A investigação feita pelo jornal The Times foi divulgada esta quarta-feira, 2 de janeiro, e revela que as vítimas, de nacionalidade britânica, têm de reembolsar ao Ministério das Relações Exteriores os gastos relacionados com a sua repatriação.
Das 82 vítimas de casamento forçado que foram repatriadas entre 2016 e 2017 (27 e 55 raparigas, respetivamente, segundo dados oficiais), a maioria teve de pagar os custos incorridos desde o momento em que pediram ajuda até conseguirem regressar à pátria, incluindo o pagamento das passagens aéreas, enquanto as restantes receberam empréstimos do Ministério das Relações Exteriores.
As vítimas tiveram de reunir "centenas de libras para conseguir suportar os custos do voo de regresso, da alimentação e de alojamento", segundo o The Times.
As jovens com idade superior a 18 anos e sem condições para pagar devem assinar um contrato de empréstimo de emergência antes de embarcarem de regresso a casa, e ficam com o passaporte confiscado até liquidarem o pagamento. Caso este não seja efetuado até seis meses após o pedido, é adicionada uma sobretaxa sobre o valor a pagar.
Quatro jovens britânicas, que foram presas numa escola religiosa de correção na Somália, antes do casamento, contaram ao The Times que cada uma teria de pagar 740 libras [cerca de 823 euros ao câmbio atual] para poder regressar a casa.
Outra das vítimas, de 24 anos, disse ao mesmo jornal que estava "endividada", a viver num alojamento semelhante a um hostel e que temia acabar por ir parar à rua. "Não posso pedir ajuda à minha família por causa daquilo pelo que me fizeram passar", confessa.
Segundo o The Guardian, um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores admitiu a cobrança dos custos de repatriação às vítimas ao afirmar que, apesar de o ministério "reconhecer que um empréstimo de emergência pode ajudar a salvar uma pessoa de risco ou vulnerável quando não tem outras opções", a ajuda económica vem de fundos públicos e, por isso, tem a "obrigação de recuperar o dinheiro no devido tempo". Mesmo assim, o porta-voz destaca que a "segurança das vítimas [de casamento forçado]" é a "principal preocupação" do ministério nestes casos.
Segundo a AFP, nos últimos dois anos o ministério emprestou mais de 7.000 libras a oito vítimas que não tinham capacidade de pagar a repatriação. Dessa quantia, as mulheres já reembolsaram 3.000 libras.
Críticas ao Ministério das Relações Exteriores britânico
Várias instituições de solidariedade já vieram criticar o governo por fazer com que as mulheres tenham de "pagar pela sua proteção".
A fundadora da instituição Southall Black Sisters, que ajuda mulheres a escapar de casamentos forçados, disse, em declarações ao The Times, que estas jovens são "vulneráveis" e foram "levadas para o exterior sem culpa própria e forçadas à escravidão", salientado que, apesar disso, são "chamadas a pagar pela sua proteção".
Pragna Patel acrescenta que "proteger as vítimas do casamento forçado deve ser visto com um direito fundamental" e não como um "negócio lucrativo".
O secretário das relações externas do Reino Unido, Jeremy Hunt, em declarações à BBC Radio 4, admitiu que queria "ir ao fundo da questão" e disse já ter pedido "um conselho às autoridades" sobre esta situação. "Devemos sempre comportar-nos com compaixão e humanidade em todas as situações ”, acrescentou.
O início da exposição da política de repatriação britânica
No final de 2016, o The Guardian e a rede de mulheres muçulmanas no Reino Unido trouxeram à luz do dia a prática do governo de exigir às vítimas de casamento forçado o pagamento dos custos de repatriação, através do caso de uma menina britânica de 17 anos que procurou ajuda na embaixada do Reino Unido em Islamabad, em 2014.
A jovem foi obrigada a entregar o seu passaporte antes de regressar ao seu país de origem, documento que só lhe seria entregue depois de pagar uma conta de 814 libras resultante dos custos de repatriação do Paquistão.
Na sequência desta notícia, em março de 2017, o Ministério das Relações Exteriores anunciou a alteração da política de repatriação, de modo a que os cidadãos britânicos de 16 e 17 anos com dificuldades no estrangeiro não precisassem de reembolsar o governo pelos custos de regresso a casa.
(Com agência AFP)
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