É o mais novo dos cabeças-de-lista candidatos às eleições europeias. Nasceu em Santiago do Cacém, é vegano e pai de duas raparigas, uma com onze anos, outra com dois meses. E sonha com uma terceira, desta vez adotada, como ele próprio. Foi adotado aos três anos e mudou-se para Lisboa, onde viveu com a família até aos 12 anos. Depois foi para Coimbra, onde ficou até à idade adulta e se licenciou em Comunicação Social. Só tarde descobriu que tinha dois irmãos biológicos, um ainda a viver em Santiago, outra emigrada no Luxemburgo, onde existe uma grande comunidade de portugueses.

Francisco Guerreiro, 34 anos, recebeu o SAPO24 no Espaço PAN em Lisboa, na Avenida Almirante Reis, um dos seis locais que tem abertos ao público - e aos animais (irracionais) que, como diz na porta de entrada, também têm livre-trânsito para ali estar.

O PAN, que tem eleitores "tendencialmente do sexo feminino, 65% a 70%, numa faixa etária até aos 40 anos", ficou para sempre conhecido como o partido dos animais - até tentaram colá-lo a uma iniciativa para acabar com provérbios como "vozes de burro não chegam aos céus", mas Francisco Guerreiro diz que é muito mais do que isso, razão pela qual alterou o nome para Pessoas, Animais e Natureza, enfatizando a luta pela defesa dos direitos humanos, sobretudo das minorias.

As alterações climáticas e a proteção do ambiente são a sua grande batalha: só com um modelo de transição social e económica que reflicta um planeta saudável é possível ter desenvolvimento sustentável. E é esse modelo de transição que o PAN quer implementar o quanto antes.

Apesar de ter apenas um deputado na Assembleia da República, que não chega para ter um grupo parlamentar, o PAN é dos partidos com mais iniciativas legislativas: "Temos uma equipa parlamentar muito reduzida, pelo que nos é fisicamente impossível acompanhar todas as matérias discutidas, até porque não estamos em todas as comissões". Ainda assim, só este mês já levou ao parlamento nacional uma dúzia de medidas, desde um projeto-lei que regulamenta o fim que deve ser dado às beatas, a outro que promove a criação de condições para a prática da sesta das crianças do ensino pré-escolar. Uma das últimas, que fez correr tinta, foi um projeto de resolução para consagrar o direito de voto aos cidadãos a partir dos 16 anos: "Consideramos que é chegado o tempo de abrir um amplo debate sobre o alargamento do direito de sufrágio e de início da participação eleitoral ativa às pessoas maiores de 16 anos". A proposta foi rejeitada e o debate morreu ainda antes de ter nascido.

Todos os anos fazemos um balanço da sessão legislativa e temos sempre mais medidas aprovadas na área das pessoas

O PAN está muito conotado com a defesa dos direitos dos animais, sobretudo dos animais de companhia. Não é redutor?

A entrada da PAN para a Assembleia da República foi um salto muito grande e com impacto mediático, o que fez com que mais olhos estivessem centrados em nós. Isso foi positivo e fez com que tivéssemos de reforçar o nosso trabalho, sair da perspetiva que era até então a mais visível, e que tinha a ver com os direitos dos animais, do cão e do gato, para mostrar que o PAN não é só isso. Todos os anos fazemos um balanço da sessão legislativa e a verdade é que temos sempre mais medidas aprovadas na área das pessoas -educação, economia, direitos sociais e laborais. É verdade que o partido nasceu de uma corrente animalista, mas quando nos formalizámos percebemos que não conseguiríamos trabalhar se não tivéssemos também uma relação empática com os seres humanos e se não defendêssemos um plano económico e social que projetasse esse modelo de desenvolvimento a longo prazo.

Sabe de cor quantas iniciativas o PAN apresentou nesta legislatura?

Não sei o número exato, mas mais de 300. Temos sem dúvida o deputado que mais produz e isso deve-se também a uma vontade muito grande de mudança: percebemos que a janela temporal que temos para fazer algumas transformações é muito curta. E é isso que falta no debate político: há um entrincheiramento ideológico, cada um acha que só ele tem razão e não entende que é preciso chegar a compromissos, fazer cedências em alguns pontos para avançar em temáticas como o combate às alterações climáticas, por exemplo. Por isso, em vez de perdermos muito tempo em retórica, em acusações, o que fazemos é analisar profundamente todas as propostas, verificar se são benéficas e exequíveis no período em que as queremos implementar e, se possível, acrescentar-lhes valor.

Onde se situa o PAN no espetro político esquerda-direita?

Não nos enquadramos assim. Olhamos as propostas antes de olhar a quem as propõe. A esquerda tem uma capacidade legislativa maior e por isso temos tendência a votar mais à esquerda, falam de temas que nos dizem mais e que a direita talvez desconsidere um pouco. Mas temos a nossa agenda, fomos dos únicos a defender a criminalização dos maus tratos a idosos, que quase todo o parlamento chumbou, a pedir a colocação de câmaras de vigilância nos matadouros, que o parlamento rejeitou, ou a sugerir o reforço da criminalização de incendiários, que também foi rejeitada.

Os partidos e os números apontam sempre para as grandes empresas, os grandes problemas, mas muitas destas mudanças têm de ser feitas no nosso cérebro, é de certa forma uma revolução silenciosa

Há 24 partidos, 17 deles candidatos às eleições europeias. Como se destaca o PAN?

Temos reforçado o nosso trabalho para mostrar que é possível fazer uma política diferente. Muitas pessoas estão descontentes com a política nacional, com os partidos tradicionais, cujas visões estão muito entrincheiradas entre esquerda e direita. Temos tentado passar uma visão mais moderada, muitas vezes contrastando nas ideias, com um plano muito bem orquestrado, porque fazer uma transição urgente passa também por nos mudarmos a nós próprios. Os partidos e os números apontam sempre para as grandes empresas, os grandes problemas, mas muitas destas mudanças têm de ser feitas no nosso cérebro, é de certa forma uma revolução silenciosa, mas muito efectiva. E, em termos eleitorais, as pessoas também vão alterando a sua forma de estar, o seu voto.

créditos: Pedro Marques | MadreMedia

Qual a visão do PAN para a União Europeia e qual o papel de Portugal nesse conjunto?

Não existe até hoje uma política integrada, falta haver uma harmonização de todas as valências, o que tem levado algumas pessoas a colarem-se a extremos. Diria mesmo que temos assistido ao longo desta década a uma certa irresponsabilidade política na gestão das nossas finanças públicas, na gestão de uma sociedade que caminha para o colapso. As pessoas estão exasperadas, todos os dias são bombardeadas com uma série de notícias e sentem-se impelidas a barreirar-se em projectos que defendem causas de cariz acentuadamente antropocêntrico. Nós defendemos um modelo que olha para o ser humano com uma responsabilidade acrescida, não só a de gerir os seus destinos, mas também a de gerir os destinos de outras espécies, animais e vegetais. É inconcebível que se construa uma barragem ou uma auto-estrada sem olhar para ela do ponto de vista do ecossistema que já está estalecido. Só se pode fazer desenvolvimento quando se faz um desenvolvimento responsável.

o PIB não nos dá a percepção de todas as variáveis, nomeadamente a do bem-estar das populações

O PAN, como os partidos ecologistas em geral, é acusado de travar o desenvolvimento. Mito ou realidade?

Pelo contrário, os modelos de desenvolvimento actuais têm mostrado que a maneira como produzimos, distribuímos e consumimos tem destruído o tecido social, económico e ambiental. É preciso fazer análises qualitativas, além das análises quantitativas - o PIB não nos dá a percepção de todas as variáveis, nomeadamente a do bem-estar das populações, do crescimento ou decrescimento da biodiversidade, do impacto das alterações climáticas na saúde das pessoas, da qualidade do ar ou da poluição luminosa nas cidades e os seus efeitos.

quer se transformar a Base Aérea do Montijo em aeroporto comercial quando há opções mais viáveis e fiáveis, como a do Aeroporto de Beja

Desenvolvimento sustentável não é só uma expressão na moda?

Só por si desenvolvimento sustentável não significa nada. Mas quando vemos que se quer transformar a Base Aérea do Montijo em aeroporto comercial quando há opções mais viáveis e fiáveis, como a do Aeroporto de Beja, aproveitando uma estrutura que já está paga e apostando realmente no interior - só precisava de melhorar as estruturas ferroviárias e rodoviárias - percebemos isso. E o pior é que muitas vezes os estudos estão enviesados pelas medidas de contenção dos impactos que são idealizadas, mas que nunca se concretizam.

Podia até criar-se uma parcela para fazer um orçamento participativo comunitário, em que os cidadãos europeus pudessem decidir onde alocar determinada verba a nível nacional

Preferia centrar a discussão na Europa, embora algumas infra-estruturas sejam construídas com recurso a dinheiro comunitário.

Cerca de 20% do orçamento comunitário é direcionado para a indústria agro-pecuária e os impactos ambientais são sempre externalizados. Estes milhões podiam ser direcionados para o reforço da agricultura biológica, para fundos de coesão, para a educação. Podia até criar-se uma parcela para fazer um orçamento participativo comunitário, em que os cidadãos europeus pudessem decidir onde alocar determinada verba a nível nacional. Mas há outras questões de desenvolvimento: o PAN não conseguiu ainda combater a sobrepesca. Estamos a esgotar os stocks piscícolas, e a solução que apresentamos é reforçar o sector da aquacultura, que tem um dispêndio energético brutal e caríssimo. Também não existe uma estratégia europeia para a preservação dos solos. São tudo matérias pouco sexy, mas que têm uma enorme importância.

A PAC já representou 62% do orçamento comunitário. E hoje já compreende diversas medidas ambientais.

Sim, mas a perspectiva da preservação nunca é prioridade, é sempre olhada como um buffer [amortecedor], como a última parte de alguma coisa, quando devia ser o contrário. Quando olhamos para a saúde, prevenimos mais do que combatemos? É certo que precisamos de melhores condições para os médicos e enfermeiros, melhores infraestruturas públicas, mais sinergias entre público e privado, mas se a saúde pública não for olhada pelo modo como consumimos, como nos comportamos, não estamos a trabalhar num desenvolvimento sustentável. Somos dos países com maior índice de stress psicológico, temos das taxas de incidência de doenças mentais mais elevadas. Se não olharmos para a prevenção como algo estruturante da sociedade, por mais que invistamos o Serviço Nacional de Saúde não vai conseguir resolver estes problemas. Daí a importância de falar de outro modo de produzir alimentos, de debater seriamente os impactos na saúde.

Falou em soluções, como no caso das pescas, que muitas vezes são contraproducentes do ponto de vista ambiental e demasiado dispendiosas. Como é que isso se resolve?

Por isso é que os partidos têm medo de discutir determinados assuntos, as pescas é um deles. O relatório de Ulisses Pereira [relatório do grupo de trabalho de valorização do pescado], como outros, mostra a viabilidade dos stocks piscícolas para determinados países e prova que se travássemos hoje a captura de sardinha, por exemplo, conseguiríamos repor as reservas dentro de 15 anos. Mas as linhas que vamos defender lá fora, nomeadamente através da ministra do Mar, que é meramente uma extensão do ministro da Economia, são de aumentar a captura, com um ou outro período em que não se pesca, sem nunca ter em conta o cenário mais extremo que, tendencialmente, é o mais realista. Mais uma vez, olhamos para o ambientalismo como um travão ao desenvolvimento, quando é o contrário. Se tivermos políticas ambientais que projectem uma sociedade a longo prazo, conseguimos viver melhor.

Uma das medidas que gostaríamos de implementar ao nível do ambiente é a criação de um Ministério do Ambiente

Havia uma mensagem implícita no facto de a ministra do Mar ser uma extensão do ministro da Economia?

Uma das medidas que gostaríamos de implementar ao nível do ambiente é a criação de um Ministério do Ambiente, por isso estamos na família dos Verdes Europeus, o grupo parlamentar europeu mais ecologista, de longe, mas que não tem nenhum representante português. E queremos uma vice-presidência para as alterações climáticas, em vez de ter apenas um comissário [Ação Climática e Energia], como até agora, de forma a elevar uma temática tão fundamental para todos nós, portugueses e europeus. Este tema deve ser uma prioridade da União Europeia e deve estar relacionado não só com as finanças, como com a economia, com os fundos comunitários, com a preservação dos mares, da biodiversidade.

créditos: Pedro Marques | MadreMedia

O crescimento económico é a primeira preocupação dos cidadãos europeus, de acordo com o Eurobarómetro. Como é que o PAN pretende estimular o crescimento económico?

E, também segundo o Eurobarómetro, a maior preocupação dos jovens são as alterações climáticas e a proteção do ambiente. Sabemos que a participação dos jovens nas eleições é cada vez mais reduzida, mas eles estão interessados na política, não estão é interessados na partidarização. Acreditamos que podemos fazer a transição do modelo actual, baseado nos combustíveis fósseis, para uma economia descarbonizada.

Como?

Através da criação de uma espécie de Plano Juncker direcionado para a transição energética. Seria um plano para financiar os Estados-membros e as suas empresas a transitar das energias e indústrias baseadas em combustíveis fósseis para energias limpas. Esta transição será também catalizadora de emprego, emprego verde, emprego sustentável, emprego qualificado. Estamos a falar de milhares de empregos que podem ser gerados a longo prazo, o que vai colmatar dois grandes problemas: o receio válido das pessoas de perderem um emprego continuo dentro de uma economia em transformação e o fomento do emprego na economia digital, muito interligada com esta transição energética.

Uma das grandes propostas do PAN é a independência energética das pessoas

Pode dar um exemplo concreto do que está a propor?

Uma das grandes propostas do PAN é a independência energética das pessoas. O que vemos, quando se fala em independência energética, é sempre uma acoplagem do sector às grandes empresas. Não tendo nós nada contra grandes empresas, acreditamos que é muito mais positivo, por uma questão de sustentabilidade e de resiliência a choques externos, que podem acontecer a qualquer momento - sabemos que há uma grande tensão entre os EUA e o Irão, que poderá levar à subida dos preços do petróleo, e já vimos onde pode levar uma greve dos motoristas de transporte de matérias perigosas - fomentar a independência das pessoas e das comunidades. A independência energética das comunidade e das pessoas, através da produção e distribuição da sua própria energia, 100% limpa e renovável, seria um enorme avanço.

O que fazem ou faziam os seus pais?

O meu pai era economista, a minha mãe professora de Biologia, daí a minha paixão pela natureza e pela preservação dos ecossistemas. No fundo, é um estilo de vida e de relacionamento com os seres humanos.

Quem são os seus amigos?

A minha família e todos os que me rodeiam num círculo muito próximo. E os meus animais de companhia: tenho dois gatos, a Índia e o Abril, e uma coelha, a Baby.

Quem foi o pior primeiro-ministro de todos os tempos?

Sócrates, pela expectativa que gerou e pelo papel que teve na descredibilização da política nos anos seguintes, por ter levado o país a uma situação de pré-bancarrota.

Qual o seu maior medo?

Não conseguir proporcionar um futuro digno aos meus concidadãos, nomeadamente à minha família.

Qual o seu maior defeito?

Trabalhar demasiado [ri].

Quem é a pessoa que mais admira?

A minha mãe.

Qual a sua maior qualidade?

Ser divertido.

Qual a maior extravagância que já fez?

Não sou de extravagâncias. Mas possivelmente comprar livros que não consigo ler em tempo útil e que vou acumulando. E ser demasiado despreocupado e descontraído: compro tudo em segunda mão, e outro dia andava com umas calças rotas e tive de comprar um par à pressa.

Qual a pior profissão do mundo?

O trabalho infantil.

Se fosse um animal que animal seria?

Uma abelha - pela sua importância nos ecossistemas.

Qual a virtude mais sobrevalorizado?

A inteligência racional. Falta-nos muitas vezes a inteligência emotiva para sermos seres equilibrados.

Quem não merece uma segunda oportunidade?

Diria que, tendencialmente, todos merecemos uma segunda oportunidade. Pessoalmente tenho muita dificuldade em dar segundas oportunidades a quem comete crimes violentos.

Quem foi o melhor presidente de sempre?

Marcelo Rebelo de Sousa tem sido um bom presidente e desconstruiu a ideia da figura demasiado institucional.

Se pudesse mudar imediatamente uma coisa na União Europeia, o que seria?

As prioridades. Colocava o foco nas alterações climáticas. Teríamos uma sociedade muito mais sustentável de todos os pontos e vista, incluindo o económico.

Se fosse uma personagem de ficção, que personagem seria?

O Aquaman. Os oceanos estão a ser dizimados.

Que traço de perfil obrigatório tem de ter alguém para trabalhar consigo?

Tem de ser criativo.

Qual o seu filme de eleição?

“Meet Joe Black”.

O que o faz perder a cabeça?

Que deitem lixo para o chão, principalmente beatas.

O que o deixa feliz?

Juntar familiares e amigos.

Como é que gostaria de ser lembrado?

Como alguém que tentou acrescentar valor positivo à sociedade.

Já várias vezes falou na questão dos fundos e na forma como são utilizados. O orçamento comunitário, e o facto de não ser elástico, é uma das discussões que está a ser feita no Parlamento Europeu.

Temos de olhar para os fundos comunitários e redirecioná-los.

Como disse, o investimento feito na agricultura e na pecuária que tem impactos negativos na saúde pública e no ambiente seria melhor gasto se fosse subdividido e distribuído por outras áreas, nomeadamente para os fundos de coesão, para reforçar o orçamento da educação, para a tecnologia, para a mobilidade dos jovens, para problemas de emprego em todo o espaço europeu. Falamos da ocupação de 71% das terras aráveis na Europa... A haver uma transição para modelos mais sustentáveis de produção, nomeadamente através de uma estratégia europeia para a agricultura biológica, conseguimos colmatar os impactos negativos.

O governo nem sabe o impacto que os incêndios tiveram ao nível das alterações climáticas

Estamos demasiado focados nas cidades?

Assistimos a uma expansão cada vez maior dos núcleos urbanos, com a humanização do território, e esquecemo-nos que devem existir corredores ecológicos. Já temos a tecnologia, temos o conhecimento, só falta mesmo a vontade política. O que vemos no território nacional, por exemplo, é que é um pouco indiferente o dinheiro que se esbanja no combate aos incêndios florestais, porque continua a haver desordenamento do território, continuamos a apostar nas monoculturas intensivas, nomeadamente eucalipto e pinheiro. Ainda não há uma estratégia de interligação entre as reservas ecológicas naturais, os parques naturais, os corredores verdes, o aumento da biodiversidade e o investimento na floresta autóctone. Por mais dinheiro que invistamos, se não investirmos na prevenção será difícil ter resultados positivos. O governo nem sabe o impacto que os incêndios tiveram ao nível das alterações climáticas. Estive em Álvaro, concelho de Oleiros, na Beira Interior, na Páscoa, e o que vi foi uma raposa vir para o aldeamento à procura de comida porque estava tudo devastado. Passado todo este tempo ainda se vê habitações por reconstruir, segundas habitações, e pouca coisa feita em termos de reflorestação da área ardida. É desolador ver que mesmo acontecendo desgraças com custos imensos ao nível de vidas humanas, o que devia ter sido um catalizador da mudança, continuamos a fazer tudo igual.

E é ou não preciso criar novas fontes de receita para a União? Como?

Penso que podemos implementar alguns impostos transnacionais, nomeadamente sobre indústrias altamente poluentes. Pode haver aqui um acrescento positivo, mas tem de ser direcionado para a transição energética e para as políticas de coesão. Ou seja, falta ligar o dinheiro que se poderá receber em impostos europeus e fundos a áreas específicas. Também podemos criar taxas sobre transacções financeiras, que poderão acrescentar valor às políticas de emprego de transição, ou pensar em impostos ligados à automatização - como forma de compensar os empregos que se perdem -, mas depende sempre das áreas a que estas verbas forem afetadas.

Ou seja, muitas vezes não é o dinheiro disponível, mas sim onde ele é aplicado?

Temos de ser muito mais rigorosos na forma como gastamos o dinheiro: os Verdes Europeus foram sempre contra qualquer aumento das despesas do próprio Parlamento Europeu, para começar, e há uma série de mecanismos que poderiam ser criados para dar o exemplo de como não somos todos despesistas a nível europeu e podemos gerir melhor os nossos orçamentos. Por exemplo, temos reuniões em Estrasburgo, e toda a máquina é direcionada para lá durante uma semana, meramente por uma sensibilidade política pós-Segunda Guerra Mundial. Se acabássemos com isso, estaríamos não só a reduzir a pegada ecológica, como também a pegada financeira. Mesmo ao nível da pegada ecológica, é preciso olhar para a forma como as instituições europeias se articulam. De resto, cabe aos Estados-membros serem responsáveis pela gestão dos seus fundos, e o que vimos ao longo dos anos é que foram mal geridos ou mal direcionados.

deve haver uma distribuição de imigrantes por todos os países europeus

P de pessoas. Qual a política do PAN para os imigrantes?

Consideramos que deve haver uma distribuição de imigrantes por todos os países europeus. Portugal tem capacidade para acolher mais imigrantes e tem tido um papel muito positivo. E deve-se investir mais na integração desses imigrantes, até a nível cultural, e trabalhar muito mais com as autarquias, reforçar os programas de emprego, envolvendo os municípios no processo de inclusão.

O que responde aos que temem que os imigrantes lhes tirem os empregos?

Portugal tem também das comunidades que mais emigram. Temos de olhar esse tema sob o prisma dos direitos humanos. Por outro lado, ao criar condições para os de fora, estamos a criar condições para os de dentro também. Além disso, os factos demonstram que estas comunidades, passadas algumas décadas, quando os seus países estão mais estabilizados, regressam a casa. Uma das melhores maneiras de ajudarmos os países em dificuldades não é fazer o que fazíamos na década de noventa, que era financiar diretamente os governos, que distribuíam o dinheiro como lhes interessava, mas sim dar condições às pessoas para serem elas a fazer transferências directas para as suas famílias. Isso faz com que a sociedade e o tecido social e económico se regenere e é um modo mais positivo e direto de ajudar estas sociedades a médio e longo prazo. Volto a dizer: há aqui uma forte questão de gestão dos dinheiro públicos, que vai ligar com a governação dos últimos 40 anos e os contratos ruinosos na área da energia, dos bancos que continuamos a salvar, ficando apenas com os passivos, e que já nos custaram 14 mil milhões. Mas não investimos em responsabilidade acrescida e depois receamos que as mensagens mais populistas venham cativar simpatizantes.

Em que pasta gostariam de ter um comissário português?

Se pudesse escolher, seria a da Energia, mas gostaria que fosse ocupada por alguém ligado aos Verdes Europeus, como Ska Keller.