“Eu vim de Kiev, agora eu sou daqui, desta terra. Desta terra que recebeu o meu marido e o meu filho. Estou só no mundo e aqui vou ter paz”, diz à Agência Lusa, em Mala Racha, na região de Jitomir, no norte da Ucrânia.
Vestida de negro, sentada numa cadeira de um café de aldeia que agora é a sua casa, Tatiana, 52 anos, fala russo e chora várias vezes enquanto descreve os últimos dias da sua vida, em que foi apanhada entre fogos e perdeu a sua família.
“Só tinha um filho. A minha vida acabou. Não tenho mais nada”, desabafa, instantes antes de se deslocar ao cemitério onde vai mais uma vez chorar a sua morte, junto a duas campas de terra, adornadas com flores frescas com as cores da bandeira da Ucrânia.
Um dia depois do início da invasão russa, a 25 de fevereiro, “ouvimos tiros e disparos não muito longe da nossa casa em Kiev”. Nesse dia, “caiu muito perto de nós um ‘rocket'” e “decidimos sair de casa, para a nossa casa de campo (‘dacha’) no distrito de Borodyanka”, no nordeste da capital da Ucrânia.
“Não podíamos ficar na cidade, estávamos mais seguros no campo”, explica. Mas semanas depois, “os russos vieram da Bielorrússia, com tiros, barulho e explosões” e “já víamos combates nas ruas”.
Por isso, no último sábado, 19 de março, “decidimos fugir da zona”. Os “russos começaram a sobrevoar a nossa aldeia e não podíamos continuar lá”.
“Fizemos uma coluna de cinco carros. O nosso era o primeiro”, mas “encontrámos uma posição militar russa e ficámos entre as tropas dos dois lados”, explica, numa descrição emocionada.
“Os militares estavam em todo o lado. Eles [os russos] dispararam tiros e o meu marido foi atingido com o pé no acelerador”, o “carro começou a andar depressa, bateu numa árvore e eu só consegui fugir porque o vidro do meu lado estava partido e consegui saltar”, recorda Tatiana.
Então, os militares ucranianos aperceberam-se que existiam civis presos no fogo cruzado e “só ouvi os ‘javelin’ (armas antitanque de origem americana) a dispararem, conseguiram empurrar os russos um bocado e depois disseram para fugirem para o nosso lado”.
“O meu filho estava no banco de trás e não conseguiu sair porque ficou preso. Só eu consegui escapar”. Mas “escapar para quê? Para apenas os enterrar”, acrescenta.
Foi transportada, com as 13 pessoas que sobreviveram ao ataque para um centro em Teteriv. “Fomos mandados para um abrigo e sei que os nossos militares, depois, conseguiram empurrar os russos até retirarem os corpos”.
Identificou-os no Hospital de Radoryshl: dois homens de 24 e 52 anos. Ainda a usar o casaco que levava no sábado e que ficou rasgado no acidente, Tatiana diz que agora tem apenas o resultado das autópsias, nem sequer tem os seus documentos de identificação.
A 25 de fevereiro, “eu deixei Kiev com o meu filho e o meu marido e vou regressar a Kiev com as suas certidões de óbito”, diz.
Na aldeia de Mala Racha, encontrou um sítio para dormir e novos amigos, “uma nova família”.
“Pagaram tudo. Pagaram o enterro tradicional, as flores. Tudo, mas mesmo tudo. Agora eles são a minha família”, explica, olhando para Ludmila, a dona do café, que se transformou num pequeno centro de acolhimento improvisado para o grupo de refugiados.
“Nós não quisemos esta guerra, mas não somos um país, somos uma colmeia. Somos como abelhas. Todos nos ajudamos, ninguém fica sozinho”, justifica Ludmila, que acompanhou Tatiana em mais uma ida ao cemitério.
Tatiana concorda e explica em russo o motivo por que pormenoriza esta história pessoa vívida e recente a um jornalista estrangeiro: “Nós, ucranianos, somos este tipo de pessoas que os russos nunca vão quebrar”.
Comentários