Faltava mais de meia hora para o início do segundo espetáculo da tarde e os dois portões de entrada para o recinto do Circo Vitor Hugo Cardinali já tinham centenas de pessoas concentradas, que pareciam ignorar a presença dos cerca de 30 manifestantes que, hoje à tarde, se deslocaram ao Parque das Nações Norte, em Lisboa.

A concentração silenciosa fazia-se ouvir apenas através dos cartazes que criticavam o uso de animais em espetáculos: “Artistas humanos sim; animais nos circos não” ou “Açoitados e confinados sem direitos e sem proteção” eram algumas das frases dos ativistas que distribuíram panfletos pelos presentes.

Para os manifestantes, o circo é um grande espetáculo do ilusionismo que esconde também os maus-tratos feitos aos animais durante os treinos para que realizem performances perfeitas.

“No espetáculo não se nota. Eles até lhes dão festinhas, mas o problema são os treinos. Eles são espancados com paus, picados com ferros em brasas, são privados de alimentos. Estes animais fazem vários espetáculos por dia… E vivem uma vida fechados numa jaula até à sua morte”, alertou Camilo Soveral, dos Veganos de Sintra, uma das entidades que organizou a manifestação.

Claúdio Alves, de 24 anos, assume-se como ativista em nome individual e juntou-se à iniciativa para criticar “a escravização de animais que são sujeitos a condições adversas, que são alvo de treinos à base do medo e sofrimento e que passam onze meses a viajar em espaços super-pequenos”.

As ideias de Cláudio são repetidas pelos outros manifestantes, que questionam como é que, por exemplo, um leão consegue passar por um círculo de fogo, quando este é o elemento natural que mais teme.

“Há vídeos que mostram como ensinam estes animais a fazer estes truques. São espancados com ferros e amarrados pelas patas. Passam fome”, resumiu Eduardo Araújo, da Cidadãos pelos Circos SEM Animais, o outro grupo que organizou a iniciativa.

A Lusa confrontou o representante do Circo Cardinali, que negou todas as acusações: “Os nossos animais são muito bem tratados. Já não são animais selvagens, são todos de cativeiro. Nasceram aqui no circo e não são treinados com violência, senão seriam muito mais agressivos. Os treinos começam por ser uma brincadeira e é através de estímulos positivos. Damos-lhes caricias e alimentos”, disse à Lusa Gonçalo Dinis.

O porta-voz da organização garantiu que as pessoas gostam de assistir a espetáculos com animais e que há cada vez mais adesão ao Circo Hugo Cardinali: “Neste momento temos 3.200 pessoas lá dentro a assistir ao espetáculo, e 20 cá fora a manifestar-se contra”, resumiu.

Apesar de estarem em clara minoria e de serem raras as famílias que se mostraram sensibilizadas, os manifestantes acreditam que estas iniciativas têm resultados.

“A ideia é deixar as pessoas a pensar. Sabemos que não vamos conseguir mudar a cabeça dos mais velhos, mas os mais novos, se calhar, chegam a casa e vão à internet ver uns vídeos e provavelmente não voltam”, explicou à Lusa Eduardo Araújo.

Entre os espetadores, a Lusa encontrou uma mulher que se disse arrependida de levar o neto ao circo: “Realmente, nem pensei. Sou contra as touradas, mas nunca tinha pensado na perspetiva dos animais do circo”, disse Maria Amélia, que acabou por entrar para o espetáculo.

Dentro do recinto do circo, a polémica parecia esquecida. As crianças ficavam deslumbradas logo na primeira tenda, onde estavam os presentes oferecidos por empresas aos filhos dos respetivos funcionários, mas o ponto alto era na segunda barraca, onde foi montada uma mini-feira popular, com cheiro a algodão doce, pipocas e churros feitos no camião de “Farturas da Família Morador”.

Dentro da tenda gigante de napa vermelha e estrelas douradas, há carrinhos de choque para crianças, um carrossel infantil, um twister com helicópteros ao tamanho dos mais pequenos e, até, um recinto com três póneis. Há também uma máquina de ler a sina que parece abandonada.

Os manifestantes garantem que não são contra nada disto. Só mesmo contra a utilização dos animais em espetáculos.