O governo opunha-se a esta proposta, que sugere um processo de votações no Parlamento com o objetivo de perceber se uma maioria dos deputados consegue concordar em alguma das diferentes opções para o ‘Brexit', mas que, no fundo, serve para gizar planos de acordo alternativos àquele que o executivo de Theresa May negociou com Bruxelas.
Como tal, segundo apurou o jornal The Guardian junto de fontes governamentais, vários membros do governo de May pediram a demissão depois de terem votado a favor desta emenda, que retira poder ao governo britânico e dota o parlamento de maior poder.
O ministro dos Negócios e Indústria, Richard Harrington, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Alistair Burt, e o ministro da Saúde, Steve Brine terão pedido a demissão.
A proposta interpartidária, encabeçada pelo conservador Oliver Letwin, dá ao parlamento precedência sobre o governo para estabelecer a agenda parlamentar no sentido de "debater e votar caminhos alternativos". Esta proposta foi subscrita por 120 deputados de diferentes partidos. Ao todo, 30 deputados do partido Conservador rebelaram-se contra o sentido de voto da sua bancada e votaram nesta emenda.
Tendo sido aprovada, a votação dos ditos “votos indicativos” deverá ocorrer a 27 de março, quarta-feira. Estes não terão peso vinculativo sobre o governo, funcionando como força de pressão sobre May. As propostas que o Parlamento votará podem ir da manutenção do mercado único, à realização de um novo referendo ou até à anulação da saída da UE. Mesmo que os resultados não sejam vinculativos, será politicamente difícil para o Executivo ignorar o seu resultado.
"É decepcionante ver que essa emenda foi aprovada", reagiu o governo em comunicado, considerando que a iniciativa "altera o equilíbrio entre as nossas instituições democráticas e estabelece um precedente perigoso e imprevisível para o futuro".
Já Jeremy Corbyn, líder do partido Trabalhista, a principal força da oposição, aproveitou o resultado da votação para "congratular a Câmara por ter recuperado o controlo", acrescentando que a "abordagem do governo tem sido um falhanço abjeto" e que "esta Câmara tem de encontrar uma solução".
Esta foi uma de sete emendas a serem votadas hoje na Câmara dos Comuns. Em seguida, depois da emenda "Letwin", uma emenda proposta por Margaret Beckett, deputada do partido Trabalhista, foi reprovada numa votação muito renhida, com 314 votos contra e 311 votos a favor. Esta proposta consistia em requisitar ao governo que se reunisse com o parlamento se se chegasse a uma fase em que o Reino Unido estivesse a sete dias de sair da UE sem ter acordo. Neste cenário, os deputados teriam o poder de aprovar uma saída sem acordo ou pedir mais um adiamento para prevenir essa situação e obter uma solução.
As restantes cinco emendas não chegaram a ser discutidas, quatro porque John Bercow, líder da Câmara dos Comuns [speaker], não as escolheu para votação e uma porque a bancada trabalhista retirou-a.
Com a sua bancada cada vez mais dividida, a votação da emenda dos "votos indicativos" é uma nova derrota para Theresa May. Inicialmente, o Governo tinha previsto submeter o Acordo de Saída negociado com Bruxelas uma terceira vez ao parlamento. No entanto, apesar de se manter firme em defesa do seu Acordo, primeira-ministra admitiu continuar a não ter condições para levá-lo a uma terceira votação.
"É com grande pesar que tive que concluir que, da maneira como as coisas estão, ainda não há apoio suficiente na Câmara [dos Comuns] para trazer de volta o Acordo para um terceiro 'voto significativo'" disse hoje. Por essa razão, Corbyn já veio desafiar May a declarar "morto" o seu Acordo e a aceitar os “votos indicativos”.
De recordar que a data original de saída do Reino Unido da UE tinha sido marcada para 29 de março. Porém, depois de ver o seu Acordo de Saída ser rejeitado por duas vezes no Parlamento Britânico - primeiro a 15 de janeiro, depois a 12 de março - May conseguiu ganhar tempo e adiar o Brexit, estando em causa agora dois prazos distintos.
Depois de aprovar o adiamento do Brexit junto do seu próprio parlamento a 14 de março, a primeira-ministra recebeu um sinal positivo junto da União Europeia. Na semana passada, o Conselho Europeu concordou com uma prorrogação da data de saída até 22 de maio, desde que o Acordo de May seja aprovado pela Câmara dos Comuns até esta sexta-feira, 29 de março. Caso não aconteça, o Conselho Europeu estipulou uma prorrogação até 12 de abril de 2019 e disse que esperava que o Reino Unido indicasse um caminho a seguir antes desta data para a consideração dos líderes europeus. Se tal não ocorrer, dá-se uma saída sem acordo, cenário para o qual a UE disse já estar preparada.
Este é só mais um do contínuo rol de adversidades que a primeira-ministra têm enfrentado, sendo que ontem foi noticiado que a pressão interna sobre May tem aumentado de tal forma que os próprios membros do seu governo estão a considerar afastá-la.
O jornal britânico Sunday Times avançou ontem que Theresa May "esteve à mercê de um golpe de gabinete", quando ministros seniores do seu governo encetaram movimentações para a afastar da liderança do executivo. Segundo o jornal, numa série de telefonemas privados, estes concordaram May se tornou uma figura "errática" e que deve anunciar o seu afastamento da liderança.
Começa a reunir-se algum consenso junto dos conservadores para que a primeira-ministra se demita. Hoje, o tabloide The Sun juntou a voz ao The Times, que no sábado escreveu em editorial que May "deve demitir-se para permitir que um primeiro-ministro interino navegue o país para águas mais seguras" se não conseguir aprovar o acordo.
O The Sun, até agora defensor da estratégia da primeira-ministra, defende que "May deve anunciar hoje que deixará o cargo assim que o seu acordo para o ‘Brexit' for aprovado e o Reino Unido estiver fora da UE".
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