“Ainda não há dados concretos, mas estamos a observar na prática clínica uma repercussão a esta exposição, nomeadamente nas questões relacionadas com a ansiedade e é importante, dentro da nossa comunidade, amizades e seio familiar, estar atento ao impacto nas pessoas”, disse à Lusa João Bessa.

O especialista lembrou que estudos feitos durante os dois anos da pandemia, que trouxe igualmente um elevado grau de exposição a notícias negativas, sensação de risco e incerteza na população mostraram o efeito negativo na saúde mental.

“Estudo nacionais e internacionais mostraram um aumento prevalência de perturbações psiquiátricas, ansiedade e depressão”, disse o responsável, acrescentando: “o facto de se estar agora a reviver uma situação de risco, agora relacionada com um conflito como esta guerra, vem trazer novamente essa carga e isso preocupa-nos”.

Esta situação “preocupa-nos e é importante tomar medidas para ajudar a população e para ajudar uma previsível vaga de refugiados que já começaram a chegar ao país e que vão precisar também de respostas concretas no apoio a sua saúde mental”, disse.

João Bessa destacou a necessidade de medidas a três níveis: as estratégias de comunicação usadas pelas autoridades para informar a população sobre o que está a acontecer, a necessidade de recomendações - à semelhança do que aconteceu com a pandemia - das autoridades de saúde sobre o tempo que cada pessoa passa a ver noticias e a importância de as pessoas manterem as suas rotinas diárias os seus objetivos e os seus desejos.

Defendeu também ser essencial que as autoridades passem a perceção de que está a haver uma gestão de risco e de contextualizarem a comunicação à população.

“Devem alertar, mas não devem induzir a um receio relativamente ao que se está a passar. É preciso saber falar do risco no contexto e no momento certo para não induzir a imprevisibilidade sentida por todos, que é o mais difícil de gerir”, afirmou.

João Bessa considerou ainda que autoridades como a Direção-Geral da Saúde e as Administrações Regionais de Saúde “têm um papel importante na comunicação de algumas normas e recomendações”, dando o exemplo dos conselhos sobre como as pessoas se devem atualizar em termos informativos.

“O conflito não deve interferir com as rotinas diárias (…). Tal como aconteceu na pandemia, não se trata só da gravidade da informação que vimos, mas da frequência com que vimos”, afirmou.

O presidente eleito da SPPSM disse ainda que cada pessoa pode adotar estratégias de defesa como “não suspender as atividades, não abandonar rotinas, objetivos, carga laboral e até a vivência familiar em função do que se está a viver”.

As estratégias a adotar, segundo o responsável, passam também por uma “vigilância acrescida” em relação a estas questões e uma maior atenção ao outro.

“O que está a ser vivido pode induzir sofrimento psíquico que, se perdurar no tempo e trouxer disfuncionalidade à pessoa, deve haver referenciação para cuidados de saúde mental”, alertou ainda.

Sobre o impacto no outro, chamou a atenção, em particular, para o efeito nas crianças e para a importância da forma como se faz a gestão da informação

A este propósito, a Ordem dos Psicólogos publicou no início do mês um manual, dirigido a pais e cuidadores de crianças e jovens, sobre como explicar a guerra aos mais novos.

O especialista chamou ainda a atenção para a necessidade de organizar resposta na área da saúde mental para os refugiados que estão a chegar a Portugal e que incluem muitas crianças: “Este tipo de eventos tem um impacto muito significativo no desenvolvimento pessoal e no aumento da prevalência de perturbações psiquiátricas associadas à exposição precoce a situações traumáticas”.

“Esta vaga de refugiados tem necessidades específicas que devem ser acauteladas pelas equipas que os recebem”, disse o responsável, sublinhando a necessidade de respostas não só ao nível da habitação, alimentação e educação, mas também de cuidados relacionados com o impacto do conflito na saúde mental.

Sobre a onda de solidariedade que se gerou na sociedade civil, considerou que a participação neste tipo de iniciativas pode trazer um grau de satisfação pessoal, por se ajudar diretamente, sublinhando igualmente o facto de a pessoa sentir que é uma parte ativa na resolução do problema.

Ordem dos Psicólogos faz recomendações para cobertura mediática da guerra

A Ordem dos Psicólogos recomenda aos media que, nas notícias sobre a guerra na Ucrânia, evitem imagens chocantes, humanizem todos os envolvidos na guerra, dando-lhes rosto e voz, evitem a polarização e ajudem a travar a desinformação.

Num documento que reúne diversas recomendações para que as notícias não tenham um impacto negativo na população e que a transmissão de informação não fomente medo, ansiedade ou preocupação, a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) sublinha a importância do equilíbrio, evitando uma cobertura “excessiva, repetitiva e sensacionalista”.

“Por exemplo, as imagens têm impacto e, se têm impacto, é evidente que não se deve apostar em imagens chocantes porque isso não vai ajudar a diminuir o impacto negativo nas pessoas. Para informar não precisamos de chocar”, disse à Lusa o presidente do Conselho de Especialidade - Psicologia Clínica e da Saúde da OPP, Miguel Riçou.

O especialista destaca ainda a necessidade de se manter o equilíbrio, evitando perspectivas dicotómicas: “Não compete aos media falar de bons e maus, de fortes e fracos. Todas as perspectivas em que só há duas dimensões contribuem para a polarização e, sobretudo, o mundo não é a preto e branco, há muitos cinzentos no meio”.

No documento “Dar notícias sobre a guerra”, a OPP lembra que a forma como as notícias são construídas "pode impactar não apenas as vítimas diretas e as pessoas que se encontram no cenário de guerra, mas toda a população”.

O conjunto de recomendações, que pretendem ajudar “a que as notícias estimulem comportamentos pró-sociais e pró-saúde”, os psicólogos destacam igualmente a importância da linguagem, aconselhando a que seja clara, simples, factual e imparcial para “evitar gerar alarmismo, stresse e medo”.

A humanização é outra das vertentes sublinhadas pela OPP, que recomenda a dar “rosto e voz a todos os envolvidos na guerra, procurando humanizá-los”.

Focar os danos invisíveis e subtis da violência, a médio e a longo prazo, por exemplo, pobreza e exclusão, migração forçada, desemprego ou problemas de saúde psicológica é outro dos conselhos da Ordem.

Os psicólogos recomendam ainda aos media que “verifiquem cuidadosamente e junto das fontes competentes” informações sobre pessoas mortas, feridas, desaparecidas ou feitas prisioneiras, para garantir “não só a veracidade da informação, mas também tempo para que as famílias possam ser avisadas pelas autoridades competentes”.

Aconselha igualmente a combater o estigma e a discriminação, por exemplo, “verificando se referências culturais, religiosas, de idade ou de orientação sexual são, de facto, relevantes para a notícia em causa”.

Quanto ao uso de imagens e vídeos, apela a que seja verificada a sua autenticidade quando são recolhidos em zona de conflito, a indicar claramente as fontes e a “evitar a exibição e repetição de violência gráfica explícita, nomeadamente em horários nos quais é provável que possam existir crianças a assistir”.

No conjunto de recomendações para a cobertura mediática da guerra, a OPP pede ainda que os media valorizem “uma perspetiva orientada para a resolução não-violenta do conflito e para a construção da paz, tornando relevante aquilo que é comum e objetivos que possam ser partilhados”.

Nesta área, aconselha a incentivar a empatia, compaixão e comportamentos pró-sociais, focando a transmissão de informação sobre os apoios disponíveis, as diferentes formas de contribuir e instruções sobre como proceder em situações de risco.

Destacar depoimentos e iniciativas orientadas para a promoção da sensibilidade à diversidade cultural, por exemplo, “dando voz a protagonistas de ambos os lados do conflito que reclamam por uma solução pacífica” é outras das recomendações.