"Não foram encontradas evidências de qualquer ilegalidade indiscutível no âmbito do procedimento administrativo de licenciamento e execução do projeto urbanístico da Arrábida praticada por qualquer um dos vereadores com o Pelouro do Urbanismo entre 2002 e 2018", lê-se no relatório a que a Lusa teve hoje acesso.
No documento, que vai ser analisado na Assembleia Municipal do Porto na quinta-feira, reconhece-se, contudo, "terem existido momentos em que alguns responsáveis políticos e administrativos, com toda a legitimidade, (...) escolheram aprovar ou indeferir o que, respetivamente, podiam ter indeferido ou aprovado".
Nesta circunstância, acrescenta o relatório, estão seis decisões, a primeira das quais do ex-presidente da Câmara Nuno Cardoso que, em 07 de janeiro de 2002, “emitiu um despacho que contraria o parecer da CMDP e o Plano de Urbanização da Marginal do Douro entre Alfândega/Passeio Alegre/Pilotos da Barra”.
Também o indeferimento, em 16 de junho de 2003, pelo então vereador Ricardo Figueiredo, do pedido de licença de construção, “podia ter sido deferido se tivesse considerado que havia deferimento tácito em janeiro de 2002”.
No relatório lê-se ainda que o vereador do urbanismo Lino Ferreira, que deferiu, em 13 de fevereiro de 2009, o pedido de informação prévia a favor da Imoloc, "poderia ter mantido o entendimento anterior de que não existiam direitos adquiridos a salvaguardar" e que as “sucessivas prorrogações para requerer o alvará da licença de construção até 21 de fevereiro de 2016 não foram feitas ao abrigo do Decreto-lei nº120/2013, de 21 de agosto”.
O documento questiona também a emissão pelo vereador Manuel Correia Fernandes [antigo responsável pelo Urbanismo no primeiro mandato de Rui Moreira] de “duas informações prévias favoráveis, no sentido de ser permitida a alteração da licença de 28 de fevereiro de 2013”.
No relatório reconhece-se também "a existência de uma relação de dependência entre o procedimento administrativo que conduziu ao licenciamento e execução do projeto urbanístico junto à escarpa da Arrábida [projeto da Arcada] e os acordos judiciais e extrajudiciais celebrados em 2008 e 2009 no âmbito do Parque da Cidade, nos termos da qual a celebração destes foi condicionada pela prévia aprovação da informação prévia de 13 de fevereiro de 2009".
Face ao exposto, a Comissão Eventual da Assembleia Municipal do Porto, recomenda que a Câmara promova, “com caráter de urgência”, um “entendimento entre a Administração dos Portos do Douro e Leixões (APDL) e o município do Porto a respeito da delimitação do domínio público hídrico nas margens do rio Douro”.
“E, na sua falta, solicite apreciação jurisdicional da questão”, acrescenta o relatório.
Recomenda-se também à Câmara que “promova a apreciação dos serviços de auditoria competentes do procedimento de contratação dos serviços jurídicos prestados em 2009 e/ou 2010 por Pedro Costa Gonçalves e bem assim que se pronuncie sobre os procedimentos a observar na contratação de entidades terceiras”.
O documento recomenda ainda mandatar o presidente da Assembleia Municipal, Miguel Pereira Leite, a “remeter o presente relatório aos serviços competentes do Ministério Público para apreciação de todas as questões que o documento possa suscitar e que ultrapassem as competências” da própria comissão eventual.
Um primeiro relatório desta comissão eventual vindo a público, defendia que fosse declarado nulo um deferimento de 2009 e os atos seguintes que viabilizaram o projeto urbanístico da Arcada atualmente em curso na base escarpa, a jusante da ponte da Arrábida, reconhecendo uma "relação" com os negócios da Parque da Cidade, mas sem "intervenção" de Rui Rio.
O documento, que tinha sido elaborado pelo relator Pedro Braga de Carvalho (PS), escolhido por unanimidade pela comissão, apontava vários fundamentos legais para a autarquia "ponderar seriamente declarar a nulidade do deferimento do Pedido de Informação Prévia [PIP] de 13 de fevereiro de 2009 [no segundo mandato de Rui Rio], e consequente procedimento administrativo" da obra em curso.
No dia 10, quando o relatório ia ser discutido na comissão, o PS abandonou a mesma, alegando que o grupo municipal de Rui Moreira usou “a posição maioritária que detém para recusar discutir” o documento.
O BE acabou também por abandonar a comissão um dia depois, recusando ser “cúmplice da decisão de afastar o relator, deitar fora o seu relatório para produzir um à medida do presidente da Câmara”.
A comissão eventual era inicialmente composta por seis membros, um de cada grupo municipal. Com a saída do PSD - que aconteceu em novembro, após o convite para Rui Rio participar numa audição -, do PS e do BE restam como "membros efetivos" André Noronha, do movimento "Rui Moreira, Porto O Nosso Partido", Rui Sá, da CDU, e Bebiana Cunha, do PAN, que assinam o relatório.
Os membros da comissão têm um poder de voto proporcional à respetiva representação na Assembleia Municipal do Porto, onde Rui Moreira tem maioria.
A obra em curso, situada na base da escarpa a jusante da Ponte da Arrábida, está pelo menos desde abril a ser investigada pelo Ministério Público, segundo informações dadas à Lusa pela Procuradoria-Geral da República.
Licenciada no fim de 2017, a empreitada começou no início do ano, com os trabalhos da primeira fase, relativos a um prédio de dez pisos e 38 fogos.
Em novembro, o tribunal recusou a pretensão da empresa Arcada para intimar a Câmara com vista à emissão do alvará da segunda fase da obra, que contempla 16 pisos e 43 fogos.
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