O que aconteceu?

Uma investigação do jornal Público destapou um caso de assédio que envolveu o técnico Miguel Afonso e as jogadoras do Rio Ave no decurso da temporada 2020-2021.

De acordo com o jornal, o treinador terá "trocado mensagens íntimas com várias jovens entre os 18 e os 20 anos do plantel do futebol feminino do Rio Ave". Afonso — que entretanto foi afastado do cargo e atualmente comanda o Famalicão — nega tais abordagens.

No entanto, a investigação revela que uma das atletas queixou-se aos pais e acabou por ser afastada da equipa —  sendo relegada para os escalões de formação do Rio Ave — depois de Miguel Afonso tomar conhecimento da denúncia. Noutra ocasião, o técnico foi confrontado pelo namorado de outra jogadora também alvo das mensagens, pedindo desculpa e dizendo “tratar-se de uma brincadeira”.

Porque é que o caso não se soube mais cedo?

Para lá da dificuldade estrutural que vítimas de assédio enfrentam quando querem denunciar pessoas em cargos hierárquicos superiores, neste caso em concreto foram as atletas que pediram para não dar seguimento às denúncias, de acordo com a direção do Rio Ave.

Num comunicado divulgado no rescaldo da notícia do Público, o clube diz ter tomado "conhecimento de alguns comentários circunstanciais relatados por atletas, relativamente a alegadas abordagens despropositadas do treinador", que “negou tais situações”.

“A pedido das atletas, o assunto não teve seguimento”, continua o Rio Ave, adiantando que até ao final da temporada 2020-21 “não foi realizada qualquer queixa formal e oficial de nenhuma atleta junto das autoridades". Não obstante, o clube considerou que "a gestão de grupo e as metodologias não eram consensuais e adequadas, não estando reunidas as condições para a continuidade do técnico, pelo que encerrou aí a ligação com o mesmo".

E o Famalicão?

O clube que atualmente emprega Miguel Afonso disse não ter conhecimento de denúncias às autoridades sobre o técnico, mas garante que, caso sejam comprovados os factos denunciados, tomará aplicará as devidas sanções.

No comunicado, é frisado que o Famalicão "censurará sempre qualquer forma de abuso, violência ou desrespeito pelo outro", revelando que, "caso se venha a comprovar a existência de algum facto praticado pelo nosso treinador que atente ou tenha atentado na liberdade de alguma atleta tomará todas as providências ao seu alcance" para o sancionar.

Miguel Afonso já fez alguma comunicação pública?

Não, tendo-se recusado a prestar mais esclarecimentos ao Público ou sequer a responder às tentativas de contacto da agência Lusa.

Ao invés, o técnico tem apenas feito uso das redes sociais para negar as acusações. “Simplesmente, obrigado a todos aqueles que manifestaram apoio durante esta noite, pois sabem como e quem sou. Continuo forte e focado. Com calma e alma, me defenderei deste esquema criado", partilhou no Instagram.

Que tipo de punições podem ser aplicadas ao treinador?

O Regulamento de Disciplina da FPF prevê, desde 1 de julho último, data da sua mais recente atualização, a punição de casos de assédio sexual por parte de treinadores, no artigo 126.º-B.

“O dirigente que importunar agente desportivo adotando comportamento indesejado de caráter sexual, sob a forma verbal, não verbal ou física, é punido com suspensão de três meses a um ano”, lê-se no referido articulado, que, segundo o ponto 183.º do mesmo documento, alarga a sua cobertura a todos os outros agentes desportivos não especificados – nos casos infrações de jogadores aplica-se o 150.º-A.

No seguimento do caso noticiado pelo Público, o Conselho de Disciplina (CD) da FPF confirmou que vai abrir um processo disciplinar aos alegados casos de assédio sexual do treinador.

Além das ramificações desportivas, Miguel Afonso arrisca-se também a incorrer numa pena de prisão até 1 ano ou uma pena de multa até 120 dias pelo crime de importunação sexual, caso alguma das vítimas decida avançar com uma queixa. O caso não prescreveu ainda pois aos crimes puníveis com uma pena máxima de prisão igual ou superior a 1 ano, corresponde um período de prescrição de 5 anos.

Há precedentes assim no futebol?

Em Portugal não há memória de um caso assim, mas a nível internacional sim. Há sensivelmente um ano, a liga de futebol feminino dos EUA (NWSL, na sigla inglesa)  foi abalada por um caso de assédio sexual que envolveu o treinador Paul Riley e as antigas jogadoras Sinead Farrelly e Mana Shim, com abusos que começaram em 2011 e foram continuando ao longo dos anos, no caso da primeira.

O escândalo —  também aí denunciado pela comunicação social, neste caso a revista especializada The Athletic — levou a NWSL a suspender os jogos durante uma jornada e a avançar com uma investigação independente. Além disso, a própria FIFA abriu um processo. Riley — que foi considerado o Treinador do Ano em 2011, 2017 e 2018 — acabou por ser despedido e está desempregado desde então.

De resto, há casos que vão despontando de assédio ou abuso sexual a atletas femininas, como o do presidente da federação haitiana de futebol ou dos seus congéneres afegão e brasileiro.

*com Lusa

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