A história da fundação do JPP começa com uma expulsão, a de Filipe Sousa do PS Madeira, por divergências com a direção. Presidente da Junta de Freguesia de Gaula — pertencente ao município madeirense de Santa Cruz — entre 1997 e 2007, o autarca ajudou a fundar, em conjunto com o irmão, Élvio Sousa, um movimento de cidadãos chamado Juntos Pelo Povo.

A primeira experiência deste movimento cívico aconteceu em 2008 com o projeto ‘Pelo Povo de Gaula, nas eleições intercalares” daquela freguesia. Foi o primeiro ensaio para as eleições autárquicas do ano seguinte, quando o JPP foi oficialmente criado, a 4 de abril de 2009, “dia da Revolução da Madeira”, como lembraria Élvio Sousa à agência Lusa.

Em 2009, o JPP apontou a mira à câmara de Santa Cruz, sendo incapaz de bater o PSD, mas retirando-lhe a maioria absoluta — e conquistando a junta de Gaula, a mesma que Filipe Sousa tinha presidido. O crescimento do (ainda) movimento verificou-se no plebiscito seguinte a que concorreu, as autárquicas de 2013, onde não só conquistou Santa Cruz, como arrebanhou as cinco Juntas de Freguesia do concelho.

Após estes resultados e o apoio manifestado pela população, o JPP sentiu a necessidade de “dar continuidade ao projeto”, como disse Élvio Sousa, destacando também que para poderem concorrer em atos eleitorais no futuro teriam de entregar muitas mais assinaturas e “corriam o risco de perder a marca”.

Em causa está o facto da lei não permitir a candidatura de movimentos de cidadãos aos órgãos legislativos do país, nem sequer a existência de partidos exclusivamente regionais. O JPP apresentou uma proposta de alteração da lei eleitoral para garantir a participação dos movimentos de cidadãos, mas foi bloqueada. A solução, então, foi tornar-se um partido político.

A entrega das assinaturas ao Tribunal Constitucional fez-se sem grandes dificuldades e, no início de 2015, o JPP tornou-se o 21.º partido nacional, permitindo-lhe disputar eleições em todo o território.

Num artigo de opinião publicado no semanário SOL, Élvio Sousa gizou as linhas basilares desta força política. Dizendo-se herdeira “da participação directa e activa de mulheres e homens na vida política, e tendo como pressuposto que o poder político pertence ao povo”, o JPP “rege-se pelos princípios democráticos do liberalismo tradicional social” e afirma-se “defensor da democracia política”.

Tendo nascido como um movimento de cidadãos, o partido, escrevia Élvio Sousa, tem “uma matriz essencialmente social, basista, popular e plural” e que coloca “a participação dos cidadãos na resolução dos problemas quotidianos” no cerne da sua atuação. Como tal, apesar de ser encarado como um projeto de centro-esquerda, um dos seus fundadores defende que o JPP deixa para trás “a velha dicotomia 'esquerda/direita’”. “É nosso objectivo encetar um novo paradigma de intervenção – directa, humanista e com apego à agitação democrática”, concluiu.

Do crescimento à quase implosão

Com um novo enquadramento jurídico e estatutário, o JPP lançou-se então na sua primeira corrida às eleições regionais, a 29 de março de 2015. Contra as expectativas, o partido — que teve Élvio Sousa como cabeça de lista — conseguiu eleger cinco deputados na Assembleia Legislativa da Madeira, obtendo 10,34% da votação. Apesar de não conseguir colocar em causa a maioria absoluta do PSD (a 11.ª, à época), teve resultados próximos do CDS e de uma coligação encabeçada pelo PS, estabelecendo-se assim como um partido a ter em conta no panorama madeirense.

Desde então, o JPP tem tido duas faces: no plano regional, é um partido que nunca pode ser descurado; a nível nacional, os seus resultados têm ficado aquém das expectativas.

Começando pela vertente menos bem sucedida, o JPP já concorreu quatro vezes às legislativas, nunca conseguindo eleger pelo menos um deputado pelo círculo da Madeira. A maior valência do JPP neste domínio é também o seu maior problema: o facto de, como faz questão de frisar em todas as campanhas, ser um partido acima de tudo focado em “defender os interesses dos madeirenses e porto-santenses”. As eleições de 10 de março desde ano, contudo, resultaram no seu melhor resultado de sempre neste âmbito: 19.133 votos a nível nacional, 14.344 dos quais na Madeira, ficando à frente da IL e do BE neste círculo. 

Já a nível autárquico, o JPP fez de Santa Cruz o seu reduto imbatível, mas tem tido dificuldade para estender a sua influência pelo restante território madeirense. A Câmara é dirigida por Filipe Sousa desde 2013, não obstante as suas tentativas de ser eleito deputado na Assembleia da República e apesar do seu executivo ter sido alvo de uma investigação do Ministério Público e do Tribunal de Contas em 2019 devido a ajustes directos no valor de um milhão de euros feitos a uma sociedade de advogados de Lisboa. Além disso, o JPP mantém também algumas juntas de freguesia e representações nas assembleias municipais. 

O caso muda de figura, porém, quando se trata das eleições regionais. Depois de eleger cinco deputados na Assembleia Legislativa da Madeira, o JPP — sempre com Élvio Sousa como cabeça de lista — até sofreu um tombo em 2019, passando para três deputados. No entanto, em 2023 tratou de recuperar para o mesmo número de 2015, apesar do partido ter arriscado implodir durante essa corrida eleitoral.

Em causa está o facto de Filipe Sousa, presidente do JPP desde a sua fundação, ter manifestado ao secretariado do partido a intenção de demitir-se por discordar de surgir em quinto lugar na candidatura às Regionais da Madeira de 2023. Tendo a início concordado com essa posição, voltou atrás e apontou o dedo à comissão política do partido, liderada pelo irmão.

Aquilo que podia ter causado o fim desta força partidária — enredada numa “novela fratricida”, como escreveu a revista Sábado, trocando-se acusações em praça pública de “cobiça” e “pilhagens”  — acabou por não ter impacto nem na campanha, nem nos resultados eleitorais. Do arrufo resultou uma nova liderança do JPP, com Filipe Sousa a passar o testemunho a Lina Pereira — que já tinha sido a cabeça de lista nas legislativas de 2019 — no quinto congresso do partido, organizado no início deste ano.

2024, o ano da consagração?

Tudo pode mudar no espaço de meros meses, e se isso vale para o Governo da República — que passou de uma maioria absoluta para ceder a governação à AD — também vale para os governos regionais.

As eleições antecipadas deste passado fim de semana ocorreram oito meses após o mais recente sufrágio, depois de o Presidente da República ter dissolvido o parlamento madeirense, na sequência da crise política desencadeada em janeiro, quando o líder do Governo Regional, Miguel Albuquerque, foi constituído arguido num processo sobre alegada corrupção e pediu a demissão, deixando o executivo em gestão.

O JPP, que podia não ter sobrevivido à instabilidade que sofreu durante o verão de 2023, sarou as feridas e acabou com as zangas: na lista apresentada para estas eleições, os “manos” Élvio e Filipe Sousa concorreram no primeiro e no segundo lugar. Chegado a maio, passou de partido a manter debaixo de olho para um ator que pode potencialmente influenciar o futuro político da Madeira. Tendo conseguido disparar dos 14.933 para os 22.958 votos, a sua representação no Funchal subiu para nove deputados — foi, de resto, o único partido a crescer nestas eleições.

Tendo inclusive vencido pela primeira vez no concelho de Santa Cruz numas eleições legislativas regionais na Madeira, o JPP tem agora uma palavra a dizer quanto à formação de um executivo.

“Nós afirmámos hoje o JPP como a terceira força política regional, um partido regionalista, um partido do povo, dos agricultores, dos jovens, da classe média, o partido verdadeiramente da Madeira e do Porto Santo”, enalteceu Élvio Sousa este domingo.

“Nós apenas vamos falar de assuntos de entendimentos amanhã [segunda-feira]. Hoje o nosso objetivo, a nossa mensagem, é agradecer o apoio, o empenho, o estoicismo dos madeirenses de confiarem numa força autonómica como a nossa, uma força federalista das regiões”, reforçou.

O dirigente do JPP considerou que o partido é um “agente de estabilidade” e garantiu que a Madeira não ficará ingovernável por sua responsabilidade, sublinhando, no entanto, que ainda não viu “nenhum partido dizer que concordava com a agenda reformista” do Juntos pelo Povo.

Élvio Sousa referiu ainda que o JPP “foi dos partidos, se calhar o único”, que durante a campanha eleitoral “levantou questões essenciais que muitos outros não falaram”. “Não falaram porque ainda estão presos a muitos monopólios que não os deixam respirar e connosco isso não vai acontecer”, acrescentou.

O cabeça de lista do JPP foi questionado por diversas vezes sobre entendimentos, tendo apenas deixado a garantia de que “Miguel Albuquerque e o PSD estão fora da equação”. Já quanto ao PS, fica tudo em aberto. No entanto, os dois partidos não conseguem a maioria parlamentar, já que os socialistas mantiveram os seus 11 deputados.

Do lado do PS, Paulo Cafôfo admite que, apesar de a direita ter conseguido a maioria dos assentos (PSD, Chega, CDS e IL somam 26, a que se poderá juntar o do PAN), é possível, na sua leitura, “uma mudança de governo” na região. Ficando a quatro deputados da maioria absoluta do parlamento se chegar a acordo com o JPP, o líder regional socialista tem como objetivo “construir um novo governo com estabilidade” e vai “encetar contactos” com os partidos com representação parlamentar, excluindo dessas conversas PSD e Chega.