carro e apanhavaos para que não tivessem de vir de boleia.

Concordámos com o plano e separámo-nos.

Trinta minutos depois, guiei pela estrada isolada onde devia apanhar o Brendan e o Bryan.

Não estavam lá.

Esperei mais trinta minutos antes de desistir. Demorava cerca de um minuto a descer, portanto sabia que já não apareceriam. Imaginei que tivessem chegado mais cedo e apanhado boleia de volta.

Voltei ao cacifo, achando que os encontraria lá. Também não estavam aí. Perguntei por eles. Ninguém os vira.

Mais tarde nesse dia, por volta das quatro da tarde, a mãe do Bryan ligou para minha casa. Lembrome de cada palavra.

«Olá, Morgan. O Bryan não apareceu no trabalho hoje. Sabes onde ele está?», perguntou.

Disselhe a verdade. «Nós descemos a encosta da KT-22 esta manhã. Ele e o Bryan foram descêla outra vez e eu ia apanhálos na estrada. Mas eles não estavam lá e não voltei a vê-los desde então.»

«Ai, meu Deus», disse. E desligou.

A mãe do Bryan também era uma esquiadora experiente. Acho que naquele momento ela percebeu o que podia ter acontecido. Eu também.

As horas passaram e toda a gente começou a ficar preocupada.

Até que alguém ligou à polícia e reportou um desaparecimento. A polícia não levou o caso a sério e sugeriu que o Brendan e o Bryan provavelmente teriam ido a uma festa.

Eu sabia que isso não era verdade. «Os sapatos deles estão ali», disse, apontando para os ténis do Brendan e do Bryan no chão do balneário. «Isso significa que têm as botas de esqui nos pés. E são nove da noite. Pensem. São nove da noite e eles têm as botas de esqui calçadas.» Foi a primeira vez que as pessoas tomaram consciência da gravidade da situação.

Por volta das dez da noite, pediram-me que fosse ter aos Bombeiros de Squaw Valley para me encontrar com a equipa de busca e salvamento.

Expliquei tudo o que o Brendan, o Bryan e eu fizéramos naquele dia. A equipa de buscas sacou daqueles mapas fotográficos gigantescos provavelmente tirados de um helicóptero. Mostreilhes exatamente em que ponto da zona fora de pista tínhamos entrado.

Falei-lhes da pequena avalanche daquela manhã. Assim que referi isso, consegui ver as pontas a uniremse na cabeça dos socorristas. Lembro-me de que quando parei de falar, dois dos socorristas olharam um para o outro e suspiraram.

A meio da noite, munidos de holofotes gigantes e uma equipa de cães pisteiros, os socorristas foram à procura do Brendan e do Bryan.

Mais tarde, soube que assim que entraram na zona fora de pista onde lhes dissera que tínhamos esquiado, encontraram uma zona de detritos provocada por uma avalanche recente. Era gigante, «como se metade da montanha tivesse sido arrancada», disse um deles.

Voltei para os cacifos por volta da meia-noite. O parque de estacionamento de Squaw Valley tem espaço para várias centenas de carros. Por esta altura, estava quase vazio. Já todos haviam voltado para casa, exceto dois carros parados ao lado um do outro: o Jeep do Brendan e a carrinha Chevy do Bryan.

Tentei dormir num banco do balneário, mas não conseguia fechar os olhos. Lembro-me de pensar que o Brendan e o Bryan iriam irromper pela porta e que nos riríamos da vez em que chamei a polícia para os encontrar.

Às nove da manhã, a zona dos cacifos estava cheia de outros esquiadores, pais, amigos e família, todos cheios de vontade de ajudar. Tornou-se uma área de preparação para as buscas.

Reclinei-me no banco e consegui finalmente adormecer.

Uns minutos depois, acordei com o som de um grito e de uma enorme comoção.

Sabia o que se passara. Ninguém precisava de mo dizer.

Fui até ao segundo andar dos cacifos, onde vi a mãe do Bryan num sofá. O grito fora dela.

— Lamento muito — disse-lhe, em lágrimas.

É difícil descrever um momento assim. Não sabia que mais podia dizer naquela altura. Não sei o que mais dizer agora.

Os cães pisteiros concentraramse numa zona da avalanche onde os socorristas encontraram através de sondas de avalanche o Brendan e o Bryan soterrados debaixo de dois metros de neve.

Nasceram com um dia de diferença e morreram a três metros um do outro.

Mais tarde nesse dia, fui visitar o meu pai ao trabalho. Queria estar perto da minha família. Veio ter comigo ao parque de estacionamento e disse: «Nunca fiquei tão feliz por te ver.» Foi a única vez em que o vi chorar.

Não me tinha ocorrido até aí quão perto estivera de ir com o Brendan e o Bryan naquela descida fatídica.

Então, comecei a pensar: porque desci aquela encosta com eles uma vez naquela manhã e rejeitei voltar a ir — uma decisão que quase de certeza me salvou a vida?

Já pensei nisso um milhão de vezes. Não faço ideia.

Não faço ideia.

Não há uma explicação.

Não foi uma decisão ponderada, não calculei o perigo, não con-sultei um especialista, não medi os prós e contras.

Foi um completo acaso, um momento de pura sorte aleatória e irrefletida que se tornou a decisão mais importante da minha vida — bem mais importante do que qualquer decisão intencional que tomei — ou que alguma vez tomarei.

É essa a minha história pessoal e talvez vocês tenham uma igual na vossa vida. Mas se prestarem atenção, verão que grande parte da História é também assim.

Deixem-me dar-vos três exemplos bizarros de quanto do mundo hoje depende de pormenores em que nunca pensaram.

A Batalha de Long Island foi um desastre para o exército de George Washington. Os seus dez mil soldados foram arrasados pelos ingleses e pela sua frota de quatrocentos navios.

Contudo, poderia ter sido bem pior. Poderia ter sido o fim da Guerra da Independência.

Bastaria aos ingleses subirem o rio East e as tropas encurraladas de Washington teriam sido aniquiladas.

Contudo, isso nunca aconteceu, porque o vento não soprava na direção certa, o que tornava impossível navegar rio acima.

O historiador David McCullough disse numa entrevista a Charlie Rose que «se o vento soprasse noutra direção na noite de 28 de agosto [de 1776], acho que tudo teria acabado».

«Não haveria Estados Unidos se isso tivesse acontecido?», perguntou Rose.

«Acho que não», disse McCullough.

«Só por causa do vento a História mudou?», perguntou Rose.

«Com certeza», disse McCullough.

Para poupar dinheiro, o capitão William Turner fechou a quarta sala de caldeiras do seu gigantesco navio a vapor durante a travessia de Nova Iorque para Liverpool. Esta decisão atrasaria um dia a viagem do navio — um incómodo, mas cuja poupança compensaria, uma vez que a indústria dos navios de passageiros atravessava uma crise económica.

Mal sabia ele ou quem quer que fosse quão fatídica essa decisão seria.

O atraso significou que o navio de Turner — o Lusitania — se atravessaria agora no caminho de um submarino alemão.

O Lusitania foi atingido por um torpedo, matando quase mil e duzentos passageiros e constituindo o mais importante impulso para reunir o apoio dos cidadãos dos Estados Unidos à entrada do país na Primeira Guerra Mundial.

Se a quarta sala de caldeiras estivesse operacional, Turner teria -chegado a Liverpool um dia antes de o submarino alemão entrar no mar Celta, onde se cruzou com o Lusitania. O navio teria provavelmente escapado ao ataque. Um país poderia ter escapado a uma guerra que marcou o resto do século XX.

Giuseppe Zangara era pequeno, mal tinha um metro e meio. Subiu a uma cadeira num comício político em Miami, em 1933, por ser a única forma de apontar a arma por entre a multidão.

Zangara disparou cinco tiros. Um deles atingiu o mayor de Chicago, Anton Cermak, que estava a apertar a mão do alvo de Zangara. Cermak morreu. O alvo, Franklin Delano Roosevelt, foi empossado como presidente duas semanas depois.

Meses depois de tomar posse, Roosevelt transformou a economia americana através do New Deal. John Nance Garner — que teria sido presidente se Zangara atingisse o alvo — opunha-se à maioria dos gastos do New Deal. Com quase toda a certeza, não teria imposto as mesmas políticas, algumas das quais ainda têm impacto na economia contemporânea.

Podem jogar a este jogo o dia inteiro. Todas as grandes histórias poderiam ter acontecido de outra forma se uns meros nadas seguissem numa outra direção.

Tanto do mundo está preso por um fio.

Uma das ironias de estudar História consiste em sabermos frequentemente como determinada história acaba, mas não fazermos ideia onde ela começou.

Eis um exemplo: o que provocou a crise financeira de 2008?

Bem, têm de compreender o mercado hipotecário.

O que moldou o mercado hipotecário? Bem, têm de com-preender a queda das taxas de juro durante trinta anos que precedeu a crise.

O que provocou a queda das taxas de juro? Bem, têm de com-preender a inflação dos anos setenta.

O que provocou a inflação? Bem, têm de perceber o sistema monetário dos anos setenta e as consequências resultantes da Guerra do Vietname.

O que provocou a Guerra do Vietname? Bem, têm de perceber o medo que o Ocidente tinha do comunismo após a Segunda Guerra Mundial... e sempre por aí fora.

Cada acontecimento — grande ou pequeno — tem pais, avós, bisavós, irmãos e primos. Ignorar essa árvore genealógica pode enturvecer a vossa compreensão dos acontecimentos, dando-vos uma falsa impressão dos seus motivos, da sua potencial duração e das circunstâncias em que poderão tornar a ocorrer. Ver os eventos isoladamente, sem se considerarem as suas longas raízes, ajuda a explicar tudo, desde porque é tão difícil fazer previsões até porque é a política tão indecente.

As pessoas gostam de dizer: «Para saber para onde vamos, temos de saber de onde viemos.» No entanto, é mais realista admitir que, se soubermos onde estivemos, percebemos que não fazemos ideia de para onde vamos. Os eventos compõem-se de maneiras insondáveis.

Tento ter duas coisas em mente num mundo tão vulnerável a acasos- e a acidentes.

Uma é sublinhada pela premissa deste livro — basear as previsões na forma como as pessoas se comportarão e não em acontecimentos específicos. Prever como será o mundo daqui a cinquenta anos é impossível. Mas prever que as pessoas ainda responderão à ganância, ao medo, às oportunidades, à exploração, ao risco, à incerteza, às afiliações tribais e à persuasão social da mesma forma é um risco que estou disposto a correr.

É difícil prever acontecimentos porque é fácil saltar a questão «E a seguir?»

Parece lógico dizer: «Preços de combustíveis mais altos levarão as pessoas a guiar menos.»

Mas e a seguir?

Bem, as pessoas têm de guiar, pelo que talvez procurem veículos mais eficientes. Reclamarão com os políticos, que criarão incentivos fiscais à compra desses veículos. Será pedido à OPEP que faça mais prospeções de petróleo; aos empreendedores energéticos que inovem. E a indústria petrolífera conhece duas velocidades: expansão e contração. Portanto, provavelmente irão produzir em excesso. Os preços cairão, enquanto as pessoas adquirem veículos mais eficientes. Então, os subúrbios tornar-se-ão mais populares — e as pessoas guiarão ainda mais do que antes.

Portanto, quem sabe.

Todos os eventos geram os seus próprios descendentes que influenciam o mundo à sua maneira. Isso dificulta extraordinariamente as previsões. O absurdo das previsões feitas no passado deveria tornar-nos humildes no que toca a fazer previsões para o futuro.

Outra coisa necessária é uma imaginação fértil. Não importa como o mundo aparenta ser hoje nem o que parece hoje evidente, porque tudo pode mudar amanhã devido a um minúsculo incidente em que ninguém pensara. Os eventos, assim como o dinheiro, acumulam-se num efeito composto. E a característica principal dessa acumulação é que nunca é intuitivo de que forma algo grande pode crescer de um começo pequeno.