Embora ninguém, nos corredores de São Bento, antecipe contabilidades de votos, já que os dois maiores partidos, socialistas e sociais-democratas, têm liberdade de voto, o que pode baralhar as contas, a verdade é que existe um bloco (PS, BE, PCP e PEV) que, em tese, tem votos suficientes (142) para "chumbar" a proposta.

Mesmo descontando eventuais votos diferentes na bancada do PS, que tem liberdade de voto, deputados contra o referendo ouvidos pela Lusa consideram que "há margem" para travar esta iniciativa popular de referendo, apoiada pela Igreja Católica, que recolheu cerca de 95 mil assinaturas, a favor do referendo.

Serão necessários 116 votos contra e, potencialmente, eles podem sair de um grupo de 142.

Mesmo que daqui se transfiram alguns votos para o "sim", podem ser compensados por outros, contra, vindos do PSD, segundo os mesmos deputados.

Do outro lado, à direita estará CDS (5) e o Chega (1). Entre os centristas há liberdade de voto, mas a direção do grupo disse à Lusa que todos os deputados concordam com o voto favorável ao "indispensável" referendo.

Entre os 79 deputados do PSD, que deu liberdade de voto, deverá haver uma grande parte a favor. Dentro da bancada do PS admite-se que alguns "desalinhados" votem a favor.

O deputado único da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, só anunciará o seu sentido de voto na quinta-feira, durante o debate, que terá uma grelha de tempos alargada, de 91 minutos, ou seja, uma hora e meia.

O projeto de deliberação a ser votado na sessão de sexta-feira, ao final da manhã, já inclui a pergunta que os peticionantes, da Federação Portuguesa pela Vida, tinha proposto: "Concorda que matar outra pessoa a seu pedido ou ajudá-la a suicidar-se deve continuar a ser punível pela lei penal em quaisquer circunstâncias?"

Se o referendo for "chumbado", prossegue e conclui-se o processo parlamentar da lei de despenalização da eutanásia, a partir de cinco projetos (Bloco, PS, PEV, Iniciativa Liberal e PAN) aprovados, na generalidade, em fevereiro.

Havia, recorde-se, um entendimento entre os partidos parlamentares de não terminar o processo legislativo enquanto não houvesse uma decisão da Assembleia da República.

O anteprojeto de resolução sobre o referendo à morte medicamente assistida foi aprovado em 30 de setembro na comissão de Assuntos Constitucionais e no próprio dia o presidente do parlamento, Ferro Rodrigues, anunciou que iria propor o seu agendamento.

Constitucionalmente, cabe à Assembleia da República votar e decidir a proposta de referendo, por iniciativa de deputados, grupos parlamentares, do Governo ou de grupos de cidadãos eleitores.

Esta proposta de referendo resulta de uma iniciativa popular, através de mais de 95 mil assinaturas, entregue em junho na Assembleia da República.

Se for aprovada, a proposta de referendo é enviada para o Presidente da República, que pedirá ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva da sua constitucionalidade. Se tiver "luz verde", é Marcelo Rebelo de Sousa quem toma a decisão.

A Assembleia da República tem em curso o debate da despenalização da morte medicamente assistida, que, para se tornar uma lei, necessita de ser votada na especialidade e votação final global e depois promulgada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

À direita, o CDS e o Chega são contra a lei e, à esquerda, o PCP também. No PSD há divisões e no PS também.

Os diplomas preveem, nomeadamente, que só possam pedir a morte medicamente assistida, através de um médico, pessoas maiores de 18 anos, sem problemas ou doenças mentais, em situação de sofrimento e com doença incurável.

Portugueses votaram três vezes em referendo, sobre aborto e regiões

O referendo, como o que o parlamento discute esta quinta-feira sobre a eutanásia, já foi usado em Portugal por três vezes, duas sobre a despenalização do aborto e uma sobre a regionalização.

Em nenhum dos casos, duas vezes em 1998, e outra em 2007, os referendos foram vinculativos, devido à fraca participação dos eleitores, mas a decisão maioritária foi respeitada.

A primeira vez que os portugueses foram chamados a decidir por referendo foi em 1998, era Jorge Sampaio Presidente da República, António Guterres primeiro-ministro e Marcelo Rebelo de Sousa, atual chefe de Estado, líder do PSD.

O deputado socialista Sérgio Sousa Pinto, então com 23 anos, líder da JS, colocou o tema na agenda e a lei passou no parlamento. Depois, seguiu-se o referendo, resultado de um acordo entre Guterres e Marcelo.

A pergunta colocada foi: “Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas 10 primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?”

Na resposta, 50,7% dos eleitores respondeu “não”, contra 48,28%, mas a abstenção foi elevada, 68,11%.

Apesar de não vinculativa, por não terem participado mais de metade dos eleitores inscritos, os resultados foram respeitados e só em 2007 a despenalização do aborto foi retomada e através da consulta popular.

Em 2006, o parlamento voltou a aprovar uma lei que seria submetida a referendo em que, uma vez mais, não votaram mais de metade dos eleitores e abstenção foi de 56,43%.

A pergunta foi idêntica à de 1998, mas os resultados os opostos: o “sim” foi maioritário, com 59,25%, e o “não” recolheu 40,75%.

A lei aprovada na Assembleia da República pôde avançar, quando José Sócrates, à frente do PS, era primeiro-ministro e Cavaco Silva Presidente da República.

Um outro referendo, este sobre a regionalização, aconteceu também em 1998 e tinha como pergunta: “Concorda com a instituição em concreto das regiões administrativas?”

Mais uma vez, a consulta não foi vinculativa, dado que a abstenção foi de 51,88%, mas os votos no “não” foram expressivos, 60,87%. O “sim” recolheu 34,97%.

Ao contrário da despenalização do aborto, a criação das regiões administrativas não voltou a ser objeto de referendado por falta de condições políticas, apesar de ainda figurar no programa eleitoral do PCP e ser defendida pelo PS, hoje no Governo.

Constitucionalmente, cabe à Assembleia da República votar e decidir a proposta de referendo, por iniciativa de deputados, grupos parlamentares, do Governo ou de grupos de cidadãos eleitores.

Se for aprovada, a proposta de referendo é enviada para o Presidente da República, que pedirá ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva da sua constitucionalidade. Se tiver "luz verde", é Marcelo Rebelo de Sousa quem toma a decisão.