À partida, nada parece predispor estes indivíduos a cometer atos suicidas em nome da fé: quando estão em liberdade, apreciam o dinheiro, os carros caros e a vida fácil. Presos, são respeitados e até mesmo admirados por outros detidos. Mas um dia, alguns transformam-se e inclinam-se a uma fé radical que os torna potenciais suicidas - caso de Abdelhamid Abaoud, condenado em 2010 por agressão e suspeito de ser o organizador dos atentados parisienses. "Quando se deparam com o Islão radical, a sua trajetória de vida torna-se uma montanha de pecados", explica à AFP Amélie Boukhobza, psicóloga clínica. "Passado um certo limite, o único fim possível é a redenção através da expiação total destes pecados, a posição de mártir e a perspectiva do paraíso", prossegue.
Mas o como e o porquê de a propaganda do grupo Estado Islâmico (EI) fazer efeito em alguns delinquentes e em outros não continua um mistério. Para Khalid El Bakraoui, condenado há cinco anos por assalto à mão armada e que se fez explodir juntamente com o irmão no aeroporto de Bruxelas, "um sonho mudou a sua vida: ele viu-se a disparar, combatendo os infiéis ao lado do profeta", segundo a revista online Dabiq, editada pelo EI.
Os que são atraídos "acreditam cegamente nos preceitos do Daesh", revela o especialista em psiquiatria Daniel Zagury, utilizando o acrónimo em árabe do grupo radical. "Todo o reconhecimento que não tiveram em vida como delinquentes, pensam que o vão ter no além. Sacrificaram-se a si mesmos, a sua vida, as famílias".
"Narcisismo profundo"
"Acreditam que a vida de delinquentes pode ter um fim heróico", insiste Zagury, que estudou membros de redes jihadistas. "Um deles explicou-me que na hora do juízo final os anjos inclinam-se sobre nós, fazem perguntas e depois vamos para o paraíso. Não é um símbolo ou uma metáfora: virão mesmo anjos ter com eles. Não têm nenhuma dúvida".
Alguns criminosos também se convertem, segundo o sociólogo Farhad Khosrokhavar, diretor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris (EHESS), impulsionados por "uma espécie de depressão" ligada ao sentimento de estarem encurralados nas suas vidas. "Além de um vai-e-vem incessante entre a rua e a prisão, vêem bloqueadas todas as saídas", explica. "Com o tempo, as aflições alongam-se, a suspeita é permanente. E então o ódio pode instalar-se, um ódio de natureza diferente da que experimentam os jovens dos subúrbios". Assim, pensam: "vocês não vão matar-me, colocando-me na prisão numa morte lenta, sou eu quem decide morrer, mas de forma heróica", continua o sociólogo, que trabalha frequentemente em prisões. Na sua opinião, existe sempre "uma dimensão de fuga no Islão radical: a radicalização transfere para a morte um certo número de desafios relativos à vida. A morte torna-se o último desafio lançado à sociedade, uma última exaltação do indivíduo, uma espécie de narcisismo profundo".
Além do acesso ao paraíso e às virgens "de olhos como pérolas", os candidatos a mártires acreditam que o seu sacrifício lhes dará o direito de salvar do inferno 70 pessoas da sua escolha. "E também acreditam nisto completamente", prossegue Amélie Boukhobza, que trabalha na associação Entre Outros, baseada em Nice, sobre o fenómeno da radicalização. "Um rapaz disse aqui para a mãe: 'Faço isto por ti, mãe'".
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