Volodymyr Zelensky, o chefe de Estado ucraniano que discursa hoje na Assembleia da República, apareceu pela primeira vez nos ecrãs televisivos como Presidente da Ucrânia enquanto ator de uma série cómica popular, em 2015.

Em abril de 2019 tornou-se realmente Presidente da República, liderando um país de 44 milhões de habitantes invadido há quase dois meses pela vizinha Rússia.

Mais de 12 milhões de ucranianos foram, entretanto, forçados a fugir, cerca de cinco milhões dos quais para outros países, segundo dados da ONU, que já contabilizou a morte de mais de dois mil civis, embora alerte para a probabilidade de o número real ser muito maior.

No seu papel televisivo da série "O Servidor do Povo", Zelensky era um humilde professor de História que se tornara Presidente por acaso, depois de um vídeo de um discurso seu contra a corrupção se ter tornado viral na internet - uma história que cativou os ucranianos desiludidos com a política.

"O Servidor do Povo" tornou-se o nome do seu partido, e Volodymyr Zelensky centrou a sua campanha numa mensagem de limpeza da política e na promessa de levar paz ao leste do país, em cujas regiões separatistas pró-russas, Donetsk e Lugansk, na região do Donbass, decorre desde 2014 um conflito com elevado número de mortos.

A ofensiva militar russa colocou um líder nacional improvável no centro de uma crise internacional que faz lembrar as crises mais profundas da Guerra Fria entre o Ocidente e a Rússia, e dizem os analistas internacionais que Volodymyr Zelensky, 44 anos, está a comportar-se como um estadista.

Ao contrário do que indicavam certos rumores, não abandonou o país, tendo assegurado aos concidadãos de que não o fará e que, em vez disso, pegará em armas para ajudar a defendê-lo.

Nascido na cidade central de Kryvyi Rih, de pais judeus, Volodymyr Zelensky licenciou-se em Direito pela Universidade Económica Nacional de Kiev, mas foi a comédia que se revelou a sua verdadeira vocação.

Na juventude, participava regularmente num concurso de comédia em equipa na televisão russa. Em 2003, foi um dos fundadores de uma produtora televisiva bem-sucedida, batizada com o nome do seu grupo de comédia, Kvartal 95.

O cenário para a improvável ascensão política de Zelensky foi criado pelos turbulentos acontecimentos de 2014, quando o Presidente ucraniano pró-russo, Viktor Ianukovitch, foi deposto após meses de contestação popular.

A Rússia tomou então a Crimeia e apoiou os separatistas do Leste numa guerra com a Ucrânia que prossegue até hoje e que já fez mais de 14.000 mortos.

Um ano depois, em outubro de 2015, "O Servidor do Povo" foi pela primeira vez transmitido na estação televisiva 1+1 e Zelensky encarnou uma personagem chamada Vasiliy Goloborodko, cuja fulgurante ascensão ao mais alto cargo do Estado em seguida se espelhou na vida do próprio ator.

Venceu o Presidente cessante, Petro Poroshenko, que procurou retratar o seu adversário como um novato na política, ao passo que os eleitores viram isso como um trunfo. Foi eleito por uma larga margem, com 73,2% dos votos, e tomou posse como sexto Presidente da Ucrânia a 20 de maio de 2019.

Zelensky tentou cumprir a sua promessa de pôr fim ao conflito no leste da Ucrânia. Numa primeira fase, tentou fazer compromissos: houve conversações com a Rússia, trocas de prisioneiros e de medidas destinadas a aplicar partes de um processo de paz conhecido como acordos de Minsk, mas nunca produziram efeitos.

A atmosfera de conciliação foi ensombrada pela decisão do Presidente russo, Vladimir Putin, de dar passaportes russos às pessoas residentes nas zonas ocupadas pela Rússia. Entrou em vigor um cessar-fogo em julho de 2020, mas prosseguiram os combates esporádicos.

Volodymyr Zelensky assumiu um tom mais firme para apresentar a intenção da Ucrânia de aderir à União Europeia e à aliança militar da NATO (Organização do Tratado do Atlântico-Norte) - o que irritou Putin.

Por vezes, teve dificuldade em fazer-se ouvir enquanto estadista, com os críticos a apontar-lhe falta de experiência política, mas perante os alertas ocidentais de uma invasão russa iminente, adotou um tom calmo, sublinhando que, após oito anos de guerra, isso não seria novidade.

Outra das suas promessas de campanha também se revelou difícil de manter: a de reduzir a considerável influência política e económica dos oligarcas da Ucrânia, embora o líder da oposição pró-russa, Viktor Medvedchuk, tenha sido processado e aprovada legislação que definiu juridicamente os oligarcas e os submeteu a restrições, nomeadamente à proibição de financiar os partidos políticos.

Ainda assim, alguns críticos de Zelensky consideraram que as suas medidas de combate à corrupção eram sobretudo cosméticas e visavam principalmente agradar à administração do Presidente norte-americano Joe Biden, um aliado essencial contra a Rússia.

Zelensky também não tem sido poupado a escândalos: em outubro de 2021, foi nomeado nos "Pandora Papers", uma enorme fuga de documentos que revelou a riqueza escondida de ricos e poderosos de todo o mundo.

Esses documentos revelaram que Zelensky e o seu círculo próximo eram os beneficiários de uma rede de empresas 'offshore'.

Mas o Presidente da Ucrânia declarou não ver novos pormenores nesses documentos e negou que ele ou alguém da sua empresa de produção televisiva, a Kvartal 95, esteja envolvido em lavagem de dinheiro.

Depois de se ter dirigido aos deputados de vários países, como o Japão, os Estados Unidos, o Reino Unido, a França ou a Austrália, Volodymyr Zelensky será hoje o primeiro chefe de Estado estrangeiro a discursar na Assembleia da República por videoconferência.