Seria de esperar que um Governo de maioria absoluta fosse o executivo mais estável dos que, nos últimos anos, tiveram António Costa e o Partido Socialista ao leme. Mas entre a teoria e a prática, por vezes, surgem diferenças absolutamente incontornáveis.

O atual elenco governativo, formado a 30 de março na sequência de eleições antecipadas, depois do chumbo do Orçamento de Estado para 2022, no final do ano de 2021, tem vivido nove meses de crise, não só pelas dificuldades provocadas pela inflação, consequência da guerra na Ucrânia, ou pela ameaça de uma crise económica, mas por uma série de de situações internas que já levaram à demissão de 10 governantes, entre eles dois ministros que foram figuras maiores no Governo socialista: Marta Temido e Pedro Nuno Santos.

O caso mais recente envolveu, precisamente, o ministro das Infraestruturas e da Habitação que, nos primeiros minutos do dia de hoje, apresentou a demissão do cargo ao primeiro-ministro, António Costa.

Em comunicado divulgado pelo gabinete do governante, Pedro Nuno Santos explicou que “face à perceção pública e ao sentimento coletivo gerados em torno” do caso da TAP, decidiu “assumir a responsabilidade política e apresentar a sua demissão”, já aceite pelo primeiro-ministro António Costa.

No mesmo comunicado é anunciada também a demissão do secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes. Horas tarde soube-se igualmente da saída da secretária e Estado da Habitação, Marina Gonçalves.

Estas três demissões aconteceram na sequência do caso noticiado pelo Correio da Manhã no sábado e que levou à demissão de Alexandra Reis, secretária de Estado do Tesouro. A governante recebeu uma indemnização de meio milhão de euros por sair antecipadamente, em fevereiro, do cargo de administradora executiva da transportadora aérea, quando ainda tinha de cumprir funções durante dois anos, sendo que em junho, foi nomeada pelo Governo para a presidência da Navegação Aérea de Portugal e no final do ano escolhida para secretária de Estado do Tesouro. O caso gerou indignação junto da população, da oposição e do próprio Governo. Hugo Mendes, que segundo o Observador sabia do valor da indemnização paga, demitiu-se. Pedro Nuno Santos, apesar de não ter sido noticiado o conhecimento do caso, optou por chamar a si responsabilidade política.

Em novembro, também foram três as demissões. Miguel Alves, secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, demitiu-se na sequência de uma acusação pelo Ministério Público por prevaricação e violação das normas de contratação pública, quando acordou com a empresária Manuela Couto a prestação de serviços de assessoria de comunicação para o município, uma acusação que se refere "a factos ocorridos nos anos de 2015 e 2016" quando era presidente da Câmara Municipal de Caminha, no distrito de Viana do Castelo.

De acordo com o noticiado, em abril de 2021, o município adiantou ao promotor uma verba de 369 mil euros para a concretização da obra, que nunca avançou e que está a ser investigada pelo Ministério Público. Daquele montante, 300 mil euros serviram como adiantamento das rendas relativas ao 25.º ano do arrendamento e os 69 mil euros são relativos ao pagamento do IVA.

Também em novembro, João Neves, secretário de Estado da Economia, e Rita Marques, secretária de Estado do Turismo, abandonaram o Governo, depois de divergências com o ministro António Costa Silva em torno da questão de uma descida transversal do IRC.

Em agosto, e depois de ser um dos `rostos´ do combate à pandemia, Marta Temido apresentou a demissão de ministra da Saúde, não resistindo à crise das urgências que se agudizou no verão. Com a saída da ministra, caíram obrigatoriamente dos seus cargos Maria de Fátima Fonseca, secretária de Estado da Saúde, e  António Lacerda Sales, secretário de Estado-Adjunto da Saúde.

Por último, e longe de casos políticos, Sara Abrantes Guerreiro, secretária de Estado da Igualdade e das Migrações, foi obrigada a abandonar o cargo, que ocupou durante um mês, por motivos de saúde.

Depois do caso TAP que levou a mais uma tripla de demissões, o ambiente que circunda o Governo deixa de ser somente de pedidos de explicação. Nos polos mais extremos, a Iniciativa Liberal já anunciou que vai apresentar uma moção de censura ao executivo liderado por António Costa e o CDS veio pedir a intervenção do Presidente da República, apelando a que este dissolva o Parlamento e convoque eleições antecipadas.