Dado o seu peso económico, cultural, político e até histórico, as eleições francesas são sempre um acontecimento a acompanhar. Este ano, porém, a parada esteve ainda mais alta.
Se a tentativa de uma recuperação económica a um só tempo na União Europeia devido aos estragos da pandemia não bastava, a invasão russa da Ucrânia abalou todo o continente europeu, tanto politicamente como quanto às implicações económicas que ainda a desenrolar-se.
Foi, por isso, com gigante antecipação que o Velho Continente encarou a segunda volta das eleições presidenciais francesas que decorreu hoje, antepondo Emmanuel Macron e Marine Le Pen:
- Macron, o centrista liberal à procura da reeleição e que tem sido uma das caras da Europa na tentativa de acabar com o conflito na Ucrânia — mas cuja política económica reúne cada vez menos consenso junto do eleitorado mais desprovido de recursos;
- Le Pen, a candidata de extrema-direita na sua terceira tentativa a tentar entrar no Eliseu e com um renovado ânimo dada a insatisfação da população francesa, apostando num programa menos identitário e mais preocupado com os apoios sociais — mas também a concorrente com ligações pouco claras ao Kremlin e cuja oposição à União Europeia ameaçava abalar a posição que se quer una face a Putin.
A grande incógnita era esta: será que Macron, tendo obtido apenas 27,6% dos votos na primeira volta, a 11 de abril, conseguiria convencer eleitorado a votar em si em vez de Le Pen, que teve 23,41%? É que tinha de conquistar aqueles que votaram no candidato da esquerda radical Jean-Luc Mélenchon — que teve 21,95% —, os que se abstiveram ou que espalharam o seu voto entre os outros candidatos.
A resposta que os resultados ainda provisórios nos dão hoje é “sim”, mas com muitas matizes. Macron pôde clamar vitória em frente à Torre Eiffel em Paris dado que terá recebido 58,2% dos votos perante os 41,8% de Le Pen, mas está longe de ter um segundo mandato descansado.
Como o próprio admitiu no seu discurso, há muita gente que votou em si não por convicção, mas para bloquear a ascensão de Le Pen. “Eu sei que muitos franceses votaram em mim para bloquear a extrema-direita", concedeu o presidente reeleito. "Mas também quero agradecer-lhes e dizer-lhes que o seu voto coloca-me sob uma obrigação", acrescentou.
Dirigindo-se também "àqueles que se abstiveram, aos que não se decidiram, aos que votaram por Marine Le Pen", Macron deixou a promessa de respeitar a sua decisão e trabalhar por eles também. "Já não sou o candidato de alguns, mas sim o presidente de todos", sublinhou.
Foi num discurso curto e conciliatório que prometeu não deixar ninguém para trás e olhar para o futuro. A Europa — pelo menos aquela de índole democrática — respirou de alívio, medido nas respostas de Ursula Von der Leyen, Charles Michel, Pedro Sánchez ou Olaf Schulz.
Por cá, tanto António Costa como Marcelo Rebelo de Sousa deixaram também felicitações a Macron. Se o primeiro disse que o povo francês demonstrou uma vez mais o seu compromisso com o projeto europeu”, o segundo caracterizou o seu triunfo como “uma vitória do reforço da relação entre a União Europeia e os demais aliados do outro lado do Atlântico” e “contra a xenofobia, contra as discriminações de toda a natureza".
No entanto, se Macron teve uma vitória agridoce, Le Pen teve uma derrota quase que sumarenta. Isto porque os 58,2% do centrista podem parecer uma vantagem significativa sobre os 41,8% da candidata extremista, mas em 2017 essa diferença foi de 66,1% para 33,9%.
“Com mais de 43% dos votos, o resultado desta noite representa uma vitória esmagadora. Milhões de compatriotas escolheram a Reunião Nacional, o campo nacional e da mudança” disse Le Pen aos seus apoiantes no discurso em que concedeu a derrota. "Estamos mais determinados do que nunca. Não tenho ressentimentos nem rancores. Não vamos esquecer a França que foi esquecida. Estas ideias que representamos representam novos patamares. Nesta derrota, não posso deixar de sentir esperança", sublinhou.
O próximo embate está aí à porta, e representa novo teste de fogo para Macron: as legislativas francesas acontecem a 12 e 19 de junho e tanto Le Pen como Mélenchon já estão a preparar as suas hostes com renovada energia para se opôr a Macron. "Daqui a algumas semanas, vão acontecer as eleições legislativas. Isto ainda não acabou. Declaramos aberta a batalha pelo parlamento", assegurou Le Pen. Macron é "o presidente mais mal eleito" desde o início da Quinta República em 1958, observou Mélenchon.
Em França, o reboliço não deverá cessar tão cedo, mas a sua reeleição significa que, pelo menos, podemos ir para a cama descansados.
Comentários