A ser ouvida na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Sónia Pereira contrariou declarações feitas horas antes pelo presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal, Pavlo Sadokhaa, que disse ter vindo a alertar o ACM para este tipo de situações desde 2011.

“Aquilo que foi noticiado foi aquilo que o ACM teve conhecimento, nesse momento em que saiu na imprensa”, afirmou a responsável, que está a ser ouvida pelos deputados a propósito do acolhimento de refugiados ucranianos em Portugal, na sequência da invasão da Rússia, a 24 de fevereiro.

Especificamente, Sónia Pereira foi chamada ao parlamento para ser questionada sobre a receção a refugiados ucranianos na Câmara Municipal de Setúbal por funcionários alegadamente pertencentes a associações próximas do regime do presidente russo, Vladimir Putin.

De acordo com a ACM, assim que o organismo teve conhecimento, pela imprensa, do que se estava a passar na autarquia de Setúbal, entrou em contacto com os “parceiros privilegiados”.

“Contactámos os centros locais de apoio ao imigrante em Setúbal, para perceber o conhecimento que tinham da situação, de que forma estavam a acompanhar, que atendimentos têm realizado com cidadãos deslocados da Ucrânia”, explicou Sónia Pereira.

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A responsável esclareceu ainda que a autarquia de Setúbal não tem protocolo com o ACM nem centro local de integração de imigrantes, além de “nunca” ter pedido reunião com o ACM para gerir ou organizar o acolhimento de pessoas refugiadas vindas da Ucrânia.

Horas antes, numa audição também na mesma comissão, o presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal afirmou que fez uma denúncia às secretas portuguesas em relação a russos pró-Putin no acolhimento de refugiados após anos de alertas ao Alto Comissariado para as Migrações.

Pavlo Sadokha reiterou que após o início da invasão russa da Ucrânia, em 24 de fevereiro, a Associação dos Ucranianos em Portugal começou a receber denúncias de que “organizações que o Alto Comissariado reconhece como de ucranianos”, mas que são de facto defensoras do regime do presidente russo, Vladmir Putin, estavam a receber refugiados, a quem pediam informações pessoais e relacionadas com familiares que ficaram na Ucrânia.

A associação pediu então uma reunião ao ACM para denunciar a situação, que ocorreu “no início de abril”, segundo Pavlo Sadokha. No encontro, acrescentou, foi-lhes dito que uma das organizações tinha sido retirada da lista de associações reconhecidas pelo Alto Comissariado e que, em relação a outras, como a que está em causa em Setúbal (Edintsvo) a resposta foi: "Vamos ver o que podemos fazer".

Pavlo Sadokha sublinhou que na página na Internet criada pelo Alto Comissariado dedicada ao acolhimento de refugiados da Ucrânia continuavam a constar nomes de pró-Putin como sendo "associações de voluntários ucranianos" disponíveis a apoiar os deslocados da guerra. Foi nesse momento e contexto que a Associação avançou com a queixa para os serviços de informação da República portuguesa, contou.

"Percebemos que ia ser difícil dentro do Alto Comissariado alterar esta situação e fizemos então a denúncia aos serviços de informação da República Portuguesa", disse o presidente dos Ucranianos em Portugal.

Numa intervenção inicial aos deputados da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias, Pavlo Sadokha voltou a referir que associações de ucranianos em Portugal alertam desde 2011 o Alto Comissariado para as Migrações para os problemas da representação desta comunidade nas instituições portuguesas, nomeadamente, no Conselho das Migrações, em que membros da comunidade russa são reconhecidos como representantes dos ucranianos.

A situação agravou-se desde 2014, após a anexação da Crimeia e a invasão de outras regiões do leste da Ucrânia pela Rússia, com a associação a alertar o Alto Comissariado de que "organizações que apoiam a invasão russa, que reconhecem a anexação da Crimeia pela Federação Russa, não podem representar a comunidade ucraniana", explicou.

"Infelizmente, nada foi feito", afirmou Pavlo Sadokha.

O presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal ressalvou que, porém, estão em causa "situações específicas", sem referir qualquer caso concreto, e elogiou o acolhimento de refugiados que Portugal, "como sociedade e como Governo", está a fazer.

"Desde sempre sentimos que Portugal realmente abriu as portas para receber estes ucranianos e sentimos isso todos os dias. [...] Em Portugal, os ucranianos sentem-se seguros", afirmou.

Pavlo Sadokha garantiu também que a Associação dos Ucranianos em Portugal, desde a sua fundação, em 2003, teve "sempre uma colaboração muito boa" com o Alto Comissariado para as Migrações, "no sentido de apoiar e acolher imigrantes”.

"A questão que colocamos é muito específica, relacionada com a estratégia russa de difundir uma ideologia para justificar a invasão da Ucrânia", realçou, dizendo que o papel da sua associação é alertar os ucranianos que chegam a Portugal para que tenham cuidado porque existem "membros das agências de propaganda pró-Putin" que, como está a acontecer noutros países, estão a atuar no acolhimento a refugiados.

Pavlo Sadokha destacou também que não estão em causa "organizações pró-russas ", mas antes "pró-Putin, aquelas organizações que defendem a política de Putin de invadir a Ucrânia e matar todos os ucranianos".

"Temos aqui em Portugal relações muito boas com a comunidade russa, com representantes dos russos”, afirmou.

Pavlo Sadokha disse não ter qualquer dado concreto em relação ao caso de Setúbal, em resposta a perguntas dos deputados de todos os partidos, exceto o PCP, que disse não ter questões a colocar à Associação dos Ucranianos e Portugal.

[Notícia atualizada às 18h48]