Antes de escrever este texto, falava com várias pessoas que me contavam pormenores dos seus dias. Entre idas ao mais recente cenário apocalíptico que temos — o supermercado —, as coisas estranhas que se veem da janela por onde normalmente não olhamos e as pessoas a cantar no bairro lá ao fundo, parece que tudo mudou.

Na minha cabeça, automaticamente, cantou Amália Rodrigues (num contexto diferente, sim, mas em tempo de quarentena vale tudo):

Foi por vontade de Deus
Que eu vivo nesta ansiedade
Que todos os ais são meus
Que é toda minha a saudade
Foi por vontade de Deus

Vivemos, realmente, nesta ansiedade que causa uma mudança que não esperávamos. Os "ais" são constantes: porque não podemos sair, porque quando saímos é confuso, porque queríamos abraçar alguém e não podemos. É certo que as tecnologias já nos permitem ver e falar com toda a gente, mas não é a mesma coisa. Lá sentimos a saudade, essa palavra que dizem ser tão portuguesa. Das pessoas e do que era — e há-de voltar a ser.

Vamos, então, ver algumas das coisas que fazem parte desta estranha forma de vida, no nosso país:

Encher despensas antes de termos por cá a Covid-19: Comecemos pelo dito apocalipse dos carrinhos de supermercado. Quando Portugal não registava qualquer caso confirmado de infeção pelo novo coronavírus, as vendas dos hiper e supermercados já aumentavam significativamente em relação aos valores apresentados no início do ano. O relatório da Nielsen espelha um país que se antecipou à chegada do vírus à medida que os casos alastravam no continente europeu.

Função Pública a trabalhar em casa: Já viu o que muda? As situações de exceção do teletrabalho na função pública e os limites de respeito da privacidade e descanso do teletrabalhador, que mantém o subsídio de refeição, foram definidas num despacho do Governo que entrou hoje em vigor. Saiba tudo aqui.

"Take away" de leitão à Bairrada: Como bons portugueses que somos, queremos a mesa cheia. As despensas estão cheias, mas faltava outro toque: o leitão na mesa. A Câmara da Mealhada passou hoje a disponibilizar na sua página oficial ‘online’ uma lista, atualizada diariamente, dos restaurantes especializados em leitão assado à moda da Bairrada com serviço de ‘take-away’ ou entrega ao domicílio. É arriscar, se estiver na zona onde vigora a rede de restaurantes aderentes.

As férias que não são férias e a Páscoa que vem aí: Os miúdos continuam em casa... e vão continuar por uns tempos. O primeiro-ministro, António Costa, admitiu hoje, no debate quinzenal, no parlamento, que o encerramento das escolas poderá "ir muito além" das férias da Páscoa devido à pandemia de Covid-19. É aproveitar para estudar e ocupar os restantes tempos livres.

Entretanto, enquanto não podemos voltar às nossas rotinas, aproveitamos o que há de diferente a acontecer. Deixo duas sugestões:

  • Festival Varandas cruza teatro, música, poesia e novo circo, em eventos que transformam varandas em palcos de performances ao vivo. Regressa este domingo e promete invadir as varandas, pátios e janelas de Lisboa, Porto, Évora e Braga. Para participar, basta inscrever-se através da página da organização no Facebook.
  • Desde quando é que estar de quarentena é desculpa para não ir ao cinema? Neste período de recato e isolamento, a Medeia Filmes leva o cinema a casa de todos os amantes da sétima arte. O ciclo "Quarentena Cinéfila" vai exibir três filmes por semana de forma 100% gratuita.

Depois das sugestões, termino com Amália, passando para outra letra:

Numa casa portuguesa fica bem
Pão e vinho sobre a mesa
E se à porta humildemente bate alguém

(Mas o verso seguinte é meu)

Dizemos que em casa temos de ficar.