A iniciativa foi lançada na página “Mexeu com uma, Mexeu com Todas — Não à cultura da violação”, da rede social Facebook, e pelas 16:00 de hoje, 7.812 pessoas tinha registado o seu interesse em participar no evento agendado para as 18:30 de quarta-feira na praça Amor de Perdição, perto do Tribunal da Relação do Porto.
Em declarações à agência Lusa, a ativista de A Coletiva Andreia Peniche disse que o que pretende com este protesto é “combater uma cultura que existe nos tribunais, que parece que são impermeáveis às mudanças sociais das últimas décadas, em que às mulheres, finalmente, já não é atribuído o papel da passividade e os comportamentos devem ser interpretados de forma igual”.
Os tribunais portugueses, disse Andreia Peniche, “continuam a ter uma dupla moral: fazem leituras de comportamentos das mulheres que, se fossem praticados por homens, tinham leituras diferentes”.
Andreia Peniche exemplificou o caso de um homem alcoolizado “em que o seu estado é uma atenuante” para um ato social e/ou criminalmente condenável que tenha praticado. “Estava bêbado, não sabia o que fazia”, desculpa-se. Mas, “quando é uma mulher, a leitura que se faz é que se pôs a jeito”.
A motivar o protesto está a decisão do Tribunal da Relação do Porto que manteve a condenação a uma pena suspensa dos dois homens acusados de violarem uma mulher.
O caso ocorreu em novembro de 2016 numa discoteca de Vila Nova de Gaia e a mulher, de 26 anos, chegou a estar inconsciente por exagero no consumo de álcool, mas os dois homens alegaram sempre que ela consentiu as relações sexuais.
Já em 8 de fevereiro de 2018, o Tribunal de Vila Nova de Gaia acabou por condenar os dois arguidos a pena de prisão de quatro anos e meio, suspensa na sua execução, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência.
O Ministério Público recorreu, pedindo condenação a pena efetiva.
Os juízes do Tribunal da Relação do Porto Maria Dolores Silva Sousa e Manuel Soares (este atual presidente da Associação Sindical de Juízes) optaram, contudo, por manter a condenação a pena suspensa, num acórdão de 27 de junho, que o Diário de Notícias divulgou na última semana.
A Relação do Porto argumentou que "a culpa dos arguidos situa-se na mediania, ao fim de uma noite com muita bebida alcoólica” e um “ambiente de sedução mútua”. A ilicitude, defendeu ainda, “não é elevada".
Comentando o acórdão e as reações que suscitou, o vice-presidente do Conselho Superior de Magistratura, Mário Morgado, disse ao Expresso que medidas daquele órgão só se justificariam, fora do âmbito das inspeções judiciais, perante erros grosseiros ou em face de linguagem manifestamente inadequada, assinalando que “nenhuma dessas situações está verificada neste caso".
Em defesa do acórdão também subscrito pelo seu presidente, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses afirmou, em comunicado: “Não é verdade que tivesse havido violação, que no sentido técnico-jurídico constitui um tipo de crime diferente, punível com pena mais grave”.
Acrescentou que os tribunais “não têm agendas políticas ou sociais, nem decidem em função das expectativas ou para agradar a associações militantes de causas, sejam elas quais forem”.
Para Andreia Peniche, de A Coletiva, estas declarações “chocam”.
“Recebem a crítica como um ataque e não como uma tentativa de pararmos para pensar e alterarmos as práticas. É tão só isto. Não temos nenhuma guerra contra os juízes nem nenhuma guerra contra os tribunais”, afirmou.
As organizações promotoras do protesto de quarta-feira são as mesmas que realizaram outra concentração no mesmo local em 27 de outubro de 2017, dessa feita para expressar “repúdio e indignação” por uma decisão da Relação do Porto “que legitimava a violência doméstica contra as mulheres, apoiado em considerações machistas e misóginas sobre o comportamento da vítima”.
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