De todos os momentos ocorridos durante o tenso debate, na madrugada desta quarta-feira, entre Joe Biden e Donald Trump, os dois candidatos às eleições presidenciais nos EUA a decorrer a 3 de novembro, houve um que se destacou dado o momento que o país vive.

Ao fim de uma hora de despique, o tema da violência política e dos protestos raciais que têm grassado no país foi trazido pelo moderador, o jornalista Chris Wallace. Instado a afirmar se condenava os grupos de extrema-direita e os grupos milicianos que se apresentam como seus apoiantes e lhes diria para pararem as suas ações, o presidente dos EUA fugiu à questão, pedindo antes que lhe dessem nomes específicos de movimentos dessa natureza e defendendo que os grupos responsáveis pela violência são de esquerda.

A sugestão partiu não de Wallace, mas de Joe Biden, que respondeu “Proud Boys”. Trump disse então "Proud Boys, afastem-se e aguardem”, adiantando ainda que “alguém tem de fazer algo em relação aos Antifa", movimento anti-fascista conotado com a extrema-esquerda e o qual o presidente já considerou como sendo terrorista. Mas a quem é que Donald Trump se dirigiu?

Criados em plena campanha para as presidenciais de 2016 por Gavin McInnes — ex-jornalista canadiano, um dos fundadores da revista Vice, que entretanto se tornou ativista — os Proud Boys ("Rapazes Orgulhosos") são um grupo conotado com a extrema-direita e que se tem envolvido nos violentos confrontos a ocupar as ruas dos EUA nos anos, e com particular virulência nos últimos meses.

Constituído exclusivamente por homens, o grupo — cujo nome, inspirado numa música do filme "Aladino", "Proud to Be Your Boy", começou por ser uma piada — diz-se ser orgulhosamente “chauvinista” e defensor de valores ocidentais tradicionais que crê estarem em perigo por movimentos de esquerda, feministas e defensores da integração e da imigração. Os Proud Boys são considerados pelo FBI como “um grupo extremista”, ao passo que a organização de direitos humanos Southern Poverty Law Center rotula-o de “grupo de ódio” pela sua retórica anti-imigração, anti-islâmica e misógena.

Apesar de não ter uma linha ideológica bem definida, o grupo professa ideias libertárias contra o estado social, é a favor dos direitos de posse de arma — é frequente verem-se membros armados nos comícios —, glorifica a violência, declara-se contra o igualitarismo entre géneros e tem demonstrado forte apoio à administração de Donald Trump.

Ainda que admita membros não-brancos nas suas hostes, o grupo tem sido associado ao movimento de supremacia branca, tendo participado lado a lado em demonstrações de extrema-direita com grupos dessa índole. Exemplo disso foi a presença no comício “Unite the Right” (“Unir a Direita”), em agosto de 2017, quando centenas de ativistas de ultra-direita reuniram-se em Charlottesville, Virgínia, onde enfrentaram manifestantes anti-racistas. O confronto resultou em desacatos, sendo que um simpatizante neo-nazi avançou sobre uma multidão com um veículo, matando uma pessoa e ferindo 19. 

Os seus rituais de iniciação passam por praxes violentas e quem entra no grupo tem de professar ser “um chauvinista ocidental que se recusa a pedir desculpa por ter criado o mundo moderno”, como reporta o The Guardian. No seu código de indumentária estão os bonés vermelhos a dizer “Make America Great Again” de Trump e pólos pretos e amarelos da Fred Perry. Tal escolha levou a marca britânica, inclusive, a deixar de vender esses modelos nos EUA para não se ver associada ao grupo.

Proud Boys
créditos: AFP or licensors

Apesar de se estimar ter apenas algumas centenas de membros, o grupo tem-se notabilizado pelo cariz violento das suas ações, envolvendo-se frequentemente em agressões a ativistas de esquerda e em ataques aos protestos anti-racistas que se têm multiplicado nos últimos anos. No ano passado, dois dos seus elementos foram condenados a quatro anos de prisão por espancarem ativistas anti-fascistas em Nova Iorque, e horas depois da mensagem de Trump, um membro foi detido por ter apontado um revólver a um grupo e disparado uma arma de paintball.

Uma frase que virou um slogan

Depois de ter dirigido a mensagem aos Proud Boys durante o debate, Donald Trump procurou distanciar-se do grupo no dia seguinte dada a onda de críticas que se fez sentir.

"Não sei quem são os Proud Boys. Tudo o que posso dizer é que eles precisam de dar um passo atrás e deixar a polícia fazer o seu trabalho”, disse o presidente, garantindo que "sempre denunciou" os partidários da supremacia branca e mantendo a toada de que os responsáveis pela violência política encontram-se à esquerda.

Já o filho do presidente, Donald Trump Jr., tinha dito em direto à CBS que o pai tinha deixado claro que “teria todo o gosto em denunciar a extrema-direita”, recordando que já tinha “denunciado o Ku Klux Klan como uma organização terrorista doméstica na semana passada”.

Em causa está o facto da expressão em inglês "stand back and stand by" poder ser literalmente interpretada como "afastem-se e aguardem", mas também como "afastem-se e ponham-se a postos".

No entanto, apesar das tentativas da administração Trump de tentar suavizar o que podia ser interpretado como um apelo feito durante o debate, a reação por parte de alguns Proud Boys foi imediata, demonstrando entusiasmo pelo que consideraram ser um apoio declarado do presidente, com a frase “Stand Back, Stand By” a ser partilhada entre membros do grupo como um novo slogan.

"O presidente Trump disse aos Proud Boys para esperarem porque alguém tem de lidar com os Antifa ... bem, senhor! Estamos prontos", disse Joe Biggs, um dos militantes dos Proud Boys, na Parler, uma rede social semelhante ao Twitter que não bloqueia extremistas — o Facebook, por exemplo, baniu o grupo em 2018.

Já o atual líder dos Proud Boys, Enrique Tarrio — McInnes saiu da liderança em 2018, apesar de se manter ligado ao mesmo — escreveu no Twitter que não considerou as palavras de Trump como um apoio explícito ao grupo e negou as associações aos movimentos de supremacia branca, mas disse que o apelo do presidente de “ficar pronto e aguardar” é o que o grupo sempre fez.

Este episódio faz ressurgir a controvérsia que tem ensombrado o mandato de Donald Trump, frequentemente acusado de apoiar implicitamente movimentos de extrema-direita ao recusar-se a denunciá-los. Num dos mais notórios exemplos, depois do acima mencionado atropelamento decorrido durante o comício em Charlottesville, o presidente foi duramente criticado ao afirmar que nesses confrontos havia "gente boa de ambos os lados".

Já perante do movimento de indignação contra o racismo e a brutalidade policial contra os afro-americanos que tem varrido o país desde o final de maio, quando se deu a morte de George Floyd às mãos da política, Trump tem sobretudo denunciado a violência perpetrada, segundo ele, por ativistas radicais de esquerda.

*com AFP