O alerta é de Francisco Furtado, analista da OCDE para a área dos Transportes, durante a conversa com o engenheiro eletrotécnico Luís Costa, protagonista da iniciativa Cop By Electric Car, que visa, no âmbito da 24.ª Cimeira das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, chamar a atenção para os temas aquecimento global, sustentabilidade e mobilidade elétrica — e que o SAPO24 está a acompanhar, quilómetro a quilómetro, no especial Missão Katowice.
Rumo à Polónia ao volante de um carro elétrico, depois de atravessar Portugal e Espanha, Luís Costa marcou um encontro com Francisco Furtado na sede da OCDE, em Paris. Apesar de entender a urgência de uma correção de rumo e de uma aceleração no combate ao aquecimento global — sobretudo depois do alerta recente nas Nações Unidas de que os países estão a afastar-se do compromisso firmado no Acordo de Paris, o analista alerta para a necessidade de fazer esta transição para uma economia verde sem que os agentes da mudança sintam que estão a pagar o preço sozinhos.
“Luís, não sei se tens acompanhado o que se passa aqui em França nas últimas semanas [numa referência ao protesto dos “coletes amarelos”, espoletado pelo anúncio de uma taxa sobre os combustíveis, mas que visa denunciar o empobrecimento]. Não se podem fazer políticas contra as pessoas, pedindo-lhes que sejam os santos franciscanos das alterações climáticas. [No combate ao aquecimento global] tem de se encontrar soluções que continuem a garantir que as pessoas mantêm um certo nível de conforto e que a economia funciona, mitigando por outro lado certos excessos que possam ser cometidos”. Porque, acrescenta, no centro desta transição para uma economia verde há uma questão fundamental: “Quem é que paga? Onde estão os fundos para esta transição e quem é que define as prioridades?”
“Tem de haver um grande compromisso que envolva governos e iniciativa privada e que tem de ter o acordo da população, para esta não sentir que está só a pagar e a ver a sua vida a andar para trás em nome de realidades que não são assim tão palpáveis, porque ao fim do mês não é facilmente quantificável esta questão do impacto das alterações climáticas”, alerta.
Na Holanda chamam “Green Deal” a este compromisso e nos Estados Unidos “New Green Deal”. Luís Costa até já tem uma proposta para a denominação portuguesa. “Nós precisamos de uma PPPP, que é uma parceria público-privada e de pessoas. Só quando estes três grupos tiverem o mesmo objetivo e perceberem perfeitamente qual o desafio que enfrentam é que vão alcançar uma solução conjunta”.
Mas enquanto Luís acredita que estimular a mudança pode passar pela penalização de comportamentos que prejudicam o meio ambiente, Francisco Furtado centra-se na necessidade de criar “alternativas viáveis”.
“Pode até haver um certo grau de penalização, mas tem de se começar por mostrar às pessoas que têm alternativas viáveis e práticas no seu dia-a-dia. Há certos hábitos que precisam de mudar, como passar a utilizar mais transportes públicos; mas para isso é preciso aumentar a oferta, o conforto e tornar esta alternativa mais apelativa. Eu ando de transportes públicos e há certas horas do dia em que é impossível haver mais gente a usar transportes públicos. Em Portugal não é diferente”.
Por outro lado, “começa a haver restrições a certo tipo de veículos nos centros das cidades, mas é algo que objetivamente não pode ser feito de um dia para o outro, ou do pé para a mão. Dá-se um prazo, um horizonte. E a esse nível, da mobilidade urbana, já existem soluções alternativas, como o veículo elétrico o sistema de transportes públicos — que podia ser melhor mas já tem alguma robustez”.
Depois, e ainda no que diz respeito a comportamentos, é preciso também calcular exatamente o impacto que determinado tipo de novas possibilidades, fruto da inovação tecnológica, têm para o ambiente.
“Isto do comércio eletrónico, por exemplo, está a gerar alguns problemas. É muito confortável clicar no botão e receber em casa uma encomenda. Ainda não existem dados 100% fiáveis, mas, por exemplo, mandas vir dez calças, ficas com duas e devolves as outras com retorno gratuito. O que é que isto significa? Significa que este tipo de modelo vai colocar mais carrinhas a circular, que essas carrinhas têm menos mercadoria lá dentro, logo são precisas mais carrinhas para transportar a mesma quantidade, e depois ainda tens retornos em vazio ou com quantidades muito pequenas. São novas formas de organizar a economia, mas que também estão a ter um impacto na questão das emissões. E os custos destas emissões não estão a ser contabilizados por completo, mas se tivessem sido tomados em conta nesses modelos de negócio talvez eles nem sequer funcionassem desta forma. Mas também te digo, existem soluções, como a definição de pontos de recolha, por exemplo”.
Otimista, Francisco Furtado fala de uma mudança que acontece "paulatinamente".
“Toda a gente vai ter de fazer um compromisso e alterar em parte os seus comportamentos e o seu modelo negócio. O importante é que os vários agentes percebam que os outros estão também comprometidos e que algo está a ser feito, e que não se vai obrigar ninguém a ser o Santo Franciscano das Alterações Climáticas”, defende.
“As empresas precisam de ter incentivos à mudança e a população tem apoiar as medidas [implementadas por governos e instituições]. Um estudo recente mostra que para a Europa esta transição ecológica aumentaria o produto interno europeu e os empregos. A Europa é muito dependente dos combustíveis fosseis e se nós não dependêssemos dos combustíveis fósseis conseguíamos, por exemplo, que uma enorme quantidade de riqueza gerada cá ficasse na Europa. O problema é que o retorno não acontece no imediato — no imediato terás de fazer investimento e depois verás o retorno a médio-longo prazo. Há aqui margem de manobra para todos sairmos a ganhar, mas têm de estar todos estes agentes [governos, empresas e população] envolvidos na mudança.
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