Em entrevista à RTP3, o presidente da Altice Portugal, Alexandre Fonseca, sublinhou que, apesar de ter alertado a 14 de abril para o facto de o prazo do contrato para prestação de serviços da empresa à rede de emergência SIRESP terminar a 30 de junho, hoje "a situação é exatamente a mesma que era quando este tema veio a público" sendo que o "nível de preocupação é ainda maior".

O Estado comprou por sete milhões de euros a parte dos operadores privados, Altice e Motorola, ficando com 100%, numa transferência que aconteceu em dezembro de 2019, sendo que desde essa altura o Estado tem um contrato com operadores privados para fornecer o serviço até junho deste ano.

No entanto, a 28 de abril, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, confirmou, no parlamento, a intenção de prolongar o contrato de prestação de serviços com os operadores privados por 18 meses, nomeadamente com a Altice — adiantando, contudo, que os contratos não vão ser prorrogados nos moldes atuais. Um dia depois, o Governo aprovou o decreto-lei que define o modelo transitório de gestão, operação, manutenção, modernização e ampliação da rede de comunicações do Estado.

Inquirido pelo jornalista Vítor Gonçalves quanto aos passos que têm sido tomados pelas duas partes, Alexandre Fonseca manteve o discurso que tem emitido publicamente, alertando para a exiguidade dos prazos e para a falta de suporte legal para se firmar um novo contrato.

"Não existe ainda hoje algo que suporte e que permita à Altice Portugal e aos seus parceiros continuar a prestar serviços a partir de 1 de julho”, disse o presidente da empresa, sublinhando haver, todavia, "uma vontade comum entre a Altice e o Estado em dar continuidade a essa prestação de serviços por mais 18 meses".

O problema, indicou o presidente da Altice, é que a vontade do Governo tem de se tornar efetiva. "Neste momento não sabemos qual é o mecanismo jurídico para materializar essa intenção", frisou Alexandre Fonseca.

Estas declarações surgem depois do Presidente da República ter ontem promulgado o decreto-lei que define o dito modelo transitório e do Ministério da Administração Interna ter anunciado a aprovação de uma indemnização compensatória no valor de 11 milhões de euros para fazer face aos encargos com a rede de comunicações de emergência e segurança do Estado. Já antes, a 13 de maio, a secretária de Estado da Administração Interna garantiu a salvaguarda do funcionamento do SIRESP, dizendo que as entidades envolvidas estão a trabalhar "em grande sintonia" para que o sistema continue a funcionar sem qualquer rutura ou sobressalto.

Apesar deste entendimento, Alexandre Fonseca aponta como problema a vontade do Ministério da Administração Interna em "dar sequência a um processo de contratação pública", ou seja, firmar "um novo contrato por 18 meses" em vez de prorrogar o atual contrato por esse período, como vem previsto no decreto-lei.

A questão está no facto de não haver ainda "um caderno de encargos" para que esse novo contrato sequer possa ser celebrado, sendo que, apesar da Altice se comprometer a responder em 48 horas quando tal documento for disponibilizado — o que deverá acontecer "no início da próxima semana" — será ainda necessária a aprovação do Tribunal de Contas.

"Temos de garantir que todos os passos necessários no âmbito de uma contratação pública sejam dados nestas cinco semanas que faltam, incluindo o visto do Tribunal de Contas", que pode ser dado até a um máximo de 30 dias", ou seja, possivelmente para lá do prazo de 30 de junho, avisou Alexandre Fonseca.

No pior dos cenários, o presidente da Altice descarta responsabilidades quanto à interrupção do funcionamento do SIRESP. Visto que o Estado é o atual dono dos equipamentos da rede de emergência, Alexandre Fonseca diz que a empresa de comunicações estará legalmente impossibilitada de prestar serviços sem um novo contrato. "Não podemos chegar lá e continuar a prestar os serviços porque corremos o risco dos donos os equipamentos nos digam 'o que é que estão aqui a fazer?'", sublinhou.

Por seu lado, o líder da Altice reiterou que a empresa mantém-se com vontade de manter o serviço desde que haja condições. "Estamos interessados e disponíveis para continuar a prestar serviços a partir de 1 de julho", frisou, ressalvando que essa prestação "não vai custar mais um cêntimo ao erário público a partir de 1 de julho, é exatamente o mesmo valor, sem qualquer alteração".

Questionado se o serviço sofrerá perda de qualidade devido aos atrasos na negociação do contrato, Alexandre Fonseca mencionou o "risco inerente" quanto à "participação de entidades internacionais em que neste momento já estamos dependentes da boa vontade". A título de exemplo, referiu um parceiro responsável pelo espaço satélite da rede cuja renovação do contrato já expirou.

Já no que toca à qualidade do serviço enquanto a Altice se manteve responsável, o executivo defendeu a atuação da empresa, citando como exemplo a dotação de 451 antenas satélite e 18 unidades de redundância elétrica na rede após os incêndios de 2017, quando foram públicas as falhas no sistema.

No entanto, mesmo quanto a essa situação, Alexandre Fonseca defendeu que o problema não foi do funcionamento da rede em si, mas da forma como foi projetado. "A rede SIRESP, desde o início da sua existência, sempre cumpriu todos os critérios de qualidade de serviço contratualmente definidos — se são os adequados ou não, não cabe a nós defendê-los", atirou.

Do regulador que "que não conhece o setor" à "perspetiva mercantilista" do Governo. Altice e o 5G

No decurso da mesma entrevista, o tema da tecnologia móvel 5G foi longamente discutido pelo presidente da Altice Portugal, que deixou várias críticas tanto à Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) — a entidade reguladora do setor das telecomunicações — como ao Governo português pela forma como o leilão das frequências tem decorrido.

No entender de Alexandre Fonseca, o primeiro problema é o atraso em que Portugal se encontra, já que, em conjunto com a Lituânia e com Malta, "é dos únicos três países europeus que não tem ainda 5G" — isto, apesar da União Europeia ter definido como meta que todos os estados membros tivessem uma cidade com 5G implementado até ao final de 2020. "Estamos em maio de 2021 e ainda nem o leilão terminámos em Portugal e nem sabemos quando termina", acusou.

No seu entender, a responsabilidade por esta situação recai sobre a Anacom "porque atrasou-se na construção do regulamento e na migração da TDT, que era um pré-requisito para o lançamento do leilão do 5G", disse. Além disso, o próprio regulamento terá contribuído para o atraso devido a um sistema de licitações que permite incrementos muito baixos e rondas demoradas.

Se em países como Espanha ou Suécia o leilão foi concluído num dia, em Portugal avança-se para o 90º, tendo ocorrido mais de 500 rondas de licitação. Mas para Alexandre Fonseca, a questão foi que a Anacom fomentou esse arrastar do processo com o próprio regulamento. "Aquilo que os operadores se limitaram a fazer foi cumprir as regras que a Anacom definiu, ninguém inventou nada. Se os incrementos são grandes ou pequenos, são aqueles previstos no contrato", acusou, considerando que o "leilão está irremediavelmente perdido".

Face a isso, o regulador esgrimiu no passado dia 8 de abril que pretendia mudar o regulamento do leilão, o que mereceu censura generalizada dos ditos operadores históricos — Altice Portugal, NOS e Vodafone — por considerarem que as regras estavam a ser mudadas a meio. Desde então, nada mais se sabe. "Foi feito um pedido de comentários e depois não aconteceu nada, ficámos na mesma. Não sabemos o que vai acontecer", disse.

Mas mesmo sem as novas alterações vigentes, ainda assim a Altice avançou formalmente com uma ação administrativa de impugnação do regulamento do 5G, junto do Tribunal Administrativo de Lisboa.

Os argumentos presentes nesse documento foram repetidos por Alexandre Fonseca durante a entrevista, acusando a Anacom e o seu presidente, João Cadete de Matos, de criarem "mecanismos artificiais" para "beneficiar de uma forma completamente inaceitável e ilegal os novos operadores" a entrar na licitação. Como exemplos, o presidente da Altice referiu a realização de "um leilão à porta fechada" em dezembro para "atribuir frequências apenas a operadores que não operam no espaço português", assim como o "conjunto de obrigações e preços no acesso ao espetro" menos vantajosos a que os operadores históricos têm sido alegadamente sujeitos durante a licitação principal.

No entender de Alexandre Fonseca, tal deve-se a noção do regulador de que "Portugal tem ausência de concorrência" e de achar que o seu papel é o de "influenciar o setor". As críticas do presidente da Altice a João Cadete de Matos, de resto, não se ficaram pelo tema do 5G, acusando-o de "extravasar amplamente aquilo que são as suas obrigações enquanto regulador" ao "artificialmente alterar o mercado à sua visão ideológica".

"Este é um regulador que não conhece o setor, que em quatro anos não fez um único estudo de mercado sobre preços, que já levou um puxão de orelhas da OCDE por Portugal não fazer análise de impacto regulatório", atirou Alexandre Fonseca, lamentando ainda não falar com o presidente da Anacom há quase dois anos e não "por falta de tentativa". "O regulador no âmbito das telecomunicações não fala com o líder do setor em Portugal? Algo que vai mal de facto", disse o presidente da Altice.

Ainda no tópico do 5G, o executivo deixou também críticas ao Governo na figura de Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas e da Habitação, dada a sua "perspetiva mercantilista" perante o 5G. Tal postura deve-se ao facto do ministro ter admitido numa comissão parlamentar decorrida a 24 de março estar "muito contente com o decurso do leilão". "Que continuem a aumentar as licitações porque nós precisamos de dinheiro que, depois, vamos investir noutro objetivo", que é "a necessidade de nós conseguirmos cobrir o território todo com fibra ótica", afirmou.

As declarações do ministro, para Alexandre Fonseca, foram "tremendamente injustas para com o setor" porque "têm um reflexo naquilo que é hoje o desinteresse que parece existir na visão estratégica para o país de transformação e transição digital".

"Uma tecnologia 5G, dada a sua importância estratégica, a principal preocupação do Estado devia ser o incentivo ao investimento, à inovação e à inclusão social", disse o presidente da Altice, concedendo que o Estado deverá tentar vender as licenças ao melhor preço, mas procurando responder a essas questões e não a tentar "encher os cofres do Estado com muito dinheiro" para alocar a outras áreas, como a construção de autoestradas.

O problema do Estado tentar extrair o maior valor possível do leilão a partir das operadoras, sugeriu Alexandre Fonseca, é que depois as empresas com as licenças atribuídas já não terão dinheiro para manter o projeto viável. "A tal visão que eu chamava de mercantilista prevê que vamos gastar uma boa parte, se não a quase totalidade, do investimento que estava previsto, que são centenas de milhões de euros por ano durante os próximos cinco anos a comprar o espetro e depois não vamos ter capacidade para implementar a rede", alertou o presidente da Altice. Em jeito de comparação, o executivo disse que é o que acontece quando alguém "gasta o dinheiro todo a comprar um carro depois não tem dinheiro para meter gasolina para ele andar".

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