A notícia chegou com estranheza na tarde desta terça-feira: o governo convocou uma conferência de imprensa para anunciar as medidas para fazer face ao crescimento dos casos de covid-19 na região de saúde de Lisboa e Vale do Tejo. À imprensa, António Lacerda Sales anunciou que, ao contrário do que tem acontecido noutros concelhos que geram preocupação, a capital teria uma estratégia de aceleração da vacinação, partindo já em junho para as faixas dos 30 e 40 anos.
“Haverá uma aceleração no processo de vacinação em Lisboa, começando a vacinação na faixa dos 40 anos no dia 06 de junho e na [faixa] dos 30 anos a partir de 20 de junho”, afirmou o secretário de Estado Adjunto e da Saúde. Lacerda Sales explicou que, “por ser uma região mais populosa, Lisboa e Vale do Tejo está ligeiramente mais atrasada na vacinação do que outra regiões, tendo 32% da população já vacinada como pelo menos uma dose”, apresentando como exemplo o caso da região Centro em que 38% da população já está vacinada.
O secretário de Estado Adjunto e da Saúde disse que os instrumentos que hoje estão disponíveis para fazer face à situação epidemiológica e pandémica são bem diferentes do que existiam há uns meses, referindo-se à testagem massiva, à vacinação, ao rastreamento e ao reforço das ações ao nível da saúde pública, o que permite ter “maior capacidade de antecipação e de ação”.
Pouco depois, contudo, ao jornal digital 'Observador', fonte do grupo de trabalho responsável pela vacinação disse que as datas se aplicam para todo o país. E já depois das 23 horas, é o próprio governo, numa publicação na rede social Twitter, que vem dizer, afinal, que "decorrente do bom ritmo do Plano de Vacinação Anti-COVID19 e da disponibilidade de vacinas, foi decidida a aceleração da vacinação a nível nacional".
O privilégio dado a Lisboa foi rapidamente criticado pelo presidente da câmara da segunda maior cidade do país: Rui Moreira. O autarca do Porto exigiu um tratamento equitativo para todo o país, acusando o governo de beneficiar o "infrator" ao acelerar a vacinação na região de Lisboa e Vale do Tejo após o aumento de infeções.
"Não pode haver dois países, não pode haver um país e depois haver Lisboa. Tem de haver um único país e nós temos de exigir um tratamento igual para o todo nacional", afirmou Rui Moreira, numa declaração vídeo publicada na página oficial da câmara do Porto. Afirmando estar "totalmente solidário" com o crescimento da covid-19 em várias zonas do país, o independente considera, contudo, "absolutamente inaceitável" que "subitamente se crie uma situação de a verdadeira exceção", depois do aumento de casos em Lisboa e Vale do Tejo.
Para o autarca, aquilo que se esperava é que fossem tomadas medidas semelhantes às que foram tomadas no resto do país, como aconteceu em Montalegre, onde o aumento de casos levou a um retrocesso no desconfinamento: "Bem sei que a dimensão é diferente, bem sei que são mais pessoas, mas aqui parece-me haver claramente benefício ao infrator", disse.
Por outro lado, em Lisboa, acrescentou, o que acontece é que "não [vai] haver um retrocesso do desconfinamento, bem pelo contrário, aquilo que se vai fazer é dar vacinas às pessoas com mais de 40 anos e com mais de 30 anos".
Ao 'Público', o coordenador da task force confirma que a vacinação em Lisboa e Vale do Tejo vai, mesmo, ser reforçada, mas por estar ligeiramente atrasada em relação a outras regiões do país, como o Alentejo e o Centro. Isto acontece porque estas regiões têm mais idosos e o critério seguido é o de vacinar por faixas etárias decrescentes. Ao jornal, Gouveia e Melo diz que isto mesmo está já a ser feito no Algarve, adiantando que vai haver também um reforço de vacinas no Norte. Mas este reforço vai servir para acelerar a vacinação nas faixas etárias que estão atualmente a ser vacinadas, ou seja, as dos maiores de 55 anos.
“O nosso plano é nacional e estamos a recuperar as regiões [percentualmente] mais atrasadas e isto também vai incluir o Norte. A ideia é ter sempre as regiões equilibradas porque é o mais justo. Quando se fala em acelerar, é dar mais vacinas, mas mantendo a mesma programação”, esclareceu.
A hipótese de alargar a vacinação a três faixas etárias ao mesmo tempo tinha já sido adiantada pelo próprio Gouveia e Melo, no passado dia 21: “Vamos abrir mais do que uma faixa etária sequencialmente, mas quase ao mesmo tempo”, explicou também ao 'Público'.
“A vacinação poderá ocorrer em três faixas etárias quase em simultâneo”, reiterou fonte da ‘task force’, explicando que o objetivo é evitar o desperdício de doses da Johnson & Johnson, que em Portugal é recomendada apenas para maiores de 50 anos. Desta forma, o plano é que sejam administradas as vacinas da Pfizer e da Moderna aos menores de 50 anos, enquanto se vacinam as pessoas na faixa etária dos 50-59 anos e outras pessoas mais velhas ainda por vacinar com as doses da Johnson & Johnson, que deverão chegar em grandes quantidades durante o mês de junho.
Lisboa está mais atrasada na vacinação?
As percentagens mostram que, em Lisboa e Vale do Tejo, apenas 32% da população tem pelo menos uma dose de uma das vacinas contra a covid-19. Olhando para as cinco regiões de saúde em Portugal, Lisboa surge em penúltimo lugar, à frente do Algarve (que tem só 31% da população vacinada). Mas as contas não colocam a região da capital assim tão longe do resto do país: o Alentejo lidera na percentagem de pessoas que já receberam uma dose da vacina (41%), enquanto o Centro apresenta 40%. A Madeira surge na terceira posição com 36% da população com uma dose tomada, seguindo-se o Norte com 34%, Lisboa e Vale do Tejo e os Açores com 32% e o Algarve com 31%.
Em termos absolutos, dados da Direção-Geral da Saúde (DGS) indicam que o Norte continua a liderar no número de vacinas administradas, com um total de 1.756.275 doses, seguido de perto por Lisboa e Vale do Tejo, onde já foram administradas 1.705.909 doses. O Centro é a terceira região do país onde mais pessoas receberam a vacina (983.974), seguindo-se o Alentejo (292.725), o Algarve (199.146), a Madeira (132.162) e os Açores (107.122).
Desde que se iniciou a vacinação contra a covid-19, a 27 de dezembro de 2020, Portugal já recebeu 5.728.470 vacinas, tendo sido distribuídas pelos postos de vacinação do território continental e pelas regiões autónomas 5.126.418 doses.
Segundo o relatório semanal da vacinação divulgado pela DGS, 3.526.688 pessoas já estão vacinadas com a primeira dose e 1.654.55 já têm a vacinação completa, tendo sido administradas na última semana um total de 516.911 doses.
A vacinação do grupo etário das pessoas com mais de 80 anos sofreu uma ligeira alteração em relação à semana anterior, estando agora 96% (646.721 idosos) com a primeira toma já administrada e 90% (607.257) com as duas doses tomadas.
Já na faixa entre os 65 e 79 anos, 92% das pessoas desse grupo (1.471.719) já recebeu a primeira dose, percentagem que baixa para os 30% (473.148) no que se refere à vacinação completa. No grupo entre os 50 e os 64 anos, 44% (941.130) já foram vacinados pela primeira vez e outros 13% (285.780) já receberam as duas doses de vacina contra a covid-19.
O que acontece, afinal, em Lisboa?
Sobretudo, um aumento da testagem. Além do ensino (quer escolas, quer universidades), também os profissionais de entregas, táxi e TVDE estão abrangidos por um reforço da testagem de covid-19 na região de Lisboa a partir de sexta-feira, enquanto nas zonas de concentração de restaurantes o programa arranca na segunda-feira.
Na conferência de imprensa que juntou várias entidades públicas, em Lisboa, o coordenador da ‘task-force’ criada pelo governo para a promoção do plano de testagem no âmbito da pandemia explicou que será desenvolvido, a partir do dia 28, “um programa de sensibilização e de testagem” junto dos prestadores dos serviços de entregas, táxis e transporte em veículos descaracterizados a partir de plataformas eletrónicas (TVDE).
“Quer isto dizer que vamos testar em proximidade nos locais onde estes profissionais exercem a sua profissão, em colaboração com a Câmara Municipal de Lisboa”, referiu Fernando Almeida, sublinhando também a articulação, neste processo, com o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) e laboratórios privados.
Segundo o também presidente do conselho diretivo do INSA, a testagem em massa na região de Lisboa abrange também zonas de habitual convívio entre os jovens, como a Avenida 24 de Julho, o Cais do Sodré, o Bairro Alto ou o miradouro de São Pedro de Alcântara, pontos de diversão noturna no centro da cidade de Lisboa.
“Vamos dirigir a nossa atenção através de unidades móveis, com a colaboração da Administração Regional de Saúde, da Câmara Municipal de Lisboa e equipas da Cruz Vermelha, no sentido de ter duas ações: testar e sensibilizar para a necessidade de distanciamento”, referiu Fernando Almeida, explicando que se pretende uma “testagem muito significativa”.
Também as zonas de grande circulação e ‘interfaces’ de transporte são alvo da atenção das autoridades, pelo que serão colocados “postos móveis de testagem”, que podem ser usados pelos passageiros, em locais como a Gare do Oriente.
O reforço da testagem incide também a partir do dia 31 de maio, com equipas móveis, nos setores da restauração, comércio, hotelaria e feiras, não numa lógica de “restaurante a restaurante, mas em regiões com aglomerados de restaurantes típicos”.
Fernando Almeida anunciou ainda que o Governo vai antecipar a testagem à covid-19 nos estabelecimentos de ensino de Lisboa, face ao aumento de infeções na capital: a testagem a alunos, docentes e não docentes de todos os níveis de ensino começa na maior parte dos casos já esta semana.
O programa de testes vai também abranger imigrantes e requerentes de asilo, em particular os residentes em pensões, espaços que em Lisboa estão muitas vezes sobrelotados.
Na conferência de imprensa, o secretário de Estado Adjunto e da Saúde, António Lacerda Sales, disse que a tendência crescente de novos casos de covid-19 nesta região, registada desde o início do mês de maio, “é um sinal de alerta, não de alarme”.
Apresentando os dados da situação epidemiológica da covid-19 no concelho de Lisboa, o diretor de Serviços de Informação e Análise da Direção-Geral da Saúde, André Peralta Santos, descreveu a curva da incidência cumulativa a 14 dias de casos de infeção, em que no início do mês de maio se verificou “uma inversão de tendência e um aumento do crescimento”.
“Atualmente, tem uma incidência de 143 casos por 100 mil habitantes e um Rt (índice de transmissibilidade) de 1,14”, referiu, explicando que “isto quer dizer que a incidência está acima de 120 [casos por 100 mil habitantes] e que a epidemia está a aumentar, porque o Rt é superior a 1”.
Relativamente à dispersão geográfica, com dados de 10 de maio e de 23 de maio, verifica-se que as maiores incidências se concentram nas freguesias do centro da cidade de Lisboa e que, ao longo dos últimos dias, houve um aumento nos territórios circundantes, expôs.
“À medida que nos vamos aproximando do tempo presente, há uma dispersão do aumento”, disse André Peralta Santos, explicando que, “em vez de aumentar a incidência só nas freguesias do centro, já estão a aumentar também nas freguesias mais da periferia da cidade e, inclusive, noutros concelhos”.
No que diz respeito à faixa etária dos casos de infeção dos últimos 14 dias em Lisboa, concentram-se na população do adulto jovem, entre os 20 e os 40 anos.
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