O fugitivo Carles Puigdemont, exilado na Bélgica e perseguido pela justiça espanhola por, em 2017, então presidente do governo da Catalunha, ter promovido o referendo independentista é quem tem a chave-mestra que pode afastar o fantasma de novas eleições e abrir portas para a formação do próximo governo em Espanha: os 7 deputados eleitos pelo Junts per Catalunya, podem completar uma maioria para governar.
Este Junts, que Puigdemont comanda à distância, é um partido mais para a direita mas irredutivelmente independentista catalão. Nunca estará em alguma viabilização que inclua o VOX, portanto não vai alinhar com o PP. Mas o preço que vai pôr a Sánchez pelos votos de Junts tem uma fatura que o líder do PSOE não pode pagar: Puigdemont vai querer referendo de autodeterminação e amnistia para os independentistas catalães. Será que conseguem negociar um compromisso que evite o bloqueio da governabilidade de Espanha? Às vezes acontece o que parece impossível.
Esta eleição dita o que aparece como uma vitória insuficiente e amarga (Feijóo) e uma derrota promissora e doce (Sánchez)
Alberto Núñez Feijóo queria uma maioria para governar Espanha. Falhou. A euforia nas expectativas foi substituída por frustração. O PP contava com pelo menos 150 deputados, ficou pelos 136. Tem o consolo de, com os oito milhões de votos que recebeu, ter crescido 47 lugares sobre os que tinha.
Pedro Sánchez queria um resultado que barrasse o governo das direitas. Conseguiu. Sai vivo de uma eleição em que lhe foi prognosticada a morte política. Tem mais dois deputados e, com 7,7 milhões de votos, mais 930 mil eleitores.
Feijóo deve estar arrependido de ter promovido há apenas duas semanas o acordo PP/VOX para governar a Extremadura, apesar de o PSOE ter sido o partido mais votado. Assim, perdeu muito da legitimidade para agora reivindicar a presidência do governo de Espanha com o argumento de que quem ganha governa. O PP decidiu o contrário para o governo em Mérida.
Feijóo também deve estar arrependido de ter recusado participar na quarta-feira no último debate da campanha. Foi ali que Sánchez e Yolanda, eficazes, ativaram a mobilização para a relativa recuperação eleitoral das esquerdas. O que aconteceu é o essencial do que aqui foi antecipado na sexta-feira.
Sánchez confirmou que é mestre na arte de sobrevivência política, conforme teorizou há quatro anos no livro autobiográfico Manual de Resistência, onde conta como soube superar inimigos externos nas oposições como adversários internos no PSOE – Sánchez causa incómodo muitos dos “barões” do partido, incluindo Felipe Gonzalez.
Espanha iniciou em 1 de julho o semestre de presidência rotativa da União Europeia. É bem provável que seja o atual governo de Pedro Sánchez e Yolanda Diaz a cumprir quase todo ou mesmo todo o mandato até dezembro. Vai ser precisa muita e demorada negociação para que fique em funções o próximo governo de Espanha.
Alívio em Bruxelas
Em Bruxelas, há algum suspiro de alívio de Ursula von der Leyen. Se as posições do VOX, anti-europeias e anti-direitos (das mulheres, dos LGBTQI+, dos imigrantes) e negacionistas das alterações climáticas chegassem ao poder no governo de Espanha, a Comissão Europeia ficaria mais condicionada, porque cresceria na União Europeia o bloco ultra que está no comando dos governos na Polónia, na Hungria, na Itália e que está nas coligações governamentais na Finlândia e na Suécia.
Ainda na Europa, Manfred Weber, o correligionário de Ursula van der Leyen que exerce funções como líder do Partido Popular Europeu (PPE):que agrega partidos tradicionais da direita e do centro-direita, sofre um segundo dissabor em 11 dias: primeiro, em 12 de julho, viu a dissidência de alguns eurodeputados do PPE contribuir para o Parlamento Europeu aprovar (336 votos a favor, 330 contra) o Plano de Restauração da Natureza a que as direitas europeias, secundando as associações de agricultores, se opõem; agora, Weber vê fracassar em Espanha a instalação de mais um governo amplo das direitas, modelo que Weber defende, em oposição interna à bastante mais moderada Ursula.
Em Portugal, deceção de André Ventura. O líder do Chega até viajou para Madrid para celebrar com Santiago Abascal a prevista entrada do Vox para o governo de Espanha. Mas o VOX perdeu, fica sem 19 dos 52 deputados que tinha e as portas para acesso ao governo de Espanha estão fechadas. Luís Montenegro saúda a vitória de Feijóo, o mais votado. António Costa celebra a resistência de Sánchez. Mariana Mortágua aplaude o bloco progressista que travou a anunciada vitória das direitas.
O que vem a seguir? O expatriado Puigdemont, que para a justiça é um fugitivo e para o independentismo um exilado, tem alto poder na negociação de soluções de governabilidade. Com a particularidade de na Catalunha que Puigdemont quer independente os socialistas terem agora triunfado.
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