Desde o final da semana passada que duas das figuras mais proeminentes do PSD — o líder social-democrata, Luís Montenegro, e o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas — têm sido alvo de críticas por declarações feitas na sequência de um incêndio num prédio no bairro da Mouraria, na freguesia de Santa Maria Maior, que ocorreu a 4 de fevereiro, fez dois mortos e deixou quatro pessoas desalojadas.

À data, Carlos Moedas defendeu que se deve estabelecer limites por setores à imigração e criticou que seja possível atualmente a entrada de imigrantes em Portugal sem contrato de trabalho. Já Luís Montenegro considerou que o país deve receber imigrantes "de forma regulada” e “procurar pelo mundo” as comunidades que possam interagir melhor com os portugueses.

As críticas não tardaram, com o PS a acusar Montenegro e Moedas de "profundo desprezo” pelos imigrantes e o Bloco de Esquerda a acusar Carlos Moedas de defender “uma via verde para os vistos 'gold', os unicórnios” e, simultaneamente, “uma política de portas fechadas à imigração para as pessoas que estão a trabalhar cá em Portugal e que, no ano passado, contribuíram com 1.200 milhões para a segurança social”.

Mas não foi apenas a oposição a manifestar-se. Hoje, quando questionado sobre o caso, Marcelo Rebelo de Sousa pediu "bom senso" a ambos, deixando a nota de que "declarações muito emocionais feitas em cima de casos correm o risco de ser irracionais".

O Presidente da República lembrou que Portugal "tem emigrantes espalhados pelo mundo e portanto não pode ter dois pesos e duas medidas", nomeadamente o discurso de que "quando são os nossos são bons, quando são os outros são maus, mesmo que os outros estejam a fazer coisas sem as quais a economia não funcionava, que é o que se passa em muitos casos, vêm fazer e ter a seu cargo atividades profissionais que os portugueses não querem".

Ora, a crítica vinda "de dentro de casa" mereceu reação imediata por parte de ambos. Apesar de "não ter ouvido" as declarações de Marcelo, Montenegro não teve dúvidas de que não eram para si: “Não ouvi as declarações do Presidente da República, mas posso ter a certeza absoluta de que não se dirigiam a mim, porque o Presidente da República é uma pessoa sensata, que me conhece bem, os meus valores morais, éticos e humanos”.

Mas o Presidente foi mais longe e lembrou mesmo que "a cópia perde sempre para o original", endereçando destas formas críticas feitas ao PSD de uma aproximação ao Chega. Quando questionado sobre estas declarações, Montenegro disse que o PSD, como partido fundador da democracia, será sempre “o original” e, à pergunta se as suas declarações recentes, revelam uma aproximação ao Chega respondeu com uma única palavra: “Não”.

E reiterou: “Nos últimos dias eu disse – e reafirmo – que as pessoas que trabalham não devem, numa sociedade justa e equilibrada, ter um rendimento inferior às pessoas que não trabalham. Não falei de desempregados e pensionistas, como vejo para aí nas redes sociais”, disse. “Estou a falar das pessoas que estão na esfera de dependência das prestações sociais – prestações que são necessárias, não defendo que acabem – mas não podemos ter uma sociedade que incentiva que esse número de pessoas aumente em detrimento das que trabalham. (...) Isto parece-me tão óbvio que fico sinceramente admirado como poderão alguns dos nossos adversários deturpar essas palavras”, afirmou.

Já Carlos Moedas disse que não aceita lições “de ninguém” sobre emigração e imigração, realçando a sua experiência pessoal nesta matéria: “Eu fui emigrante, sou casado com uma imigrante, o meu sogro é marroquino, a minha sogra é tunisina". O autarca disse que conhece “a emigração e a imigração na primeira pessoa, como poucos em Portugal”, e defendeu que “o país precisa de uma política de imigração digna”. “Aquilo que nós temos em Portugal hoje não é digno e é isso por aquilo que irei lutar. Irei lutar exatamente como político por essa dignidade da nossa imigração, exatamente porque conheço, exatamente porque quero que isso mude e porque é um desafio para todos”, acrescentou.

Troca de galhardetes à parte, ainda não há soluções habitacionais definitivas para aqueles que ficaram desalojados neste incêndio.

Entretanto, e porque a política hoje não se fez apenas de lições — as que se aceitam ou não —, o dia ficou marcado pelo anúncio da saída de Catarina Martins do Bloco de Esquerda, lançando o partido para um novo ciclo político, que poderá passar por Mariana Mortágua.

*Com Lusa