O executivo comunitário apresentou hoje, pela primeira vez e com um mês de atraso em relação ao prometido, um relatório sobre os programas de autorizações de residência (‘vistos gold’) e de cidadania por investimento (‘passaportes gold’), identificando riscos quer para os Estados-membros, quer para a UE no seu todo.
Quanto aos ‘vistos gold’, a Comissão alerta para a falta de transparência e supervisão destes programas, criticando a ausência de monitorização e de estatísticas relativamente ao número de pessoas a quem foi concedida autorização de residência, e também para a escassez de informação disponível sobre os candidatos, que suscita preocupações de segurança.
“As autorizações de residência obtidas em virtude de um investimento, que exijam apenas uma presença física limitada ou mesmo nula do investidor no Estado-membro em causa, são suscetíveis de ter um impacto na aplicação do estatuto de residente de longa duração na UE e dos direitos a ele associados, podendo mesmo assegurar um procedimento acelerado para a obtenção da cidadania nacional e, por conseguinte, da cidadania da UE”, nota ainda o executivo comunitário.
Sem nunca mencionar diretamente o caso de Portugal, que aparece referido apenas com um dos 20 países onde existe um programa de ‘vistos gold’, Bruxelas declara que estes “esquemas” apresentam “riscos sérios de segurança” para os Estados-membros e para o bloco comunitário, tal como acontece com os chamados ‘passaporte gold’, um ‘exclusivo’ de Bulgária, Chipre e Malta.
“Nestes três Estados-membros, não é imposta qualquer obrigação de residência física ao cidadão em causa, nem se exige a necessidade de outros vínculos reais com o país, previamente à aquisição da nacionalidade”, indica a Comissão, considerando que as verificações dos candidatos “não são suficientemente robustas”.
O relatório aponta ainda para a necessidade de controlos reforçados para assegurar que as regras anti-branqueamento de capitais não são subvertidas, e de monitorização dos candidatos para que não recorram a estes sistemas para beneficiar de privilégios fiscais.
“Tornar-se cidadão de um dos Estados-membros significa também tornar-se cidadão da UE, com todos os direitos adquiridos, incluindo o de livre movimento e o acesso ao mercado único. As pessoas que obtêm a nacionalidade europeia deveriam ter uma ligação real com o Estado-membro em questão. Queremos mais transparência na forma como as nacionalidades são concedidas e uma maior cooperação entre Estados-membros”, defendeu a comissária europeia da Justiça.
Em 07 de agosto, numa entrevista ao diário alemão Die Welt, Vera Jourova já tinha criticado os Estados-membros que têm a prática de atribuir ‘vistos gold’ a cidadãos extracomunitários ricos, instando-os a assegurar que a cidadania europeia não é concedida a criminosos.
No relatório hoje publicado, a Comissão Europeia propõe-se monitorizar mais proximamente o cumprimento da legislação europeia na atribuição dos vistos e passaportes ‘gold’ e agir conforme necessário.
“Por esta razão, os Estados-membros devem assegurar, em particular, que todos os controlos fronteiriços e de segurança obrigatórios decorrem sistematicamente, que os requisitos para a diretiva de permissão de residência de longa duração e a de reunificação de família são propriamente aplicados, e que os fundos pagos pelos candidatos são escrutinados de acordo com as regras de anti-branqueamento de capitais”, refere.
Instando os Estados-membros a partilharem informação, de modo a diminuir o risco de evasão fiscal colocado por estes sistemas, Bruxelas indica também que vai criar um grupo de especialistas para melhorar a transparência e segurança destes “esquemas”.
Desde a criação do programa de Autorização de Residência para a Atividade de Investimento (ARI) em Portugal, em outubro de 2012, e dezembro de 2018, já foram atribuídas 6.962 autorizações de residência, 4.073 dos quais a cidadãos chineses, segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Contabilizando as autorizações de residência a familiares reagrupados, o número ascende aos 11.815.
De acordo com os dados do SEF, os ‘vistos gold’ já renderam aos cofres do Estado 4,25 mil milhões de euros, com cerca de 3,85 mil milhões a resultarem da aquisição de bens imóveis, e pouco mais de 400 mil de transferência de capital.
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