Alves, Leite, Ferreira, Santos ou Barbosa são apelidos comuns entre os moradores do Latão, bairro popular da zona de Meira, no concelho espanhol de Moanha. Durante as primeiras décadas do século passado, estes nomes terão chegado desde o Sul, na bagagem de muitos portugueses que buscaram nas pedreiras galegas o sustento para vidas menos duras. Não que o ofício e as condições de vida que os esperavam fossem para gente mole.

A oportunidade de trabalho surgiu do vazio deixado por outros emigrantes. Ao mesmo tempo que de Vigo partiam portugueses para o Brasil, muitos galegos das zonas rurais, seus companheiros na escassez e no fado, rumavam à Argentina ou a Cuba (foi o caso do pai de Fidel Castro, camponês de Láncara). Paradoxalmente, o porto de onde todos abalavam ia-se tornando a âncora do comércio e da indústria viguesa. A expansão da sua atividade exigia a criação de um molhe robusto e o material necessário para a obra viria de Moanha, no outro lado da ria.

Vista aérea de Moanha

A partir de 1908, diferentes empresas decidiram explorar as pedreiras do concelho, só que também de ali muitos haviam fugido. A debandada abriu então caminho a trabalhadores do Norte de Portugal, a maioria de Esposende, segundo o jornal Voz de Galícia, mas também de Guimarães ou Viana do Castelo. Alguns homens chegaram sozinhos e, mais tarde, casaram e tiveram filhos com galegas. Outros vieram em família, pois o setor empregava todos: elas transportavam o material que eles picavam e moldavam.

“A estimativa é difícil, mas pelo que temos ouvido das pessoas mais velhas seriam cerca de uma dúzia de famílias”, conta Daniel Costas, de 41 anos, ativista social, poeta e vereador de Igualdade e Juventude do município. A sua avó, que já nasceu na Galiza, era a filha mais nova de uma família originária de São Bartolomeu do Mar, em Esposende.

De acordo com Óscar Rodríguez Martínez, sócio de uma empresa turística moanhesa, os imigrantes foram-se instalando nas imediações das pedreiras, em barracas que construíam com restos da rocha extraída e chapas de barcos encontrados nos canteiros navais. As casas multiplicavam-se à medida que iam chegando mais compatriotas e acabariam por formar um autêntico “bairro de lata”, que foi sendo melhorado ao longo dos tempos. O espaço é, ainda hoje, conhecido popularmente como “Portugal”.

“Chamam-nos portugueses aos que somos do Latão”, diz Daniel. A designação oficial do bairro, explica também ele, veio do material ali acumulado pela atividade das empresas conserveiras e dos estaleiros locais. Mas uma participante num dos trilhos organizados por Óscar, estudiosa da toponímia de Moanha, apontou outras possibilidades: em latim “latón” também significa “parcelas compridas e estreitas” (características daquele bairro) e na gíria local a palavra pode também designar “vinhedo” (o que deixa dúvidas sobre o passado do terreno).

As celebrações de Abril e a bandeira hasteada

Nomes à parte, a marca destes imigrantes preserva-se na comunidade, onde residem ainda muitos dos seus descendentes. Por isso, depois de organizar algumas palestras sobre a Revolução dos Cravos, em 2021 a autarquia de Moanha decidiu começar a comemorar o 25 de Abril. Criou um programa “destinado às famílias de origem portuguesa”, que incluía um concerto de música de intervenção no Latão, uma exposição na câmara municipal, a exibição do documentário A hora da liberdade e ainda um encontro com o economista e capitão de Abril José Vieira, que há uns anos reside na região.

Fotografia cedida pelo Município de Moanha

Este ano as celebrações repetem-se. No passado dia 20, foi projetado na sede municipal o filme Galegos em Lisboa: a história jamais contada, do investigador Xan Leira, responsável pela Cátedra UNESCO de emigração da Universidade de Santiago. E a 29 de abril será feita uma homenagem a José Saramago – novamente com José Vieira como convidado –, seguida de um concerto dedicado a Zeca Afonso. A atuação decorrerá em pleno bairro, no átrio da capela da Peregrina, em cujo interior existe uma Virgem de Fátima comprada com uma coleta feita entre moradores. Porque, ali, o 13 de Maio também se celebra.

Há um episódio que, segundo Daniel e Óscar, permanece na memória coletiva da terra. No final dos anos 70, pouco depois da Transição – período em que Espanha passou da ditadura para a democracia –, os habitantes do Latão, provavelmente contagiados pelo espírito de mudança e de auto-determinação autonómica do momento, hastearam uma bandeira de Portugal no topo de um pinheiro, que se via de toda Moanha.

A exploração das pedreiras, essa, havia terminado muito antes, já no final dos anos 30, dando lugar à construção naval.