A Taça das Confederações é uma competição que pode, à primeira vista, baralhar o adepto de futebol mais desatento. Em teoria, este é um torneio que serve para encontrar a melhor seleção de entre todas as seleções vencedoras dos campeonatos organizados pelas diferentes confederações tuteladas pela FIFA. No entanto, a origem desta competição, inicialmente organizada pela Arábia Saudita, um país que sempre ansiou que receber uma grande competição que atraísse os melhores jogadores do mundo, nunca cativou as federações nacionais. Nem mesmo quando a FIFA assumiu o controlo da competição.
Quando o organismo que tutela o futebol a nível mundial passou a organizar a Taça das Confederações esta tornou-se, naturalmente, mais apelativa. Mas ganhou, fundamentalmente, outro sentido: o torneio passaria a ser um teste às infraestruturas, segurança e capacidade do país em organizar o Campeonato do Mundo no ano seguinte.
A Rússia, país anfitrião, levantou muitas dúvidas em 2010, na altura em que lhe foi atribuída a organização do Mundial de 2018. Muitas foram as vozes que diziam que aquela não teria sido a melhor escolha, sobretudo em relação a outras candidaturas como a de Portugal/Espanha, da Holanda/Bélgica ou Inglaterra, criticando uma eleição, na altura, que se considerou ser pouco transparente. Apesar de tudo a escolha manteve-se e o derradeiro teste aconteceu há duas semanas.
Para traçar um mapa daquilo que foi a Taça das Confederações e daquilo que poderá ser o Mundial 2018, o SAPO 24 procurou relatos na primeira pessoa de vários jornalistas portugueses que viajaram até ao leste da Europa. Para quem esteve no terreno, parecem não existir grandes dúvidas: foi um sucesso. “Não correu bem, correu muito bem! Não tenho dúvidas de que a Rússia vai organizar um grande Campeonato do Mundo”, disse-nos Nuno Luz, poucos dias após chegar da Rússia, onde cobriu a sua décima segunda competição da FIFA, consecutiva.
“Eu já estive em 5 mundiais, 6 europeus... estive na Ucrânia e na Polónia onde aí, realmente, existiam grandes dúvidas, até sobre se os estádios estariam mesmo prontos a tempo ou não. Aqui o que encontrei foram estádios 5 estrelas e uma amabilidade das pessoas brutal. Nota-se que eles querem fazer um grande mundial”, sublinhou o jornalista da SIC.
Foi isto que eles encontraram e nos contaram, ponto por ponto:
Os russos? “Entusiasmados, mas não são um povo latino”
“Gostei bastante do povo. Pareceram-me entusiasmados para receber o Mundial”, conta Paulo Pereira, jornalista da TVI ao SAPO 24, salientando que, no entanto, este é um povo diferente do latino.
Para Nuno Matos, locutor da Antena 1, tal fica latente quando se olhava para os estádios. Estavam cheios, sim, mas faltou qualquer coisa. “Faltou foi um bocadinho de dinâmica nas bancadas, o ambiente era um pouco frio. Não é aquele ambiente que se vê nas grandes competições. Eles não se envolvem tanto. Faltou o calor humano que vimos no Europeu, mas Portugal também não tinha adeptos e isso notou-se”.
No entanto, a falta de adeptos compensou-se com um fenómeno nunca antes visto, conta-nos Nuno Luz. O repórter da SIC recorda que nunca tinha assistido a nada assim, com os russos a vestirem as cores da seleção portuguesa e a saírem de casa para apoiá-la, quase como se do seu país se tratasse. “Nós, portugueses, fomos tratados como nunca. Eu tirei centenas de fotos. Eu e qualquer adepto português que lá foi, porque se tu eras do país do Cristiano Ronaldo…”, diz-nos entre risos o repórter.
Do mesmo não se escapou o relator da Antena 1, que assume ter percecionado, dos russos, um “carinho especial pelo nosso país ”.
“O teu melhor amigo na Rússia é o Google Translate”
Para Nuno Matos há realmente uma razão para os russos parecem, à priori, mais frios. “A barreira da língua afasta-os um pouco. Eles muitas das vezes preferem não chegar perto do que terem de comunicar, porque ao não saberem o inglês existe ali uma barreira”.
A língua foi um problema considerado unânime entre todos os profissionais da comunicação com quem o SAPO 24 falou: é de muito difícil perceção e a maior parte dos russos não fala inglês.
Para contornar a barreira linguística, Nuno Luz conta que “eles [organização] recrutaram sobretudo jovens de dentro e de fora do país, para serem voluntários” e que acabaram por ficar, sobretudo, “nas zonas perto do estádio”. “Eram fantásticos a ajudar-te com tudo. Eu só acho que eles deviam também considerar colocar os voluntários em outros sítios da cidade, nos transportes, em sítios que fossem estratégicos para poder ajudar quem vai [ao Mundial]. A polícia não fala inglês, a maior parte das pessoas só fala russo. O teu melhor amigo na Rússia é o Google Translate”, explica-nos Nuno Luz.
O problema da língua acaba por se alargar aos transportes sendo que, remata Paulo Pereira, “a maior parte das indicações estão em cirílico”, um alfabeto bem diferente do nosso.
“Estádios de topo ao nível do que há melhor no mundo”
“O New Zenit Stadium foi um dos mais belos e modernos estádios que já visitei. A sua arquitetura lembra muito a de uma nave espacial, vinda de outro planeta. Na verdade, a ideia inicial era mesmo essa, que nos remetesse a algo de outro mundo, vindo diretamente do futuro para nos proporcionar um espetáculo da magnitude de um Campeonato do Mundo”, começou por nos contar Sávio Azambuja, do Fair Play, que se confessou impressionado na chegada à Rússia para cobrir a final da Taça das Confederações.
Os estádios, novos e modernos, foram destacados nas conversas com os vários jornalistas, que, ao SAPO 24, não se cansaram de elogiar o que encontraram naquele país convertido ao desporto rei durante aqueles quinze dias de torneio. Nuno Matos diz ter encontrado “muitas boas condições, boas salas de imprensa, boas áreas para os media”, tudo isto ‘recheado’ por uma grande equipa de “voluntários, sempre muito disponíveis para prestar informação”.
O mesmo sublinhou Paulo Pereira, que chegou a Portugal maravilhado com os estádios do Rubin Kazan e do Spartak, realçando “os bons acessos” e sublinhando ainda o facto de nos dias do jogo o metro ser grátis.
“Tens a sensação às vezes de haver mais polícia do que propriamente adeptos”
Por entre elogios e defeitos à organização da Taça das Confederações, houve algo que impressionou todos os jornalistas com quem conversámos: o nível de segurança. “A Rússia é um país com uma preocupação extrema em termos de segurança”, conta-nos Luz. “Quando chegas lá tens de te habituar a coisas tão simples como o facto de que todos os sítios em que entras tens uma máquina de raio x”.
Mesmo em redor dos estádios o perímetro de segurança é enorme, existindo dois pontos de revista, sempre. Um primeiro com o I.D. Fan, um cartão para os adeptos que tinha de acompanhar o bilhete, para quem queria assistir aos jogos. Neste cartão eletrónico o adepto tinha de fornecer à Comissão Organizadora várias informações pessoais, mais uma vez, por questões de segurança.
“Isso do limite de segurança... isso não podia ser um bocadinho encurtado? Eles não poderiam reduzir nas revistas que fazem à imprensa? Temos de perceber que é um país altamente complicado, um país de risco, onde, ainda em abril, no metro de São Petersburgo morreram dezenas de pessoas num atentado. Por isso também temos de fazer um esforço para os compreender”, sublinha Nuno Matos.
Sobre o I.D. Fan, Nuno Luz diz ter um sentimento agridoce. Por um lado, é bom o sentimento de segurança, por outro tudo isto torna o processo de entrada no estádio muito moroso.
“No Portugal-Nova Zelândia, em São Petersburgo, eu entrei com um bilhete normal e só consegui entrar aos 20 minutos de jogo. E fui para entrar no estádio 20 minutos antes da partida. Os russos não protestam por nada, mas eu não estou a ver os latinos a estarem ali uma hora e tal na fila... faz com que tu tenhas de ir para o estádio quase uma três horas antes do jogo”, revela-nos o jornalista da SIC que prevê que os adeptos do sul da Europa e da América do Sul não aceitem da melhor forma a situação.
A aventura da TVI teve outros contornos, conta-nos Paulo Pereira. Logo desde início, na chegada ao aeroporto, houve dificuldades em despachar o material de som e vídeo devido ao rigor de segurança imposto.
“Eles têm de saber de onde tu vens, para onde tu vais... eles têm de saber tudo. E não abdicaram disso. Acho que não vai haver lugar a grandes desvios no Mundial em relação aquilo que é a ideia deles quanto à segurança”, diz-nos o jornalista, que relata o episódio a que assistiu no jogo do terceiro e quarto lugar, no estádio do Spartak, em todas as pessoas do estádio saíam pelo mesmo lugar. “Tu sais de uma porta do estádio, mas a saída vai toda confluir ao mesmo sítio que é nada mais do que uma zona vedada com polícias e tropas especiais e tropas normais de 5 em 5 metros. Temos a sensação às vezes de haver mais polícia do que propriamente adeptos. Isto no estádio.”
Na final, em São Petersburgo, o cenário não era diferente, conta-nos Sávio Azambuja.
“Ao andar pela cidade no dia da grande final, pude perceber que os russos não estão para brincadeiras em relação à segurança. Nas estações de metro, todos aqueles que traziam mochilas eram obrigados a passar por um detetor de metais, seguindo-se uma revista. Os locais de aglomeração eram ostensivamente policiados, e soube que o mesmo sistema de controlo foi adotado nos hotéis credenciados pela FIFA. No palco da partida, o imponente New Zenit Stadium, a rigidez em relação à segurança não poderia ser diferente”, conta-nos o jornalista do Fair Play.
“Nada pareceu fugir ao controlo, nem mesmo a animação dos chilenos, que foram sem dúvida os mais barulhentos do torneio. Eram cerca de 12 mil na Rússia durante a Taça das Confederações. Tendo em vista que chegaram até à final, podemos imaginar o quanto estavam excitados com o evento”, rematou Sávio ao SAPO24.
As Rússias. A que está preparada para o Mundial e a que não está
“O povo russo merecia uma seleção à altura de um Campeonato do Mundo”, diz -nos Nuno Luz, reiterando que eles, os russos, “ficaram dececionadíssimos com a prestação da Rússia [na Taça das Confederações]”.
“A equipa russa, apesar dos apelos de Putin, não conseguiu conquistar os adeptos. Acabou eliminada na primeira fase, por apresentar um futebol modesto e que, definitivamente, não cativou. A sensação que passa é que os russos sabem até onde sua equipa pode ir, e certamente não será muito longe”, remata Sávio Azambuja, em uníssono com o jornalista da SIC.
O tom é concordante. O país passou no teste, a seleção não. Tanto porque, como diz Paulo Pereira, se criou um distanciamento entre “os adeptos e a seleção”, ou porque, como nos disse Nuno Matos, em ‘futebolês’, a seleção russa dos dias e hoje é “muito frágil, sem figuras” e ficará, certamente, refém “do grupo onde vai ficar no Mundial”.
No final de contas, todos os testemunhos pesados, decidimos recorrer às palavras do locutor Nuno Matos, que só em Mundiais, já passou, mais recentemente, por países como África do Sul, Alemanha ou Brasil, para resumir tudo: “Esta [competição] correu bem. Nem tudo foi rosas na África do Sul, nem tudo foi rosas na Alemanha, nem tudo foi rosas no Brasil, nem tudo foi rosas na Holanda, na Bélgica, na Áustria. Não acho que tenha ficado aquém das minhas expectativas”.
Declarações a que somamos as palavras de quem acompanha, há mais de 20 anos a seleção portuguesa: “Desde 1996 que fui a todos [as competições da FIFA], até estive em 1998 no Mundial de França, que Portugal não foi [qualificado]”, diz-nos Nuno Luz. “Eu já passei por tudo, e aquilo que eu vi na Rússia é muito mais do que já vi noutros sítios. Os russos foram 10 estrelas com os portugueses”.
Parecem palavras suficientes para se concluir que a Rússia passou no teste, com distinção.
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