Um avião da companhia aérea irlandesa Ryanair encontrava-se neste domingo em pleno voo entre Atenas, na Grécia, e Vilnius, na Lituânia, quando foi abordado por um caça soviético MiG-29 e forçado a aterrar em Minsk, capital da Bielorrússia, enquanto atravessava o espaço aéreo bielorrusso. A informação disponibilizada no website Flightradar demonstra que o voo já estava quase a passar a fronteira quando foi obrigado ao desvio.

O pretexto para a ação musculada do governo bielorrusso foi a suposta existência de uma bomba a bordo. Essa é a versão do regime autoritário de Alexander Lukashenko, que informou que, após inspeção da aeronave por parte dos seus agentes, não encontrou nenhum engenho explosivo. A agência estatal Belta, aliás, reporta que foi o próprio presidente a ordenar o lançamento do caça.

Também a Ryanair, em comunicado oficial, diz que o controlo de tráfego aéreo bielorrusso comunicou uma suposta ameaça à tripulação, dando também “instruções para desviar para o aeroporto mais próximo, Minsk”. A companhia aérea acrescentou igualmente que nada foi encontrado após o avião aterrar.

Apesar do pretexto da bomba a bordo, as razões que levaram o regime bielorrusso a intercetar o avião, contudo, terão sido outras. Um dos passageiros do avião era Roman Protasevich, jornalista dissidente que, após a aterragem em Minsk, já não regressou ao seu voo — que só retomou a sua rota para Vilnius sete horas depois, e após a pressão da comunidade internacional.

Quem é Roman Protasevich?

Jornalista de 26 anos, Roman Protasevich é co-fundador e ex-editor do Nexta, um canal de informação criado na rede social Telegram e que tem transmitido em direto os protestos antigovernamentais que se mantêm desde as eleições de agosto de 2020. Depois de abandonar este meio, passou a trabalhar para o Belamova, que funciona nos mesmos moldes e tem mais de 260 mil subscritores.

Dada a repressão sobre os órgãos de comunicação bielorrussos por parte do regime de Lukashenko, estes são dos poucos meios dissidentes a contornar o controlo governamental — há dias, por exemplo, tendo como pretexto um suposto caso de evasão fiscal, o popular website noticioso independente Tut.by foi encerrado e os seus jornalistas detidos, seguindo-se esta ação a uma sequência de detenções que tem vindo a agravar-se desde as eleições.

A Bielorrússia, porém, já era o país da Europa pior posicionado no ranking de liberdade de imprensa dos Repórteres sem Fronteiras em 2019, ano em que Protasevich fugiu para a Lituânia temendo ser detido. Todavia, mesmo no exílio, o jornalista continuou a trabalhar sobre os acontecimentos no seu país natal, tornando-se numa das vozes mais influentes do país. Por isso mesmo, em novembro de 2020, o Comité de Investigação acusou Protasevich e Stepan Putilo, outro dos fundadores do canal Nexta, de organizarem motins e incitarem ao ódio contra funcionários e a polícia. 

Por estes supostos crimes, Protasevich enfrenta uma pena de 12 anos. No entanto, a agência de segurança bielorrussa, chamada KGB, na sequência dessa acusação, incluiu o repórter na lista de terroristas e o poder judicial bielorrusso considerou a Nexta uma organização extremista. Se for condenado por esta acusação, o jornalista enfrenta a pena de morte.

Foi sabendo desse possível destino que, segundo a Agência France Presse (AFP), diversos passageiros do avião onde seguia Protasevich disseram que o jornalista viveu longos minutos de angústia quando percebeu que o voo da Ryanair seria desviado para Minsk. “Ele começou a entrar em pânico e disse que era por causa dele”, disse a lituana Monika Simkiene, de 40 anos, à AFP no domingo, quando o voo finalmente aterrou em Vílnius.

“Ele virou-se para as pessoas e disse que arriscava a pena de morte”, continuou Monika Simkiene, observando que o jornalista parecia “muito calmo” depois de ter chegado a Minsk, certo da sua prisão.

A dissidência do jornalista face ao regime já vem dos tempos da adolescência: segundo o The New York Times, Protasevich foi expulso de uma escola em 2011 por participar numa manifestação de protesto e também, mais tarde, de um curso de jornalismo da Universidade de Minsk.

De acordo com a AFP, em 2012 Protasevich foi detido por coordenar dois grupos — um deles chamado "Estamos cansados deste Lukashenko" — na rede social russa Vkontakte contra o presidente autoritário. “Agrediram-me nos rins e no fígado", contou na ocasião. "Urinei sangue por três dias. Ameaçaram acusar-me de assassinatos não solucionados", denunciou.

De resto, Protasevich não terá sido único a ser detido. A Universidade de Vilnius denunciou que Sofia Sapega, estudante de 23 anos russa e namorada do jornalista, também ficou retida em Minsk e exigiu a sua libertação.

Opposition journalist travelling on Ryanair flight arrested in Minsk
créditos: Lusa

Porque é que a Bielorrússia agiu desta forma?

A detenção de Protasevich é mais um episódio no que tem sido um período de particular convulsão política na Bielorrússia, iniciado com as eleições presidenciais de 9 de agosto de 2020.

O Presidente Alexander Lukashenko — que governa o país com mão pesada desde 1994 — foi declarado vencedor com 81% dos votos e reconduzido para um sexto mandato. No entanto, não só as eleições foram consideradas fraudulentas pelos observadores internacionais, como o resultado não foi reconhecido pela oposição, tendo espoletado manifestações pacíficas desde então.

Milhares de bielorrussos têm saído às ruas por todo o país para exigir o afastamento de Lukashenko, mas as manifestações têm sido reprimidas com violência pelas forças de segurança da Bielorrússia, que também prenderam ou obrigaram ao exílio os principais líderes do movimento de oposição — a principal opositora, Svetlana Tikhanovskaya, vive em exílio na Lituânia, por exemplo.

Lukashenko deu início a um processo de reforma constitucional para reprimir as manifestações antigovernamentais que exigem a sua renúncia, mas os líderes da oposição bielorrussa rejeitaram antecipadamente a proposta e criaram como alternativa a sua própria comissão constitucional, entre as propostas está conceder maiores prerrogativas ao Parlamento e introduzir um sistema eleitoral misto.

A 18 de março, um comunicado oficial do Ministério Público bielorrusso informou de que já tinham sido “condenadas mais de 400 pessoas” pelo seu envolvimento nos protestos, mas os grupos de defesa dos direitos humanos e da oposição alertavam, na altura, para a possibilidade de muitas mais pessoas se encontrarem detidas sem julgamento prévio e sujeitas a maus-tratos.

A perseguição a vozes dissidentes do regime tem sido denunciada desde as eleições e o próprio Protasevich já tinha noção dos riscos que incorria quando embarcou no voo em Atenas. Segundo o The Guardian, alguns colegas do jornalista receberam mensagens suas dizendo que estava a ser seguido por um agente do KGB bielorrusso que, inclusive, terá tentado tirar fotografias aos seus documentos pessoais.

A essas informações juntam-se relatos que dão conta de que Protasevich e Sapega não foram os únicos a não regressar ao voo, já que terão embarcado em Atenas agentes do KGB a segui-los. Tal foi também sugerido por Michael O’Leary, CEO da Ryanair, numa entrevista dada esta manhã. “Acreditados que alguns dos agentes do KGB saíram no aeroporto também”, disse o executivo, adiantando acreditar que esta foi a primeira vez que tal ação foi tomada numa companhia aérea europeia.

Protasevich
créditos: PETRAS MALUKAS / AFP

O que se segue?

Desde as eleições de 9 de agosto que a Bielorrússia tem sido progressivamente isolada pela comunidade internacional. A União Europeia, por exemplo, não reconhece os resultados das eleições e o Conselho Europeu decidiu recentemente prorrogar até fevereiro de 2022 as sanções aplicadas aos apoiantes do regime de Lukashenko — o que inclui o próprio presidente e o seu filho.

Após os primeiros relatos do desvio do avião para Minsk, surgiram as reações de condenação por parte de vários líderes europeus. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, chamou-o de "indigno e ilegal", a Polónia denunciou um "ato de terrorismo de Estado", e a França pediu uma "resposta forte e unida". O ministro português dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, juntou-se aos protestos,  considerando “inaceitável” e merecedora de uma “firme condenação” a aterragem forçada na Bielorrússia do avião e pedindo a “libertação imediata” de Roman Protasevich.

Perante os pedidos de endurecimento das medidas contra a Bielorrússia, foi anunciado que o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, iria colocar a “questão da aterragem forçada do voo da Ryanair em Minsk” na reunião dos líderes europeus marcada para esta segunda-feira, estando em discussão “as consequências e possíveis sanções”. Essa promessa foi mais tarde reforçada pelo responsável da diplomacia da UE, Josep Borrell.

Algumas delas passam pela possível proibição da Belavia, a companhia nacional bielorrussa, de aterrar em aeroportos da União Europeia, assim como a suspensão de voos que partam da UE de sobrevoar território bielorrusso e de voos bielorrussos de passar por território da UE.

De resto, há países que, a título individual, já avançaram com medidas. Nesta segunda-feira, o Reino Unido ordenou que os aviões britânicos evitem o espaço aéreo da Bielorrússia, e a Ucrânia prepara-se para fazer o mesmo. A companhia escandinava SAS e a companhia regional Air Baltic, com sede na Letónia, já haviam anunciado a adoção desta medida.

Aos pedidos de esclarecimento dirigidos à Bielorrússia, o país reagiu oficialmente da parte do seu Ministério dos Negócios Estrangeiros, considerando que o país agiu de maneira legal. "Não há dúvida de que as ações das nossas autoridades competentes (...) cumpriram plenamente as normas internacionais estabelecidas", afirmou um porta-voz do ministério num comunicado no qual também acusa o Ocidente de "politizar" a situação e de fazer “acusações infundadas".

O país também alegou ter reagido à suposta ameaça de bomba no voo Ryanair por ter recebido um aviso assinado pelo Hamas, conforme e-mail atribuído ao movimento islâmico palestiniano. “Nós, soldados do Hamas, exigimos que Israel termine os ataques ao setor de Gaza. Exigimos à União Europeia que termine o seu apoio a Israel (…) caso as nossas reivindicações não sejam satisfeitas, uma bomba explodirá [a bordo do avião da Ryanair] sobre Vílnius”, citou Artem Sikorski, diretor do transporte aéreo no Ministério dos Transportes bielorrusso, esclarecendo que lia uma tradução em russo da mensagem recebida em inglês. Minsk garantiu também que informou a Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), órgão da ONU, e a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA, na sigla em inglês), da sua "disposição a cooperar em uma investigação imparcial".

Durante os últimos meses, Lukashenko tem como apoio de peso a Rússia, que, de resto, também se tem pautado por relações tensas com a União Europeia e os EUA. O aliado da Bielorrúsia também já reagiu ao ocorrido, considerando que a resposta do regime às críticas foi ”efetivamente uma abordagem razoável”, como sublinhou Serguei Lavrov, o chefe da diplomacia russa, no decurso de uma conferência de imprensa com o seu homólogo grego, Nikos Dendias, em Sochi, sul da Rússia.

“Defendemos uma avaliação desta situação que não seja precipitada (…) mas baseada em todas as informações disponíveis”, acrescentou Lavrov, ao considerar “importante” atuar, mas mantendo o “sangue-frio”.

*Com agências