Tamara Alves começou o percurso artístico em “galeria, a usar signos de rua — ‘graffiti’ ou texturas da parede — nos trabalhos académicos”. A determinada altura começou a pintar na rua, onde a mensagem “tem de ser um bocado mais direta, mais forte”.

“Então tinha necessidade de fazer aqueles gritos, os animais, as mulheres nuas, as personagens fortes, gritantes, para criar um impacto mais direto, rápido, quebrar rotina, sempre a falar de sensações fortes, amor”, disse sobre os murais como os que podem ser vistos no Cais do Sodré ou no Panorâmico de Monsanto, em Lisboa.

Ao contrário da rua, “onde é tudo muito rápido”, numa galeria “há mais tempo para contemplar a peça”, e estas “podem ter uma história diferente, mais profunda, mais calma”.

A história que Tamara Alves conta em “When the rest of the world has gone to sleep” começa “pela noite, até de madrugada – daí a escuridão – mas de uma forma calma, boa, silenciosa”, isto porque a artista trabalha “muito de noite” e essa altura passa-lhe tranquilidade.

“A rua, a confusão, o barulho, quando chegava ao atelier tinha necessidade de respirar ou de fazer uma pausa, e sinto que a história que conto nesta exposição acaba por ser um pouco isso: é aquela fuga, a pausa, e quem sou eu na tela, além de ser eu na parede”, disse à Lusa, numa visita à mostra.

Foi já depois de decidir que rumo tomar na criação dos novos trabalhos que se lembrou de que o primeiro mural que pintou “foi um carro na neblina da noite”.

Além dos carros, em “When the rest of the world has gone to sleep” também estão lobos e rostos, com a mesma estética dos que já pintou em murais em Portugal e no estrangeiro, mas também, ainda que talvez de forma menos evidente, as inspirações da poesia da ‘Beat Generation’ — “eles falam muito da cidade, do carro” — ou do filme “Crash”, de David Cronenberg.

“Fez sentido para mim toda essa temática do urbano, que primeiro quis trazer para a galeria, e depois de levar o trabalho para a rua, para esse contexto, e agora novamente aqui. É quase como se estivesse a trazer a cidade e esse espírito da neblina da noite para os trabalhos novamente”, explicou.

Para criar as obras expostas na Underdogs, Tamara Alves usou tinta acrílica e aguarelas, nas pinturas, e lápis de cor, nos desenhos.

“O desenho é muito importante para mim e o esqueleto de muita coisa, e gosto de assumir isso. Gosto do lápis de cor que dá um caráter inocente a uma temática que é mais forte”, contou a artista.

Além disso, Tamara Alves gosta de “contrastar e usar os materiais de formas inesperadas”. “Como a aguarela, que é vista como uma técnica que pinta paisagem ou é doce, clássica, e eu tentei desconstruir”, disse.

Na rua ainda tentou usar latas de ‘spray’, “para ver como é que funcionava”, mas tentava “imitar” o seu traço no desenho. “Quando fiquei satisfeita comecei a deixar de usar e passei a usar mais tinta, e também gosto do aspeto orgânico da pincelada”, partilhou.

Tamara Alves, filha de dois pintores, começou a pintar “em pequena”. Mais tarde, estudou Artes Plásticas na Escola Superior de Artes e Design (ESAD) das Caldas da Rainha, tendo daí seguido para o Porto, onde fez um mestrado em Práticas Artísticas Contemporâneas, na Faculdade de Belas Artes, e “uma das primeiras teses sobre ativismo plástico em contexto urbano”.

“When the rest of the world has gone to sleep”, de entrada gratuita, estará patente até 07 de março.

Simultaneamente na Underdogs estará também patente a exposição cápsula “Woven”, de Raquel Belli.

A partir deste ano, os artistas que apresentam coleções cápsula na galeria são escolhidos pelos artistas da exposição principal. Ou seja, Raquel Belli foi uma escolha de Tamara Alves.

As duas, contou Tamara, conhecem-se desde os tempos da faculdade. “Sempre gostei muito dos trabalhos dela. A Raquel tem um caráter subversivo, consegue dar a volta aos materiais”, contou Tamara Alves, recordando que na altura da faculdade, Raquel Belli “fazia escultura”.

Depois disso, passou a dedicar-se à fotografia e Tamara gosta “muito” do trabalho que a fotógrafa está a desenvolver.

Em “Woven”, Raquel Belli apresenta trabalhos que são “como uma tapeçaria, o que dá uma leveza gigantesca a algumas fotografias”, trabalhando manualmente duas imagens, cortando-as em tiras, como se de um tapete se tratasse.

A Underdogs é uma plataforma cultural, fundada pela francesa Pauline Foessel e pelo português Alexandre Farto (Vhils), que se divide entre arte pública, com pinturas nas paredes da cidade, exposições dentro de portas (no n.º 56 da Rua Fernando Palha) e a produção de edições artísticas originais.

A plataforma começou em 2015 a organizar visitas guiadas de Arte Urbana em Lisboa.