À primeira vista, Pedro Cabrita Reis não seria um nome que os mais atentos às artes ligassem a trabalhos em porcelana. O próprio, um dos maiores artistas portugueses contemporâneos, numa conversa tida no seu atelier, na Rua do Açúcar, em Lisboa, confessou que os seus “interesses vão mais para cerâmica e vidro”, materiais que o “encantam”.
Ao convite que surgiu “há dois anos” e que partiu da Vista Alegre (Porcelanas), Cabrita Reis recebeu-o com “graça”, porque gosta de “trabalhar” naquilo que “são denominadas artes menores ou decorativas”. No entanto, depois de aceitar, de imediato, lançou para a mesa um pedido. “Tenho que ir para a Bordallo (Fábrica Bordallo Pinheiro - faianças e cerâmica). Trabalhar para mim e com carta-branca”, recorda, não sem antes ter avisado que “estas coisas (as peças) demoram tempo”.
Num primeiro impacto ficou deslumbrado com os “fornos gigantescos” existentes. Depois instalou-se. “Não ocupei espaço, trabalhei lá num canto, fiz algumas peças ao longo de um ano, umas peças brancas, uns bonecos e uma primeira geração de outros que não estão à mostra (no atelier),” descreve, desta forma sintética, o resultado do “mergulho” que deu na fábrica das Caldas da Rainha.
“Gosto da mão na massa”, admite, enquanto “puxa” um charuto enrolado entre os dedos. A cerâmica não é, no entanto, um mundo estranho para o escultor e pintor. Em tempos idos fez “coisas simples”, quando começou “numa olaria, na Ericeira”, relembra. “Estive depois muito tempo sem fazer”, uma confissão que cheira a lamento.
Pensada, aperfeiçoada e burilada durante dois anos. Para durar perdurar no tempo
De regresso à peça de porcelana, a tal que demorou dois anos, admite que “não foi um parto longo”. Foi “andando e fazendo outras coisas” até que um certo dia disse “hoje vou fazer o trabalho”.
Cabrita Reis fê-lo com avanços e recuos. “Já tinha preparado os modelos em cartão (expostos no atelier). Fiz um primeiro que rejeitei, mais um tempo sem fazer, um desenho numa primeira fase numa grelha que desconsiderei...”, continua.
“Fui burilando, pensando, aperfeiçoando e um dia, de forma inevitável e simples”, fez o projeto que “já foi depurado ao longo do tempo em pensamento”. Foi assim o processo de algo que ganha forma e vida. E, em outubro de 2017, “fiz outro desenho que se transformou na taça, no desenho final”, frisou Pedro Cabrita Reis.
Não faz “grandes desenhos”, admite. Então o que faz, concretamente? “Um risco aqui e acolá, nada de especial, não uma soma de riscos”, avisa. “Vejo outras cerâmicas, vou juntando, limpando até chegar ao momento que acho que está quase lá”, atira.
O “lá” foi quando “mais tarde desenhei este motivo floral, natural que é transversal à minha obra”, explica. “Há mais de 40 anos que desenhos árvores e flores”, sublinha.
“A taça não é um processo como a cerâmica. De mão na massa. Mas é um desenho, uma adequação de um desenho e uma forma preexistente. A peça ... não a criei”, resumiu.
E sobre a tal peça, “De Natura”, limitada a 500 exemplares, descreve sumariamente como uma “uma coisa minha em cima de uma peça anónima, simples e bem-feita”, que se apresenta nem mais, nem menos com a 19ª peça do Projeto Artistas Contemporâneos, um projeto da Vista Alegre iniciado em 2008 que pediu emprestado, agora, o nome de Pedro Cabrita Reis, artista plástico, juntando-o a um filão onde estão Siza Vieira, Joana Vasconcelos, Manuel Cargaleiro, Jaime Hayon, Malangatana, a marca francesa Christian Lacroix e a insígnia Oscar de la Renta, entre outros.
“Agradam-me as coisas que perduram no tempo”, finalizou, desta forma, a conversa, ainda com o charuto entre dedos, referindo-se à sua nova criação que se junta a um património histórico e cultural de quase dois séculos.
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