“Os professores, diria assim, foram os únicos que tiraram o Governo do sério. Às vezes as pessoas podem não se aperceber disso”, disse à Lusa o secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), Mário Nogueira.
Em entrevista à Lusa, o secretário-geral da Fenprof, que se prepara para ser eleito pela última vez para o cargo, antecipa o congresso de sexta-feira e sábado, onde os professores, reunidos em Lisboa, vão fazer uma avaliação da legislatura e definir os próximos passos de uma luta que ainda não deram por perdida: a contagem integral dos nove anos, quatro meses e dois dias de tempo de serviço congelado.
Mário Nogueira disse que só os professores levaram o Governo a colocar a hipótese de demissão, “um Governo que não se demitiu com desgraças que aconteceram ao longo de quatro anos”, mas que admitiu fazê-lo se o tempo de serviço dos docentes fosse todo contado.
O líder sindical apontou pressões do lado do Governo, mas também “os recados” da Comissão Europeia e do Fundo Monetário Internacional (FMI) ao longo do processo negocial do tempo de serviço para afirmar que “o adversário é fortíssimo”.
“Não é isso que nos leva a desanimar, pelo contrário, tem é que nos dar mais força. Se o adversário é fortíssimo, vamos lá tomar vitaminas”, disse.
Mário Nogueira entende que o Ministério da Educação é, neste momento, “uma inexistência”, a relação institucional “é praticamente nula” e o ministro da tutela, Tiago Brandão Rodrigues, “foi essencialmente um representante das Finanças na Educação”.
Já em relação ao executivo, o secretário-geral da Fenprof entende que a legislatura serviu para “isolar o Governo” na questão do tempo de serviço, uma vez que todos os partidos se mostraram favoráveis à contagem integral – ainda que depois o parlamento tenha negado esse objetivo – e será já neste congresso que os professores começam a definir a continuidade da luta, que, tendo em conta as últimas sondagens, pode vir a ter os mesmos interlocutores e uma correção de forças diferente no parlamento, com o PS mais próximo da maioria absoluta.
“As sondagens são sondagens. Vamos ver. Acho que vai ficar muito longe da maioria absoluta”, disse Mário Nogueira, que questionado se uma maioria absoluta do PS seria o pior que podia acontecer aos professores respondeu que “seria sempre mau uma maioria absoluta fosse de quem fosse, do PS ou do PSD”.
O líder da Fenprof entende que depois de o PS ter colocado as últimas eleições europeias como um momento de avaliação ao Governo os socialistas não têm muito para celebrar.
“Não sei se o PS teve assim uma vitória, porque para um partido que anseia ter maioria absoluta e acaba com 33%, convenhamos que está um bocadinho longe do seu objetivo”, disse.
Mário Nogueira acha que o PS perdeu os professores, mas admite que tenha ganho votos junto da opinião pública “que achou muito bem o que fez” em relação à contagem do tempo de serviço e que motivou uma ameaça de demissão do executivo.
Já em relação à direita, acha que PSD e CDS-PP perderam a opinião pública ao apoiar as reivindicações dos professores num primeiro momento, e perderam depois os professores ao recuarem e que foi essa “grande derrota da direita” que deu aos socialistas a vitória que deixou longe o segundo partido mais votado, mas que ficou também longe da maioria absoluta.
As eleições contaram com um protesto ‘sui generis’ dos professores nas urnas, segundo Mário Nogueira, que se mostrou surpreendido, desde logo por não ter havido campanha ou apelos nesse sentido e porque entende que não é essa “a solução”.
“Surpreendentemente, viemos a saber que nas recentes eleições para o Parlamento Europeu em todo o país há milhares de votos anulados com “nove, quatro, dois”. Em todas as mesas de voto, quase, isso foi assinalado. Há secções de voto onde houve centenas de votos e não houve nenhuma campanha a dizer “façam assim ou façam de outra forma”, porque, enfim, a anulação de um voto, isso, em nossa opinião, nunca é uma coisa boa, Mas mostra bem a indignação e a revolta de muitos colegas que já vai a ponto de se deslocarem até a mesa para assinalar isso, “nove, quatro, dois”, como quem diz, ‘eu exijo’”, contou.
Em jeito de alerta para as eleições, lembrou que o PS “já perdeu uma maioria absoluta em tempos idos, em 2009, segundo se diz também pelo confronto que fez com os professores”, e garantiu que os professores vão estar na campanha, que “será um momento” para exigir compromissos aos partidos, mas evitando colocar-lhes questões “muito redondas, que depois as respostas não servem para coisa nenhuma”.
“Iremos colocar questões muito concretas sobre medidas muito concretas que devem ser tomadas. Iremos divulgar aos professores as respostas que esperamos que sejam claras e inequívocas e objetivas”, disse, reforçando ainda que continua na agenda uma grande manifestação nacional de professores a 05 de outubro, véspera de legislativas e dia Mundial do Professor.
Tempo de serviço dos professores não compromete confiança no PCP
A votação no parlamento sobre o tempo de serviço dos professores não coloca um problema de confiança na relação com o PCP, garantiu Mário Nogueira, que entende a decisão que “terá tido em conta outros aspetos políticos mais gerais”.
A votação final das alterações ao diploma da contagem do tempo de serviço dos professores, que a 10 de maio confirmou a reviravolta num processo que dias antes parecia ganho pelos docentes, foi também um momento pouco habitual na cena política nacional, em que o PCP votou contra as pretensões dos sindicatos, nomeadamente de uma das maiores federações – a Federação Nacional dos Professores (Fenprof) - da central sindical – a CGTP – associada aos comunistas.
Depois de um apelo direto para uma viabilização da proposta da direita, que recuperava normas relativas a sustentabilidade orçamental - que tinham caído, dias antes, na votação na especialidade do texto final – mas que garantia o objetivo principal dos professores – a contagem integral dos nove anos, quatro meses e dois dias – o PCP votou contra, com a justificação de que as normas avocadas por PSD e CDS-PP, para além de obedecerem a ditames de Bruxelas que os comunistas se recusam a aceitar, traziam acopladas uma revisão do estatuto da carreira docente, também inaceitável.
“Não, não há um problema de confiança e noutros momentos também tenho tido posições que são as minhas, são a minha opinião, não é?”, disse em entrevista à Lusa, o secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira, que se recusa a centrar a questão no PCP, partido do qual é militante base, dizendo que também o Bloco de Esquerda (BE) e os Verdes votaram da mesma maneira.
O líder da Fenprof disse que a federação “não é uma organização de professores que militam no partido A ou B” e que, contas feitas, entre os dirigentes até haverá mais militantes do partido do Governo (PS) do que do PCP, pelo que “não é essa a questão”.
“O nosso apelo foi o apelo de quem representa um grupo profissional. Esperávamos que pudesse ser ouvido. A decisão dos partidos à esquerda do PS foi, naturalmente, uma decisão que terá tido em conta esse grupo, mas que provavelmente terá tido em conta outros aspetos políticos mais gerais, uma vez que não são apenas de um grupo”, disse.
Sobre eventuais divisões no PCP em relação ao tempo de serviço dos professores e as declarações do antigo secretário-geral do PCP, Carlos Carvalhas, durante um fórum na rádio TSF, no qual disse que o apelo de Mário Nogueira aos partidos à esquerda resultava de desespero face à reviravolta, o líder da Fenprof recusou quaisquer desentendimentos.
E disse que no próprio dia das declarações recebeu um telefonema a afirmar que a intenção da afirmação era exatamente a contrária da interpretação que circulou, ressalvando que se trata de alguém que “tem estado sempre solidário com a luta dos professores”.
Os próximos três anos serão os últimos de Mário Nogueira à frente da Fenprof
Os próximos três anos serão os últimos de Mário Nogueira à frente da Fenprof, garantiu o secretário-geral que este fim-de-semana será reeleito em congresso para o cargo que, garantiu à Lusa, não será um trampolim para outros voos.
A Federação Nacional dos Professores (Fenprof) reúne-se na sexta-feira e no sábado em congresso, em Lisboa, com um único candidato à liderança, o atual secretário-geral, Mário Nogueira, que, em entrevista à Lusa, garantiu que o mandato de três anos para o qual será eleito será o último.
“Sim, acho que sim, acho que não vão ser outros [três anos], vão ser estes. Penso que, e agora digo-o sem outro tipo de subterfúgio, na tentando fugir da resposta, claramente vai ser essa a decisão. Teria sido meu o último mandato. Na minha avaliação, teria espaço para mais um e este será o último mandato enquanto secretário-geral da Fenprof”, disse.
A decisão de se recandidatar chegou a agradecê-la ao PS e ao primeiro-ministro, António Costa, quando no início de maio o parlamento confirmou a reviravolta na contagem do tempo de serviço dos professores, que chegou a estar dada como garantida na totalidade – os nove anos, quatro meses e dois dias – depois de a comissão parlamentar de educação ter votado um texto final para aprovação em plenário que assegurava esse objetivo dos docentes.
O dia da votação final reconhece que “foi duro”, para si e para os professores, mas que não foi “uma desilusão”, porque os professores já sabiam o que iria acontecer, depois “da cambalhota” do PSD e do CDS-PP, que insistiram em recuperar normas relativas a sustentabilidade financeira que a esquerda se recusava a aprovar e que tinham deixado cair em sede de especialidade.
Mário Nogueira recusa falar em vitórias ou derrotas sobre este desfecho, e prefere sublinhar que o volte-face deixou os professores “a meio de um processo”, uma vez que garantem que não vão desistir de lutar pela recuperação integral do tempo de serviço.
Esse meio caminho que falta percorrer pesou na decisão de se recandidatar, assim como o apoio declarado das direções dos sindicatos que integram a federação, e garantiu à Lusa que a Fenprof não será “trampolim para coisas acima”.
“Não quero ser dirigente de nenhum partido, não quero ser dirigente de uma central sindical”, disse.
A decisão, garantiu Mário Nogueira, é a depois de terminado o mandato, regressar à sua escola, sem margem para discussão ou reconsiderações.
“Completamente, isso nem tem discussão, está completamente posto de parte [assumir outros cargos sindicais ou políticos]. Eu, saindo daqui o meu espaço será o da minha escola e mais nada, portanto, não tem sequer cabimento ou não tem sequer espaço para reflexão minha em relação a isso. Portanto, estou aqui como professor, […] a única coisa que é minha profissão é ser professor e é assim que sou sindicalista e dirigente sindical do setor. Depois, quando acabar, o meu mandato é a minha escola, que é ali em frente à minha casa, em Coimbra”, disse.
Voltar à escola não significará necessariamente voltar a dar aulas, pelo menos de início, reconhecendo que depois de anos afastado do ensino vai precisar de um período de adaptação.
“Mas isso é uma coisa que é absolutamente normal. Com uma certeza: é que, ao contrário do que acontece com alguns políticos, nomeadamente deputados, nós não vamos pedir nenhum subsídio de reinserção. Vamos mesmo para o local de trabalho voltar a trabalhar”, disse.
Desde o 25 de Abril que os professores lutam pela carreira
A luta dos professores portugueses por melhores salários e pelo reconhecimento da sua carreira tem tantos anos como a democracia em Portugal, mas assumiu maior evidência em finais da década de 80.
Antes do golpe militar que derrubou a ditadura em 25 de Abril de 1974 a profissão era desvalorizada e até 1970 cerca de 80 % dos professores das escolas preparatórias e secundárias tinham contratos provisórios, ou nem os tinham, eram pagos durante apenas dez meses do ano, não tinham vencimento durante o período de férias, nem direito à segurança social, a pensões ou à progressão na carreira.
A reivindicação imediata dos professores, no início do período revolucionário, foi o pagamento de férias, segundo um estudo sobre a revolução de 1974 e o sindicalismo dos professores em Portugal publicado em 1985, de Stephen R. Stoer, então docente do Instituto de Ciências do Trabalho e da Empresa.
Em outubro de 1974 foram iniciadas as negociações com o III Governo provisório e a proposta dos professores foi aceite pelo IV Governo Provisório, concretizando-se então o maior aumento de salários dos professores, em especial os do ensino primário.
Em 1983, no primeiro congresso constituinte da Federação Nacional dos Professores é afirmado que um estatuto da carreira era uma questão central da luta dos professores, tendo os congressistas aprovado a exigência de uma carreira única, de uma formação de nível superior, de estabilidade e valorização profissionais e de uma gestão democrática das escolas.
Neste primeiro congresso foi ainda defendida a existência de uma grelha salarial própria ou a criação de incentivos à fixação em zonas desfavorecidas.
Segundo um texto da Fenprof preparado para o 13.º Congresso Nacional dos Professores, o processo negocial sobre estas matérias foi considerado por muitos como “o mais difícil e complexo da história do movimento sindical docente” e decorreu de 1984 a 1989.
Até essa data foram realizadas várias greves, manifestações, concentrações, vigílias, palestras, plenários, encontros, debates e abaixo-assinados.
O Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário viria a ser aprovado em decreto-lei a 28 de abril de 1990 e inicia-se a sua regulamentação num processo igualmente de luta.
Tal como nos dias de hoje em que os professores travaram uma dura luta pela contagem do tempo de serviço, na década de 90, durante um Governo liderado por Cavaco Silva, uma das palavras de ordem dos docentes era “O tempo de serviço não se negoceia: conta-se”.
No final do XII Governo Constitucional – o terceiro consecutivo de Cavaco Silva (PSD) -, o líder socialista António Guterres comprometeu-se durante a campanha eleitoral a acabar com a prova de candidatura instituída pelo Governo, o que veio a acontecer.
Segundo a Fenprof, pela importância de que se revestiu e pelo simbolismo que ocupa na luta dos professores, a questão da candidatura ficará para a história do sindicalismo docente.
Na década de 2000 a 2010 a luta dos professores voltou a ter um novo marco em torno do seu estatuto. O Governo de maioria absoluta do socialista José Sócrates avançou com o congelamento das carreiras dos trabalhadores da Administração Pública e com a revisão do Estatuto da Carreira, tendo estes profissionais iniciado um período de protesto que comparam ao de 1989.
Revoltados com o modelo de avaliação de desempenho que consideravam injusto e, indignados com a ministra da tutela (Maria de Lurdes Rodrigues), saíram à rua em 2008 e realizaram duas manifestações consideradas as maiores de sempre com 100 mil pessoas a 08 de março e 120 mil a 08 de novembro.
De 2011 a 2015, com o governo do social-democrata Pedro Passos Coelho, as medidas tomadas de criação de mega-agrupamentos, encerramento e fusão de escolas e aumento do número de alunos por turma, levaram novamente os docentes para a luta com greves às reuniões de avaliação.
Atualmente, a luta prende-se com a recuperação de todo o tempo de serviço congelado. Os professores querem nove anos, quatro meses e dois dias, mas até ao momento só conseguiram um terço: dois anos, quatro meses e 18 dias.
Para o Congresso Nacional dos Professores a Fenprof elege como tema central a dignificação da carreira docente, considerando a estrutura que "neste tempo conturbado para a profissão" vale a pena sublinhar que ao lutarem por uma carreira dignificada e por melhores condições de exercício da profissão os professores estão a defender os seus direitos profissionais, mas também uma educação de qualidade para todos.
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