Depois de mais um tiroteio numa escola secundária dos Estados Unidos — o segundo mais mortal numa escola pública norte-americana — os alunos levantam a voz e dizem: basta. Por todo o país, manifestações, reuniões e protestos exigem aos políticos e às autoridades medidas que impeçam mais mortes com o uso de armas nas escolas.
Depois do tiroteio do passado dia 14 de fevereiro, na Florida, os estudantes da Marjory Stoneman Douglas High School que sobreviveram aos disparos uniram-se e criaram um movimento para fazer frente a políticos, grupos a favor do armamento civil e todos os que resistem à mudança para que morrer não esteja entre os medos de quem vai à escola.
Através de conferências de imprensa, textos publicados nos jornais ou participação em debates com senadores, estes jovens não querem que a discussão esmoreça, como no passado, sem que nada seja mudado.
Nikolas Cruz, um ex-aluno da Marjory Stoneman Douglas de Parkland, a norte de Miami, abriu fogo nos corredores da instituição com uma arma semiautomática. Matou 17 pessoas. Com 19 anos de idade, obteve licença para comprar a arma, apesar do registo de comportamento violento.
Espera-se que a manifestação de Washington, no dia 24 de março e já batizada "Marcha pelas nossas vidas", inspire outros eventos em todo país.
"Não é contra o Partido Republicano, ou contra os democratas", garantiu a estudante Cameron Kasky em entrevista à rede de televisão ABC. "Todos os políticos de ambos os lados que recebem dinheiro da NRA são responsáveis", frisou.
Por agora, do lado político, há ideias. “Muitas ideias”, acrescenta o presidente dos Estados Unidos. Ideias dele e de outras pessoas. Delas, a Casa Branca vai “escolher as mais fortes, as mais importantes, as ideias que vão funcionar”, esclarece Trump. E vão pô-las em prática, garante. “Não vai ser só falar como foi no passado. Já passou demasiado tempo, demasiadas instâncias”, explica o presidente norte-americano, que esta quarta-feira recebeu um grupo de quarenta pessoas, entre sobreviventes, professores e familiares das vítimas do ataque da semana passada em Parkland.
Este encontro na Casa Branca tem sido criticado. Donald Trump tinha um cartão com ele. Um cartão onde se liam perguntas e respostas; as diretrizes que o presidente norte-americano devia dar aos sobreviventes do ataque. Entre as questões apanhadas pelas objetivas dos fotógrafos, podem ler-se frases como: “1) O que mais querem que eu saiba sobre a vossa experiência?”; “2) O que podemos fazer para que se sintam seguros?”; “4) Recursos? ideias?”; e “5) Estou a ouvir-vos.”
Os críticos de Trump têm visto neste cartão uma prova de que falta empatia ao presidente.
Esta reunião faz parte de uma série de esforços inéditos para fazer ‘lobbying’ pela mudança da legislação sobre armas. Uma afronta a um dos mais poderosos ‘lobbies’ (grupos de interesse que fazem pressão junto dos decisores políticos), a NRA — Associação Nacional de Espingardas — uma poderosa associação que tem financiado campanhas presidenciais (incluindo a de Trump), senadores e representantes do poder nos Estados Unidos da América.
É contra esses interesses que lutam. Que provocam os políticos, como Marco Rubio, senador da Florida pelo Partido Republicano. Rubio foi a um programa na CNN para falar com um grupo de alunos. Num palco no meio de uma plateia de milhares, Cameron Kasky atirou: “É capaz de me dizer que não vai aceitar doações da NRA?” Não foi. Rubio alegou que entidades como esta financiam as campanhas não para influenciar as propostas, mas porque se reveem nas ideias que esse político propõe.
“Nikolas Cruz pôde comprar uma arma de assalto antes sequer de poder comprar cerveja”, disse Laurenzo Prado, aluno da Stoneman Douglas, numa conferência de imprensa na capital da Florida. Fazia uma referência à lei daquele estado, na costa leste dos Estados Unidos, que permite a compra de armas a pessoas de 18 anos — por outro lado, a compra de álcool está vedada aos menores de 21.
“As leis do país falharam”, disse o jovem, que foi um entre vários a falar esta quarta-feira, não apenas para os responsáveis políticos da Florida, mas também do país.
Dizem que não estão a ser levados a sério por serem crianças, mas com discursos fortes, com perguntas incómodas para o poder, têm reunido apoio entre os estudantes de outras escolas, que se unem para protestar país fora.
Os legisladores de Tallahassee, o centro de decisão política da Florida, prometeram olhar para a legislação e pensar em aumentar a idade mínima para adquirir armas de assalto para os 21 anos. Isto apesar de o senado estadual ter decidido não aprovar uma medida de controlo das armas, esta quarta-feira.
Em vez disso, os legisladores da Florida decidiram declarar a pornografia como um risco para a saúde pública.
A proposta pedia que se banissem as armas de assalto e carregadores de grande capacidade — como a AR-15 alegadamente usada por Nikolas Cruz para matar 17 pessoas na semana passada.
A Constituição dos Estados Unidos protege o direito de os cidadãos norte-americanos ao porte de armas. Este direito é defendido com afinco pelos republicanos. E a discussão sobre se falta ou não mais controlo sobre a venda de armas volta sempre que há mais um incidente que as envolva, sejam tiroteios em escolas, igrejas ou discotecas, por exemplo.
A discussão divide-se entre o relativamente fácil acesso a armamento de guerra e problemas de saúde mental. Donald Trump reforça sobretudo este último fator, lamentando o encerramento de instituições de saúde mental, que ajudavam a controlar pessoas violentas.
O mesmo argumento é usado pela NRA. Uma porta-voz da associação, Dana Loesch, disse à multidão que se reuniu para o programa da CNN que o objetivo deste ‘lobby’ das armas é prevenir que as pessoas com problemas mentais tenham acesso a armas. E sublinha que as autoridades têm de fazer um melhor trabalho para responder a sinais de alarme.
“Não acredito que este monstro louco devesse alguma vez ter sido capaz de obter uma arma de fogo. Este indivíduo era maluco”, disse Loesch acerca do alegado autor do tiroteio em Parkland.
Por agora, quer Trump, quer a NRA, estão abertos à restrição do acesso a um dispositivo capaz de transformar espingardas em armas semi-automáticas, capazes de disparar com uma maior velocidade (mecanismo usado em Las Vegas no final do ano passado, por exemplo).
No já falado encontro com alunos, pais e professores da escola onde morreram 17 pessoas, Donald Trump disse que está a pensar nalgumas ideias. Algumas tentativas de solução. A dada altura no encontro, na Casa Branca, em Washington, surgiu a ideia de dar armas aos professores, para que consigam fazer frente a eventuais atiradores.
Donald Trump anuiu. É uma hipótese. “Chama-se posse oculta. Um professor teria uma arma oculta com ele, teria treino especial e estaria lá [na escola] e já não teríamos uma zona sem armas.” “Para um maníaco”, explica o presidente norte-americano, uma zona sem armas, “porque eles são todos cobardes”, faz os eventuais atacantes pensar: “vamos lá e vamos atacar. Porque as balas não virão na nossa direção”, ilustrou Trump.
Não é uma ideia inédita. Depois do ataque em Sandy Hook (2012), um grupo de trabalho do ‘lobby’ das armas propôs mais seguranças e professores armados nas escolas.
Ashley Kurth, uma professora republicana que protegeu mais de 60 alunos na sala de aula, questionou Rubio, senador da Florida no congresso norte-americano acerca desta proposta. Citada pela Reuters, Kurth pergunta se “é suposto ter treino extra para servir e proteger? É suposto ter um colete de Kevlar? É suposto prender [a arma] à perna ou tê-la na secretária?”
O senador republicano considerou que a ideia de armar um professor é errada.
A discussão prossegue. De ambos os lados há quem duvide da eficácia ou mesmo da veracidade dos jovens que ontem eram vítimas e hoje dão a cara pelo movimento. E da eficácia e sinceridade das promessas. Para já, os estudantes do ensino secundário nos Estados Unidos estão a preparar-se para uma marcha nacional em Washington DC, a capital do país. Para que a voz dos que sobreviveram vingue a dos que morreram. E para que mais nenhuma criança tenha medo de levar um tiro na escola.
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