O projeto, apresentado hoje pelos bloquistas numa conferência sobre a despenalização da morte assistida, em Lisboa, e a que a Lusa teve acesso, mantém a esmagadora maioria dos artigos do anteprojeto, anunciado há cerca de um ano.
Os bloquistas permitem as duas formas de morte assistida - a eutanásia e o suicídio assistido - e a condição essencial é que “o pedido de antecipação da morte deverá corresponder a uma vontade livre, séria e esclarecida de pessoa com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e em sofrimento duradouro e insuportável".
O diploma admite a morte assistida em estabelecimentos de saúde oficiais e em casa do doente, desde que cumpra todos os requisitos e garanta a objeção de consciência para médicos e enfermeiros.
Depois de um ciclo de debates pelo país, organizados pelo partido, o BE fez “algumas afinações”, nas palavras do deputado José Manuel Pureza, e uma delas é a emissão de parecer no prazo de 24 horas após ser enviado o processo à comissão já prevista no anteprojeto para fiscalizar a aplicação da lei.
Com esta mudança, a comissão, composta por juristas, profissionais de saúde e especialistas em ética ou bioética, dá um parecer prévio sobre se o pedido do doente cumpre todos os requisitos da lei, como estipula o artigo 19.º da lei.
O processo, pelo projeto do BE, prevê vários pareceres de médicos (pelo menos três, incluindo um especialista na área da doença e um psiquiatra) e o doente tem de confirmar várias vezes a sua vontade para pedir a antecipação da morte.
Outra das mudanças é relativa ao Testamento Vital. No anteprojeto, previa-se que o procedimento parasse caso o doente, depois de todas as autorizações, ficasse inconsciente.
“No caso de o doente ficar inconsciente antes da data marcada para a antecipação da morte, o procedimento é interrompido e não se realiza, salvo se o doente recuperar a consciência e mantiver a sua decisão, ou se estiver disposto em Declaração Antecipada de Vontade constante do respetivo Testamento Vital”, lê-se no artigo 7.º.
Imediatamente antes de lhe ser dados os “fármacos letais”, o “médico responsável deve confirmar se o doente mantém e reitera a vontade de antecipar a sua morte” (artigo 7.º).
“Para a verificação do cumprimento” do diploma legal, é sugerida uma Comissão de Avaliação dos Processos de Antecipação da Morte, composta por nove “personalidades de reconhecido mérito que garantam especial qualificação nas áreas de conhecimento mais diretamente relacionadas” com a lei: três juristas, três profissionais de saúde e três especialistas em ética ou bioética, sejam ou não profissionais de saúde ou juristas”.
O diploma determina ainda que o procedimento “pode ser livremente revogado a qualquer momento”.
O projeto propõe ainda alterações ao Código Penal, despenalizando o homicídio a pedido ou ainda o incitamento ou ajuda ao suicídio, desde que respeite o diploma sobre a morte assistida.
Após uma audiência, na sexta-feira, com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, José Manuel Pureza, acompanhado por João Semedo, médico, ex-coordenador do Bloco e outro dos impulsionadores da lei, afirmou que o Bloco apresentará dentro de dias o projeto no parlamento, pretendendo que o seu agendamento seja feito até ao fim da sessão legislativa, em julho.
João Semedo defende que “esta é a hora da decisão” sobre morte assistida
O antigo coordenador do BE e um dos promotores da iniciativa sobre despenalização da morte assistida, João Semedo, defendeu hoje que “esta é a hora da decisão” nesta matéria, e pediu uma discussão racional "sem medos".
“Sem prejuízo desta mesma discussão continuar e se desenvolver noutros moldes, este é o momento da decisão. É por essa razão que o BE convoca esta conferência e apresentará na Assembleia da República o seu projeto de lei para a despenalização da morte assistida. Discussão sim, mas discussão para decidir, esta é a hora da decisão”, afirmou João Semedo, na abertura de um colóquio organizado pelo BE sobre esta matéria.
Semedo recordou o processo que levou até este projeto-lei e que nasceu há cerca de dois anos, com um manifesto em defesa da despenalização da morte assistida, subscrita por cerca de cem figuras públicas, que depois deu origem a uma petição.
O antigo coordenador do BE pediu que, agora que a discussão vai centrar-se no parlamento, a sociedade não deixe de o debater, mas “sem medos”.
“Nós combateremos a tendência daqueles setores extremistas que pretendem substituir a razão pelo medo, o BE tudo fará para manter esta discussão no domínio da racionalidade e do bom senso”, assegurou, alertando contra algum “radicalismo conservador” que quererá envolver o debate em torno da morte assistida “numa nuvem de terror”.
João Semedo considerou que o Bloco “aprendeu muito” nestes últimos dois anos de debate e apontou algumas alterações entre o anteprojeto lei, apresentado há um ano, e o projeto que será entregue na Assembleia da República, hoje divulgado. “Essas alterações decorrem do que ouvimos durante o debate e procurámos ir ao encontro da exigência que sentimos por parte da sociedade, por parte dos cidadãos”, afirmou.
Essas exigências, explicou, prendem-se com uma maior clareza e rigor na definição das condições dos requisitos para que um doente possa requerer a antecipação da morte, um mais escrupuloso rigor no cumprimento da lei e, num terceiro ponto, “levar tão longe quanto possível o respeito pela vontade, pela autodeterminação do doente”.
“É um projeto democrático e humanista que não obriga ninguém, mas também não impede ninguém e que, a ser aprovado como nós esperamos, tornará a nossa democracia mais perfeita e reforçará a nossa base humanitária”, defendeu João Semedo.
Na plateia desde o arranque da conferência "Despenalizar a morte assistida: tolerância e livre decisão", que decorre em Lisboa, está a atual coordenadora do BE Catarina Martins, o antigo coordenador Francisco Louçã, o ex-dirigente Fernando Rosas e a deputada Mariana Mortágua, além do deputado José Manuel Pureza, outro dos promotores da iniciativa.
Francisco George alerta contra "abusos médicos" de prolongamento da vida
No primeiro painel da conferência “Despenalizar a morte assistida: tolerância e livre decisão" organizada pelo BE e na qual o partido apresentou o seu projeto-lei sobre o tema, Francisco George lembrou que subscreveu “sem hesitação” o início deste movimento há dois anos.
“Esta lei tem de ser aprovada no interesse público, porque no final da vida há abusos médicos muitas vezes, por pressão de administrações sobretudo no setor privado, onde se mantém a vida artificial, que não é aceitável nem no plano moral, nem no plano da ética, nem no plano médico, nem no plano económico”, defendeu o atual presidente da Cruz Vermelha.
Francisco George acrescentou ainda que os custos deste prolongamento da vida artificial da vida “são pagos pelos contribuintes”.
O anterior diretor-geral de Saúde disse estar de acordo com o conteúdo do projeto-lei apresentado pelo BE, mas considerou que pode conter um excesso de burocracia.
“Há ali uma carga de muito relatório, muita comissão, muita verificação que não sei se é boa”, apontou.
Os outros três participantes no painel que analisou as implicações biomédicas da morte assistida manifestaram-se igualmente favoráveis à despenalização.
Joaquim Machado Caetano, antigo coordenador nacional na luta contra a SIDA, justificou a sua posição pessoal, em primeiro lugar, pelo “acompanhamento do sofrimento” no final da vida de familiares próximos.
Também o deputado independente eleito nas listas do PS Alexandre Quintanilha manifestou a sua posição favorável à aprovação da lei, considerando que " a qualidade e dignidade da minha vida é mais importante que a quantidade".
"Suspeito que será assim para muitos cidadãos”, afirmou.
Na mesma linha, o médico psiquiatra Júlio Machado Vaz alinhou na defesa da despenalização e considerou “uma fantasia” colocar os cuidados paliativos como uma alternativa à morte assistida.
(Notícia corrigida às 15h26: Clarifica que o prazo de 24 horas referido na lei é para produzir o parecer)
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