Corria o ano de 2013. Na madrugada de 19 para 20 de março, na pista do aeroporto de Punta Cana, um Dassault Falcon 50 preparava-se para levantar voo em direção a França, com escala nos Açores.

Contudo, este nunca chegou a levantar as rodas do chão, já que a polícia dominicana agiu de rompante e manteve os seus dois pilotos e dois passageiros em terra. Porquê? No interior do engenho, divididos entre 26 malas gastas, estavam 680 quilos de cocaína.

Os quatro franceses - os pilotos Bruno Odos e Pascal Fauret e os passageiros Nicolas Pisapia e Alain Castany - foram detidos no aeroporto e, apesar de negarem o seu envolvimento na ação de tráfico, foram condenados pela Justiça dominicana, em 2015, a 20 anos de prisão, sendo posteriormente colocados em prisão domiciliária enquanto esperavam pela ação de recurso. Mas a história não se ficou por aqui.

Pouco tempo depois, Bruno Odos e Pascal Fauret, conseguiram ambos fugir clandestinamente pelo mar, utilizando primeiro uma lancha e depois um iate, numa operação a que chamaram de "Dîner en Ville" ("Jantar na Cidade"). Os dois homens passaram pelas ilhas de Saint Martin e Martinica até serem apanhados já em França no outono de 2015.

Seis anos depois da primeira detenção, o caso, conhecido como "Air Cocaine", chegou hoje à barra do tribunal de Aix-en-Provence. Prevendo-se que dure até 5 de abril, os procedimentos vão contar com uma corte especial, composto por cinco magistrados, ao invés de um júri, para julgar nove pessoas, algumas das quais enfrentando penas de até 30 anos de prisão.

Segundo o Le Figaro, o início do julgamento foi marcado pela tentativa de anulação do mesmo por parte dos advogados de defesa, invocando a ausência de dois dos seus atores-chave: Alain Castany, que foi repatriado para França pela via legal, mas que se teve de ausentar por motivos de saúde, e Nicolas Pisapia, que é o único que permanece na República Dominicana, sob controlo judicial e com proibição de deixar a ilha. O presidente do tribunal, Jean-Luc Tournier, indeferiu o pedido e declarou que ambos serão julgados posteriormente.

A investigação do caso teve início quatro meses antes do voo intercetado em Punta Cana, quando a guarda francesa foi alertada para duas viagens transatlânticas. O "comportamento suspeito" dos passageiros do Falcon 50 já tinha intrigado a polícia francesa depois do primeiro destes voos, no discreto aeroporto de La Môle, localizado na famosa estância balnear de Saint-Tropez, na Côte d'Azur francesa.

Uma dezena de malas foram descarregadas discretamente e colocadas em dois carros, sob o olhar cúmplice do agente alfandegário François-Xavier Manchet, também ele acusado.

Os investigadores acreditam que no topo da pirâmide estava Ali Bouchareb, de 47 anos, traficante francês condenado por tráfico de cocaína, que teria pago "centenas de milhares de euros" para organizar os voos. Embora Bouchareb negue envolvimento no caso, os investigadores consideram ser possível que ele fosse o cérebro desta rede criminosa de importação de cocaína produzida pelos cartéis mexicanos.

Bouchareb, que, durante muito tempo, foi protegido pelo silêncio dos outros réus, é o único que está em prisão preventiva, sendo sido detido pela polícia espanhola no fim de 2014.

Para além destes homens, os outros acusados são Franck Colin - antigo guarda-costas de celebridades que se tornou num empresário na Roménia -, o seu amigo Henri Bartolo, Michel Ristic (um colaborador de Bouchared) e dois executivos da empresa de jatos particulares SN-THS, Fabrice Alcaud e Pierre-Marc Dreyfus.

Os interrogatórios de Odos e Fauret, dois ex-membros da força aeronaval e da Força Aérea, são os mais aguardados entre todos, que na totalidade vão incluir perto de 62 mil documentos, mais de 100 testemunhas, centenas de depoimentos e audiências de especialistas programadas para as sete semanas de julgamento.