Quando na passada sexta-feira, 4 de junho, Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa se deslocaram a Madrid para tomar parte na apresentação da candidatura conjunta de Portugal e Espanha ao Mundial de futebol de 2030, talvez não soubessem que, se a viagem fosse feita de carro esta semana, teriam de apresentar um certificado para entrar no país vizinho caso partissem de Lisboa.

Um dia depois da fraternal convivência entre os chefes de Estado dos dois países, o Ministério da Saúde espanhol publicou um regulamento determinando que qualquer pessoa proveniente de um país na “lista de países ou zonas de risco" é obrigado a apresentar um de três documentos para entrar em Espanha:

  • Um certificado de vacinação completada até 14 dias antes da viagem;
  • Um certificado de diagnóstico, que é, no fundo, um resultado negativo ao teste à covid-19 — emitido dentro de 48 horas antes da chegada e feito quer através de PCR, quer com antigénio;
  • Um certificado de recuperação da doença.

Além disso, é necessário também preencher um formulário de controlo de saúde, disponível em Spain Travel Health, antes da partida, que irá gerar um código QR individual, devendo este ser apresentado às empresas de transporte antes do embarque, bem como nos controlos de saúde no ponto de entrada em Espanha.

Até aqui, tudo bem. O problema é que, como o Consulado Geral de Espanha em Portugal avisou ontem, o nosso país faz parte da dita “lista de risco” e que tais restrições de entrada também se aplicam às fronteiras terrestres.

Quer isto dizer que, depois de pouco mais de um mês em que se pôde fazer circulação livre entre os dois países — recorde-se que as fronteiras estiveram fechadas entre  31 de janeiro e 30 de abril, reabrindo apenas a 1 de maio — hoje voltou a haver controlos — ainda que estes não se apliquem a algumas exceções, como trabalhadores transfronteiriços. Por outro lado, estas restrições não são aplicadas a quem viaje de Espanha para Portugal por via terrestre.

Resumindo, quer um cidadão a residir em Portugal que pretenda viajar a Espanha, quer um cidadão a residir em Espanha que pretenda passar cá férias e depois regressar, terá sempre de ser sujeito a, no mínimo, fazer um teste para poder voltar a passar a fronteira.

Tendo o alerta do Consulado espanhol sido feito ao fim da tarde de domingo, menos de 24 horas da sua aplicação, a notícia caiu hoje com uma bomba, deixando uma pergunta nas entrelinhas: terá o Governo português sido avisado destas medidas?

A realidade das últimas horas revelou que, muito provavelmente, não, tendo uma fonte da embaixada de Portugal em Madrid adiantado estar à espera de esclarecimentos quanto ao impacto real destas medidas.

Perante o imobilismo do Ministério da Administração Interna quanto ao assunto, coube ao Ministro dos Negócios Estrangeiros simultaneamente pronunciar-se quanto ao caso e até deixar avisos.

Respondendo à TSF, Augusto Santos Silva disse estranhar a decisão dado que "Espanha tinha comunicado que ia facilitar a circulação de pessoas” e considerando “ser um erro que essas medidas se apliquem também à fronteira terrestre”. Ademais, o ministro ameaçou a possível adoção de “medidas recíprocas" por parte de Portugal, ou seja, de exigir a quem viaje de Espanha os mesmos certificados.

Além do frisson diplomático, junta-se ainda mais uma possível derrota para Portugal no que toca ao relançamento do setor turístico. Apesar das medidas não serem tão estritas como as que o Reino Unido implementou — que, recorde-se, passou de súbito a exigir 10 dias de quarentena a quem regresse de Portugal, o que tem resultado em debandada — poderão dissuadir quem queira passar férias no nosso país sem se preocupar com testes ou certificados.

O caso ganha contornos de alguma ironia considerando que a alteração das medidas da parte do Governo espanhol aconteceu exatamente para relançar o seu setor turístico, abrindo as fronteiras a todos os turistas vacinados ao mesmo tempo que implementou medidas que unilaterais a Portugal.

Apesar da medida espanhola poder ser revista dentro de apenas uma semana, certo é que o tom fraternal da passada sexta-feira ameaça ser substituído pelo de zanga, e que em vez de se trocarem camisolas das seleções nacionais entre as nações, se troquem galhardetes.