Jeffrey Golberg, jornalista do href="https://www.theatlantic.com/politics/archive/2025/03/trump-administration-accidentally-texted-me-its-war-plans/682151/" target="_blank" rel="noopener noreferrer">The Atlantic, conta na primeira pessoa a forma como soube dos bombardeamentos dos hutis, no Iémen. O jornalista recebeu uma mensagem do secretário de defesa americano Pete Hegseth, às 11h44, a descrever o ataque, num grupo online onde estavam todos os líderes de defesa nacional.

A sua presença no grupo de mensagens foi um erro que passou despercebido pela gestão americana, mas permitiu que o plano de ação no Iémen fosse agora divulgado. Segundo Jeffrey Golberg, o plano incluía informação precisa sobre pacotes de armamento, alvos e horários de execução.

Do que suspeitou Jeffrey Golberg?

Michael Waltz, assessor para a segurança nacional da presidência de Donald Trump, foi o primeiro a contactar o jornalista através de um serviço de mensagens encriptadas chamado Signal. Jeffrey Golberg suspeitou logo se seria o verdadeiro Michael Waltz a abordá-lo, talvez numa tentativa de o enganar e prejudicar. Na verdade, Golberg é um dos jornalistas mais criticados por Trump.

"Pensei que fosse improvável [ser Waltz], dado o relacionamento contencioso da administração Trump com os jornalistas — e a fixação periódica de Trump em mim especificamente", escreve. "Imediatamente me passou pela cabeça que alguém poderia estar a fazer-se passar por Waltz para, de alguma forma, me apanhar. Não é nada incomum, hoje em dia, que atores nefastos tentem induzir jornalistas a partilhar informações que poderiam ser usadas contra eles".

Dois dias depois, na quinta-feira, foi adicionado a um grupo de conversas chamado “Houthi PC small group" (PC Hutis grupo pequeno) e recebe a primeira mensagem: "Equipa – estabelecendo um grupo de princípios [sic] para a coordenação sobre os hutis, particularmente para as próximas 72 horas. O meu vice, Alex Wong, está a definir uma equipa de ação composta por Chefes de Gabinete , dando seguimento à reunião na Sala de Situação desta manhã para definir as tarefas e deverá enviar isso mais tarde esta noite".

O jornalista estava a ser convidado para uma reunião do Conselho de Segurança Nacional, para definir os principais responsáveis pelo ataque no Iémen. Neste grupo estava Marco Rubio, Secretário de estado dos Estados Unidos, JD Vance, Vice-presidente dos EUA, Tulsi Gabbard, Diretora de Inteligência Nacional dos Estados Unidos, Scott Bessent, Secretário do Tesouro dos Estados Unidos, e ainda Pete Hegseth.

Estão ainda presentes o Enviado Especial para o Médio Oriente, Steve Witkoff, e a Chefe de Gabinete da Casa Branca, Susie Wiles. O jornalista acredita ainda que o utilizador "S M" é Stephen Miller, o número dois na chefia de Gabinete da Casa Branca. Jeffrey Golberg surgia como “JG” no ecrã, e por isso foi capaz de manter a sua identidade oculta durante tantos dias.

Primeiro, o jornalista e alguns colegas levantaram "a possibilidade de essas mensagens fazerem parte de uma campanha de desinformação, iniciada por um serviço de inteligência estrangeiro ou, mais provavelmente, por uma organização de media provocadora, do tipo de grupo que tenta colocar jornalistas em posições constrangedoras, e às vezes consegue", conta.

Ignorou, até que no dia seguinte, sexta-feira, Michael Waltz pede aos líderes uma síntese das tarefas. Pete Hegseth é quem avança com a decisão de não adiar os ataques, sob o argumento de que "ninguém sabem quem são os hutis - e por isso temos de nos concentram em: 1) o Biden falhou, 2) Financiado pelo Irão".

Como se descobriu a verdade?

Stephen Miller é quem passa a mensagem do presidente e dá luz verde: "Devemos deixar claro para o Egito e para a Europa o que esperamos em troca. Também precisamos de descobrir como aplicar tal exigência. Por exemplo, se a Europa não remunerar, o que acontece? Se os EUA conseguirem restaurar a liberdade de navegação a um grande custo, deve haver algum ganho económico adicional em troca."

A partir desta troca de mensagens, o jornalista começou a perceber que poderia tratar-se de algo sério: "Percebi que a conversa possuía um alto grau de verossimilhança. As mensagens, em sua escolha de palavras e argumentos, soavam como se tivessem sido escritas pelas pessoas que supostamente as enviaram, ou por um gerador de texto particularmente hábil".

Depois de sexta-feira, Jeffrey Golberg não cita mais nenhuma mensagem, uma vez que "as informações nelas divulgadas, se tivessem sido lidas por um adversário dos Estados Unidos, poderiam ser usadas para prejudicar o pessoal militar e de inteligência norte-americano, particularmente na região mais ampla do Médio Oriente", argumenta.

Revela, no entanto, que as mensagens que se seguiram continham "detalhes operacionais sobre ataques iminentes ao Iémen, incluindo informações sobre os alvos, as armas que os EUA iriam implantar e a sequência dos ataques". E acrescenta: "As primeiras explosões no Iémen seriam sentidas duas horas depois, às 13h45", conforme combinado no grupo a que o jornalista tinha acesso.

No grupo, o sucesso da operação, que matou mais de 30 pessoas, foi celebrado com exclamações e emojis.

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A entrevista a Michael Waltz transmitida num canal de televisão nacional, na qual justifica os ataques no Iémen, foi a prova necessária para o jornalista acreditar na veracidade do grupo. O representante corroborou o que já tinha escrito nas mensagens, exclusivas aos líderes americanos e a Jeffrey Golberg: "Estes não foram ataques pontuais, de vai-e-vem — o que, no fim, se revelou ser ataques ineficazes", disse ele. "Esta foi uma resposta esmagadora que de facto visou vários líderes hutis e os eliminou."

A confirmação necessária.

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"Enviei um e-mail para Michael Waltz e mandei uma mensagem na sua conta do Signal. Também escrevi para Pete Hegseth, John Ratcliffe, Tulsi Gabbard e outros oficiais", conta o jornalista. Em resposta, recebeu a confirmação: “Parece ser uma cadeia de mensagens autêntica, e estamos a analisar como um número inadvertido foi adicionado à cadeia”, reconheceu Brian Hughes, o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional.

Jeffrey Golberg termina a explicar que "não é incomum que oficiais de segurança nacional comuniquem pelo Signal, mas para o planeamento de reuniões e outras questões logísticas — não para discussões detalhadas e altamente confidenciais sobre uma ação militar iminente". É menos comum dar acesso 'sem querer' a um jornalista a esta conversa.