Quando Reino Unido — ou Inglaterra — e Portugal surgem ambos na mesma frase, frequentemente a junção é acompanhada das tradicionais referências à "mais antiga aliança do mundo” ou à relação de amizade entre as duas partes.

Tais menções tendem a obscurecer que a dita aliança entre as duas nações nunca foi 100% amistosa ou saudável — basta recordar que o nosso hino foi escrito no final do século XIX como uma reação irada contra o velho reino —, sendo que hoje foi escrito mais um capítulo desta tumultuosa amizade.

País lançado numa política singular de combate à covid-19 — basta recordar os ensaios falhados de “imunidade de grupo” no início da pandemia —, desde 8 de junho que o Reino Unido implementou medidas de controlo que passam por obrigar a uma quarentena de 14 dias a todos os viajantes que não residam no país, assim como a residentes que viagem para fora do país, salvo determinadas exceções.

No entanto, para evitar o isolamento e para apoiar o setor do turismo, particularmente durante estes meses de verão, o executivo britânico anunciou que ia criar “corredores aéreos” para dezenas de países. Nessa lista figurariam territórios onde os turistas britânicos poderiam assim passar férias sem a necessidade de cumprir o isolamento obrigatório quando regressassem.

A lista era para sair na semana passada, mas o seu anúncio foi adiado para hoje. Aguardava-se com antecipação em território português, já que os movimentos britânicos têm um forte peso no nosso turismo, principalmente no Algarve (não é por nada que lhe chamam “Allgarve”).

O anúncio chegou pois então e… Portugal manteve-se excluído.

Já arredado do acesso a países como a Dinamarca ou a Áustria devido a critérios epidemiológicos — Portugal mantém um elevado número de casos por 100 mil habitantes —, esta “nega” foi particularmente dura para as aspirações do país.

Se o Turismo do Norte reagiu “com irritação”, o do Algarve considerou que Portugal foi punido por ser transparente em relação aos números de casos. A confederação do setor lembrou que antes “os britânicos consideravam Portugal um milagre” e os hoteleiros algarvios, em desespero de causa dado o cenário da crise da pandemia, avisaram para os “graves prejuízos" da decisão.

A reação mais contundente, porém, partiu do ministro dos Negócios Estrangeiros, tendo Augusto Santos Silva dito que a ação “representa um abalo causado numa relação ancestral entre o Reino Unido e Portugal". "Não é assim que os países amigos e aliados se relacionam uns com os outros”, frisou.

O responsável apontou também que “é um absurdo que um país como o Reino Unido tenha sete vezes mais casos do que Portugal e 28 vezes mais óbitos relacionados com a covid-19 do que Portugal e imponha quarentena no regresso dos passageiros oriundos de Portugal”. Já com ironia reagiu António Costa, lembrando que o número de casos na região do Algarve é bem menor que a do Reino Unido por 100 mil habitantes, encaixando a ação de diplomacia via tweet.

Mas a decisão britânica não só foi um balde de água fria para o país, como foi confusa quanto às suas regiões autónomas.

Em causa está o facto das informações quanto à Madeira e os Açores serem incongruentes, sendo que apenas é claro que Portugal Continental se encontra excluído. Se na lista do Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico, as duas regiões encontram-se entre os destinos turísticos seguros aos quais não é inibida a viagem, na lista dos países e territórios com os quais foram criados "corredores aéreos" do Ministério dos Transportes, nenhum território português se encontra mencionado.

Tal situação levou mesmo o MNE a desabafar que “tira o seu chapéu” a quem entender estes dados contraditórios, mas a embaixada britânica em Portugal procurou clarificar as coisas

“Em reconhecimento das taxas de infeção muito mais baixas nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores, bem como o facto dessas ilhas serem acessíveis através de voos diretos do Reino Unido e terem controlos efetivos de entrada relacionados com a covid-19”, o Governo britânico deixou de desaconselhar viagens para estas regiões, já a partir de sábado, explica a embaixada à Agência Lusa.

Ainda assim, a representação do Reino Unido em Lisboa lembra ainda que “no que diz respeito à quarentena obrigatória de catorze dias para as pessoas que chegam ao Reino Unido, essa medida permanecerá por enquanto em vigor para todas as pessoas que chegarem ao Reino Unido vindas de Portugal (no seu todo)”.

Ou seja, até dado em contrário, os Açores e a Madeira parecem manter-se também excluídos na prática, apesar do Governo madeirense já se ter apressado a congratular o executivo britânico pela decisão.

Uma coisa é certa. Reino Unido e Portugal até podem manter-se amigos, mas no que toca às lides do coronavírus, é sem benefícios.

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