Por um deputado se perde, por um deputado se ganha. É esta a regra democrática tal qual a conhecemos em qualquer espécie de eleição. E terá sido a mesma regra em que Pedro Nuno Santos, líder do PS se apoiou na decisão sobre o rumo a dar ao discurso de pouco mais de oito minutos  que proferiu no Altis Grand Hotel, em Lisboa, em que admitiu a vitória eleitoral da Aliança Democrática (AD) em número de votos nas eleições legislativas.

Depois, Pedro Nuno Santos dedicou-se a projetar o Partido Socialista que irá liderar a oposição.

Foi esta a leitura crua extrapolada do mapa das cores políticas determinadas pelos votos saídos das urnas e que revelou uma nova composição parlamentar e (eventual) novo executivo.

Palavras curtas e secas ditas, sem pedir licença, por um descontraído PNS, como é tantas vezes apelidado. Um discurso recebido, por estranho que pareça, debaixo de uma aclamação de uma plateia que transbordava na sala no piso -1 da unidade hoteleira.

Ali discursou Pedro Nuno Santos, no mesmo sítio onde, antes de si, muitos foram os secretários-gerais socialistas que subiram ao palanque e falaram para os seus e para "os lá em casa" a partir daquele púlpito.

Tal como um balão que enche, enche e enche, a alegria e aplausos foram em crescendo numa longa noite eleitoral.

Quando o relógio beijava os trinta minutos após a meia-noite, a sala cheia preenchida de sorrisos apoteóticos transformou uma derrota em vitória. Um contraste face ao sentimento apático com que foram recebidas as primeiras projeções, mais de quatro horas antes.

Das poucas certezas que existem, e que a cúpula socialista foi rigorosa a descrever, é que à data, a AD ganhou...no campo e no papel. Um dado objetivo que ninguém, nem PS, questiona. Nem mesmo o mais acérrimo defensor do partido.

As primeiras projeções numa sala grande demais para os primeiros aplausos

Em contagem decrescente, como se de um anúncio de Ano Novo se tratasse, no bunker socialista no hotel de luxo transformado na decana sede eleitoral do Partido Socialista, às 20 horas, as televisões avançavam com os primeiros números.

O anúncio repetido em várias vozes e vários canais não caíram como mel na sopa dos poucos militantes socialistas que ocupavam uma sala demasiado grande para as palmas e cânticos surgidos com um delay de 30 segundos.

Quem ali se deslocou logo às primeiras horas parecia padecer de alguma dose de masoquismo. Como se estivessem ali para testemunhar a antecipação do virar de página e de uma cor política prestes a formar governo em Portugal.

A vitória anunciada da Aliança Democrática era algo que viria a confirmar o que as sondagens foram registando como tendência ao longo da campanha eleitoral.

E o PS era, perante os números projetados nos écrans, a segunda força política, distante uma mão cheia de votos em relação à coligação liderada por Luís Montenegro e que juntava dois partidos sem representação parlamentar: CDS e PPM.

O silêncio na sala foi, a breve trecho, rasgado por envergonhados gritos de “PS, PS, PS”, repetidos tantas vezes quantos os dedos que compõe o punho cerrado erguido ao alto.

As notícias de uma morte anunciada tenderam a ser largamente exageradas

O silêncio foi mesmo a regra durante longos 17 minutos, só quebrado pela intervenção do diretor de campanha, João Torres, às 20h17.

Entre elogios à democracia e agradecimentos a quem trabalhou para a democracia ou exerceu o seu direito de voto para eleger dos deputados socialistas para ocuparem a casa da democracia, foram passados dois recados. Para dentro e para fora.

O Partido Socialista não seria o parceiro natural da AD e da direita e passaria a ser a segunda força política e assumir-se-ia, doravante, como a oposição que tem a obrigação de liderar.

Seguiu-se o abandono de uma sala que regressava ao estado natural: despida de militância.

Mas as notícias de uma morte anunciada tenderam a ser largamente exageradas. E o que parecia ser uma noite de poucos festejos acabou por ser (quase) de êxtase.

Num hiato de tempo mais curto daquele que foi percecionado, a conta-gotas, alguns históricos socialistas e ministros do executivo de António Costa começaram a desaguar à unidade hoteleira que tem servido de quarto de festas do Partido Socialista.

Com uma sala abaixo do solo vazia, seria ao nível da receção que, durante um bom par de horas, a ação na sede de campanha do Partido Socialista começava a ganhar vida e dinâmica. E quase tudo se resumiu à volta de um ascensor.

O elevador que (e)leva o PS ao 12.º andar

Na linguagem futebolista, o número 12 é sinal de 12.º jogador, os tais adeptos que fazem jogar a equipa que apoiam.

Para o Partido Socialista, o 12 é sinal de piso (12.º) do Altis, hotel onde, a cada eleição, confluem anónimos e os pesos pesados que ajudam os candidatos do partido de esquerda a chegar a primeiros-ministros e a formar governos.

2024 não foi exceção. O elevador que tem sido de Glória, para António Guterres, José Sócrates e António Costa, voltou a ser um espaço do filme político, numa noite que coincidiu com a entrega dos Óscares de Hollywood.

Começou por transportar tristemente, e em silêncio, os notáveis socialistas que ousaram dar a cara nas primeiras horas.

Uma viagem, para cima, que parecia desconhecer a realidade da contabilidade dos votos a decorrer em Portugal Continental e Regiões Autónomas.

Numa voz pausada, e a passos curtos e amparados, Manuel Alegre, histórico socialista, deixou a opinião aos microfones que lhe apareceram à frente. Ana Catarina Mendes, escusou-se com “já falei os seus colegas" (quem a esperava na rua antes da porta giratória do hotel de cinco estrelas), José Luís Carneiro não respondeu à pergunta de cenários eleitorais e um Fernando Medina, em silêncio, limitou-se a distribuir sorrisos.

Um atrás de outro, transpuseram uma das três portas dos elevadores. E entre o abre e fecha, no sobe e desce, entraram e subiram ao altar que viu nascer repetidos governos. Uma transladação para a sala do outrora poder feita agora, no entanto, com ar de marcha fúnebre.

Costa foi o último histórico socialista a rodar a porta giratória. Foi o primeiro, e único, a usar o drop the mic na flash-interview, sito no lado direito da entrada; também um primeiro primeiro-ministro em cessação de funções a dar a cara. Fez na qualidade de simples militante que não carregou no botão do elevador outrora mensageiro das boas-novas.

O anúncio dos dois R’s: Renovação e Recuperação, de partido e de eleitores

António Costa deu o pontapé de saída para uma mudança no estado de espírito socialista no hotel da Rua Castilho, em Lisboa.

Eurico Brilhante Dias, líder parlamentar que acabaria eleito deputado por Leiria, João Gomes Cravinho, ministro dos Negócios Estrangeiros, e muitas outras figuras começam a deambular pelos corredores do Altis cada vez mais estreitos para tanta gente.

A saída do elevador e a escadaria que cai para o piso -1 começava a ter semelhanças com a saída de uma estação de metro em hora de ponta. Cheirava-se e pressentia-se que a derrota não deixaria marcas, antes podia unir um partido inteiro.

A sala de meia dúzia de pessoas passou a totalmente cheia por gente de todas as idades. Um milagre da multiplicação dos pães ao que não foi alheio o encurtamento das distâncias entre o partido mais votado e a força política que se sentará na bancada da oposição anunciado ao minuto por televisões, rádios e media on line.

Às 0h24 de 11 de março, Pedro Nuno subiu ao palanque e falou. Felicitou a vitória alheia, falou de um novo ciclo, não abriu espaço de troca de opinião para os cenários políticos que se avizinham, tema muito falado na campanha e reforçou o lugar de oposição do PS onde atuará ao som de dois "erres". Renovação (do partido) e recuperação dos eleitores perdidos.

Foram muitos os punhos erguidos e muitos os gritos de PS. Até  às 0h49, hora em que tudo terminou. Ou será que começou?